Anunciado fim do bipartidarismo espanhol vai pela primeira vez às urnas
É um laboratório estranho para o primeiro embate com a realidade das certezas repetidas há meses pelas sondagens. A Andaluzia, onde a alternância nunca vingou, vota para eleger o seu governo regional.
No ano de todas as eleições – autónomas e municipais em Maio, catalãs em Outubro, legislativas em Novembro ou Dezembro –, coube à única região que resistiu ao bipartidarismo, governada há 33 anos pelos socialistas, dar o pontapé de partida. Isto quando no último inquérito do instituto Metroscopia para o jornal El País, há duas semanas, quatro partidos surgem com menos de quatro pontos de distância entre si, em empate técnico.
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No ano de todas as eleições – autónomas e municipais em Maio, catalãs em Outubro, legislativas em Novembro ou Dezembro –, coube à única região que resistiu ao bipartidarismo, governada há 33 anos pelos socialistas, dar o pontapé de partida. Isto quando no último inquérito do instituto Metroscopia para o jornal El País, há duas semanas, quatro partidos surgem com menos de quatro pontos de distância entre si, em empate técnico.
Em Janeiro, quando anunciou o fim da coligação com a Esquerda Unida, a socialista Susana Días acreditava que apanhando os rivais de surpresa chegaria à maioria absoluta. Nenhuma sondagem lhe dá os 55 lugares que lhe permitiriam governar sozinha no parlamento regional. E quase todas indicam que, desta vez, um pacto com a Esquerda Unida não será suficiente.
As sondagens dizem que os socialistas do PSOE e os conservadores do Partido Popular deixaram de ser os únicos com uma palavra a dizer nos destinos da Espanha. Dizem até que um partido que nasceu há pouco mais de um ano, o Podemos, ganharia as legislativas se estas se realizassem hoje. Mas não, são só os andaluzes que vão às urnas.
Voltemos por um momento ao inquérito mensal do Metroscopia. O Podemos, que nasceu do movimento dos indignados e o ano passado elegeu cinco deputados para o Parlamento Europeu, surge em primeiro pelo terceiro mês consecutivo (22,5% dos votos, menos 5% do que em Fevereiro) – a primeira vez que o partido de Pablo Iglesias conseguiu mais intenções de voto do que o PSOE e o PP foi em Novembro. Se em Fevereiro os eleitores davam ao Partido Popular o segundo lugar, em Março é o PSOE (20,2%) que passa a segundo e o PP (18,6%) desce para terceiro. Em quarto, num dado quase tão surpreendente como foi a irrupção do Podemos, aparece o Cidadãos, com 18,4% das intenções de voto (antes, nunca ultrapassara os 12%).
Nenhum politólogo tem uma explicação cabal para a ascensão meteórica do partido liderado por Albert Rivera, fundado em 2005 na Catalunha com um programa anti-independência. Certo é que Rivera, com 36 anos, os mesmos de Pablo Iglesias, se tornou numa estrela mediática. Os espanhóis estavam desesperados por alternativas. Nesse sentido, o Cidadãos também bebe do sucesso do Podemos, mesmo se apenas os une a defesa de uma reforma da política e dos partidos. Descrevendo-se como centrista, o Cidadãos consegue grande parte do seu apoio (no país e na Andaluzia) entre ex-eleitores do PP.
Se desde 2012, ano do 15M, quando 8 milhões de espanhóis acamparam em praças de todo o país a pedir uma democracia diferente, mais de dois terços dos espanhóis quer uma mudança de lideranças, era natural que depois de uma alternativa à esquerda surgisse uma ao centro ou à direita.
Novos rostos
E assim chegámos à Andaluzia, terra onde o PSOE governa desde que há democracia – sozinho ou em coligações com a Esquerda Unida ou os nacionalistas do Partido Andaluzista. Certezas, ou antes o que se repete a cada sondagem: os socialistas vão vencer com 45 a 47 lugares do parlamento de 119; o PP será segundo, com cerca de 25% e 34 deputados, três anos depois de ter conseguido eleger 50 e ser, pela primeira vez, o partido mais votado.
