Para que serve um deputado?
O ideal seria termos milhões de deputados: toda a população adulta incluída num sistema de representação gradualmente direta que tornaria a cidadania um exercício político contínuo natural
Provavelmente muitos deputados pouca serventia têm. Mas podem e deviam servir para muito. O peso da decisão e gestão política na nossa vida é imenso, nega-lo é duplamente grave e coloca a democracia em perigo de morte. Falham duplamente os cidadãos e os representantes políticos, sem falar no próprio sistema.
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Provavelmente muitos deputados pouca serventia têm. Mas podem e deviam servir para muito. O peso da decisão e gestão política na nossa vida é imenso, nega-lo é duplamente grave e coloca a democracia em perigo de morte. Falham duplamente os cidadãos e os representantes políticos, sem falar no próprio sistema.
Pensando em Portugal e no sistema político instituído, um deputado serve para representar um determinado número de cidadãos, de uma determinada comunidade ou zona geográfica, constituída em círculos eleitorais. Esta necessidade de representação é antiquíssima, por razões funcionais e das antigas hierarquias sociais. Seria difícil ter todos os cidadãos de um país reunidos em assembleia. Só hoje, com as novas tecnologias de informação e comunicação (TIC), é possível começar a ensaiar outros modos mais diretos de decisão política, através de referendos e constituição de grupos de decisão e deliberação temáticas.
Então será que nos sentimos representados pelos nossos deputados? Talvez não. Tendo em conta que as eleições acontecem através de círculos plurinominais, com listas fechadas associadas a partidos em que se vota em “packs”, é provável que exista pouca ligação entre eleitores e eleitos. Uma solução pode ser os círculos uninominais, em que se vota directamente num nome, ficando a certeza para o cidadão de ter depositado o seu voto no deputado X, podendo assim dar-se uma ligação mais direta. Esta opção pode fazer reduzir a representação de forças e movimentos políticos minoritários, mas existem sistemas mistos para garantir essa diversidade tão saudável em democracia. O que importa será garantir a ligação entre eleitos e eleitores, quanto mais direta melhor. São vários os estudos que apontam para a falta de empatia dos portugueses – a dificuldade em cada um se colocar no lugar do outro.
Então quantos deputados necessitamos? Muitos dizem 180, o mínimo definido na constituição. Mas porque não 100 ou menos? É certo que o mínimo depende de questões de representatividade, mas para sabermos quantos precisamos seria necessário primeiro saber exactamente para que servem, sem dúvidas. Se realmente servem para nos representar até poderíamos conceber precisar de mais deputados, que elejamos directamente, que nos sejam próximos, que nos possam valer segundo os nossos valores e o interesse público. Precisamos de saber em quem votamos, quem são, o que valem e o que fazem realmente para os podermos avaliar. Ficamos com duas opções. Ou os deputados devem ter mais funções e ser responsabilizados por isso, ou então menos e fazer a sua função em tempo parcial, apenas o suficiente para poderem representar, em determinadas votações, quem neles depositou o voto, numa perspetiva puramente cívica.
No entanto, parece-me que o ideal seria termos milhões de deputados: toda a população adulta incluída num sistema de representação gradualmente direta que tornaria a cidadania um exercício político contínuo natural. Resta saber se isso algum dia será possível, num futuro com outras tecnologias, outras formas de fazer política e outra atitude cívica.