Quão de repente...
Billy Collins, um dos mais populares poetas americanos, em antologia organizada pelo próprio autor.
Poeta americano, Billy Collins nasceu em Manhattan em 1941 e cresceu em Queens. Professor, consultor e mentor de várias revistas, promotor de workshops de poesia, foi laureado, entre 2001 e 2003, como Joseph Brodsky ou Stanley Kunitz; escreveria aliás, em 2002, um magnífico poema, incluído nesta antologia, Os Nomes, homenagem às vítimas dos ataques do 11 de Setembro. Aclamado em várias frentes, popularíssimo nos Estados Unidos, a leitura de poemas e a participação em podcasts e programas de rádio, assim como a gravação de CD, trouxeram-lhe um número de seguidores e de leitores sem paralelo e permitiram-lhe recordes de vendas inabituais quando se trata de poesia. A transição da University of Pittsburgh Press para a Random House chocou os seus pares. Curiosa apreciação de John Updike: “Billy Collins escreve belos poemas... límpidos, arrebatadoramente delicados, mais sérios do que parecem ser, descrevem todos os mundos que existem, existiram e alguns outros além.” Entretanto, por cá, a Averno editou uma antologia organizada pelo próprio autor. A capa divertida e surpreendente, desenhada por Daniela Lisboa Gomes, mimetiza um dos traços menores de Billy Collins, um modo peculiar de brincar com as coisas (a epígrafe de Adriano subsume o livro todo), o humor, a surpresa, uma incisão controlada, um sobressalto que não cessa de ecoar, fantasmagoricamente.
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Poeta americano, Billy Collins nasceu em Manhattan em 1941 e cresceu em Queens. Professor, consultor e mentor de várias revistas, promotor de workshops de poesia, foi laureado, entre 2001 e 2003, como Joseph Brodsky ou Stanley Kunitz; escreveria aliás, em 2002, um magnífico poema, incluído nesta antologia, Os Nomes, homenagem às vítimas dos ataques do 11 de Setembro. Aclamado em várias frentes, popularíssimo nos Estados Unidos, a leitura de poemas e a participação em podcasts e programas de rádio, assim como a gravação de CD, trouxeram-lhe um número de seguidores e de leitores sem paralelo e permitiram-lhe recordes de vendas inabituais quando se trata de poesia. A transição da University of Pittsburgh Press para a Random House chocou os seus pares. Curiosa apreciação de John Updike: “Billy Collins escreve belos poemas... límpidos, arrebatadoramente delicados, mais sérios do que parecem ser, descrevem todos os mundos que existem, existiram e alguns outros além.” Entretanto, por cá, a Averno editou uma antologia organizada pelo próprio autor. A capa divertida e surpreendente, desenhada por Daniela Lisboa Gomes, mimetiza um dos traços menores de Billy Collins, um modo peculiar de brincar com as coisas (a epígrafe de Adriano subsume o livro todo), o humor, a surpresa, uma incisão controlada, um sobressalto que não cessa de ecoar, fantasmagoricamente.
Nos poemas de Billy Collins escreve-se muitas vezes de dentro do pólo fantástico, do sonho, da assombração (“eu sou esse cão que tu puseste a dormir,/ e volto”). O atrito que irrompe no curso banal dos dias, introduzindo uma estranheza, leva o leitor a ter de reler o poema. E isto é alicerce improvável do que escreve. Assim, surpreendentemente, um enigmático molho de fósforos na capa, ao encontro de um ratinho na contracapa: “O CAMPO — Pensei em ti/ quando me disseste para nunca deixar/ a caixa de fósforos de madeira, daqueles de emergência, perdida pela casa, uma vez que os ratos// podiam chegar-lhe e começar um incêndio./ mas a tua cara estava absolutamente serena/ enquanto enroscava a tampa da lata redonda/ onde os fósforos, como disseste, estão guardados.// Quem poderia dormir naquela noite?/ Quem poderia afastar a imagem/ de um desses improváveis ratos/ caminhando por um cano de água fria// por trás do papel de parede às flores/ e agarrar um único fósforo/ entre as agulhas dos dentes?/ Quem não conseguiria imaginá-lo a dobrar a esquina?”. Ratos, talvez porque Collins se mudou há já uns anos para uma quinta, em Katonah, a cerca de uma hora de comboio da Central Station. A sua poesia não é de modo algum autobiográfica, mas nela vibra o trivial, o (seu) trivial. A travessia, a sucessão daquilo que no decurso de um longo passeio com o cão, do viajar da viagem, irrompe; o leitor é tornado numa espécie de sidecar. Por isso, a proliferação de dícticos. espaciais e temporais, a manipulação de várias modalidades do discurso.