A partir daqui é tudo mais incerto: o Podemos surge em terceiro, mas com uma votação que vai dos 15% (15 deputados) aos 19%; a seguir, com intenções de voto que vão dos 6 aos 11% (12 lugares) aparece o Cidadãos, com um candidato, Juan Marín, que antes das municipais de 2007 fundou o Partido Cidadãos Independentes de Sanlúcar (Cádiz) e em 2011 se uniu à formação de Riveras.
A Esquerda Unida, habituada a ser terceiro partido, pode aguentar melhor o embate do que se pensava antes da campanha, quando as sondagens lhe davam entre 6 e 7% e quatro ou cinco deputados. O desconhecido Antonio Maíllo, que assumiu a coordenação regional do partido em 2013, beneficiou das semanas na estrada e dos dois debates a três e pode afinal conservar os 11% de 2012, ainda que com a nova distribuição de votos isso lhe custe quatro dos actuais 12 deputados.
Quase tão desconhecido como Riveras e Maíllo era Juan Manuel Moreno, à frente do PP Andaluz há um ano. Os debates correram-lhe bem, mostrando-se preparado e com uma postura tranquila que chocou com a agressividade (dizem comentadores e telespectadores) de Susana Días. Para o bem e para o mal, o núcleo duro nacional nunca o abandonou (o primeiro-ministro, Mariano Rajoy, participou em cinco actos de campanha), insistindo no discurso da responsabilidade junto dos seus eleitores históricos mais zangados com a política de austeridade (que aqui teve consequências ainda mais graves do que no resto do país) e repetidos casos de corrupção que envolvem a máquina no partido.
A presença dos líderes nacionais mostra bem a importância da Andaluzia enquanto laboratório do novo tabuleiro político. No palco do comício para 16 mil pessoas onde o Podemos fez os últimos apelos ao voto não esteve só Pablo Iglesias mas as figuras mais importantes do partido. O principal bastião socialista do país é o pior cenário para o primeiro teste eleitoral pós-europeias do partido. Sem ser uma novata (foi a votos antes de votar, com 18 anos, nas listas da Esquerda Unida), a candidata, Teresa Rodríguez, professora de liceu de 34 anos, era desconhecida da maioria dos andaluzes.
Depois dos votos
Susana Díaz, que assumiu a liderança do governo quando um escândalo de desvio de fundos forçou o afastamento de José Antonio Griñan, foi quem menos desejou a presença do líder nacional do seu partido, Pedro Sánchez, que na sexta-feira partilhou o palco com a candidata pela segunda e última vez. Sanchéz quer ver começar na Andaluzia um ciclo de vitórias que termine com a sua chegada ao poder; Díaz tem ambições nacionais e, apesar de garantir que vai cumprir o mandato, não queria o líder a lembrar aos andaluzes que esteve quase a disputar com ele as primárias para a liderança do partido.
A socialista passou a campanha a pedir uma maioria absoluta e a recusar negociar com o PP e com o Podemos, sem nunca dizer se o fará com o ex-parceiro, a Esquerda Unida, ou se admite coligar-se com o Cidadãos. Com alguém terá de negociar e esse processo, depois de contados os votos dos 6,5 milhões de eleitores que decidam votar, mais até do que a ida às urnas, será o verdadeiro laboratório do vendaval partidário espanhol.
Com quem estão dispostos os socialistas a governar num país sem experiência de grandes coligações? Que cedências poderão fazer os partidos emergentes em nome da estabilidade governativa e da chegada ao poder? Quando as sondagens para as eleições gerais antecipam que nenhum partido pode reclamar com tranquilidade o direito a governar, estas questões não dizem respeito só aos andaluzes. À espera das respostas estão os 47 milhões de espanhóis.