O poeta faz da atenção em potência, conectada com um traço intensivo, um acto, isto é, o motor de um poema. E cada poema é um todo, um único, um átomo. Provém daquilo que, segregado da experiência dos dias, de um dia, se singularizou. A própria memória, diz-se, volta a reboque do acidental. Este é o dom de certas coisas. Que chamam, que desdobram a imaginação, e ela acompanha intencionalmente um trajecto, vela, e num jacto laborioso encadeia em escrita, não denegando a origem. Pelo contrário, acentuando a efemeridade e o movimento, abusando do gerúndio. Localizando o aqui e o agora, o de súbito, numa cidade ou pela paisagem em curso. Anotar de memória os pensamentos, olhar proustianamente as coisas, sempre do ponto de vista da eternidade. E escrevê-las, continuamente. A escrita é um processo infernal, ou em progresso, sem fim. “Este amor pelas coisas quotidianas,/ em parte intrínseco ao grande olhar da infância,/ em parte um cálculo literário,// estaremos apenas a evitar o nosso único e verdadeiro destino/ quando fazemos isso, desviando o nosso olhar/ de Philip Larkin que espera por nós com um casaco de coveiro?// Os ramos despidos contra o céu/ não vão salvar ninguém do vazio que os envolve, nem o açucareiro ou a colher de açúcar em cima da mesa.// Então para quê preocuparmo-nos com o farol axadrezado?// Para quê perder tempo com o pardal,/ ou as flores selvagens ao longo da estrada// quando todos devíamos estar sozinhos nos nossos quartos/ a atirarmo-nos contra a parede da vida/ e a parede oposta da morte,// com a porta trancada atrás de nós/ enquanto arremessarmos pedras contra a questão do sentido/ e o mistério das nossas origens?// Para que serve o pirilampo,/a gota deslizando ao longo da folha verde, ou até o sabonete escorregando em volta da banheira// quando devíamos realmente estar/ a bater tão forte quando podemos no mistério/ e os vizinhos que se danem?// O bater sem parar no próprio Nada,/alguns com as testas,/ outros com o malho dos sentidos, o queixo levantado da poesia.”
Diurna, a poesia de Billy Collins pode parecer até solar se não fosse um ponto negro em movimento que eleva aos céus. Uma fricção que se entrelaça e que se não a torna, por um lado, dilacerada, nocturna, nem hermética ou enigmática, fá-la pelo menos ambígua, acende-lhe um rastilho no limite sempre indecifrável, resguardando alguma opacidade. Até pelo trabalho da linguagem, muito mais complexo do que à primeira vista pode chegar a parecer. O ritmo e a musicalidade fazem-se em si sentir. Nos seusworkshops, Billy Collins fazia ler poemas em línguas inacessíveis aos participantes apenas para percepção dos sons. É uma poesia culta, que entrança num mesmo plano, ou sob um mesmo ethos, datas (“Então, Enid Parker (...), que aconteceu entre 1863 e 1931?”), nomes, vários, díspares, mais ou menos reconhecidos, que arrastam consigo um universo (de Wittgenstein, Jiménez, Monsieur Paul Valéry... a Marilyn Monroe), impressões triviais e parcelares de um lugar. Poesia do lado do sujeito, do ponto de vista do sujeito que enuncia (e do efeito calculado sobre o leitor): do riso que engendra uma situação de compra de um colchão no inferno caótico de um centro comercial ao horizonte despedaçado de um edifício com a fachada destruída: “quão de repente o privado/ se revela numa cidade bombardeada;/ quando o listrado azul e branco do papel de parede// de um quarto no segundo andar (...)”. Talvez um dos mais belos e intensos poemas desta antologia, com outros, muitos outros.
Já agora, porquê ter chamado, a Aimless Love, Amor Universal?