Uma questão de método
Nas comissões de inquérito a escândalos de corrupção política e fraude bancária, os resultados têm sido parcos.
O artigo fazia referência a uma lista de nomes, já divulgada pela comunicação social independente angolana, de alegados beneficiários de empréstimos por parte do Banco Espírito Santo – Angola (BESA) para negócios pessoais ficando os depositantes do BES “a ver navios”. Como concluíra oportunamente a deputada Mariana Mortágua, membro da Comissão de inquérito ao BES, num artigo de opinião publicado no www.esquerda.net em 26-12-2014, “O problema não é [o BES] ter emprestado dinheiro a Angola. É ele ter sido gasto de forma potencialmente danosa e fraudulenta.”
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O artigo fazia referência a uma lista de nomes, já divulgada pela comunicação social independente angolana, de alegados beneficiários de empréstimos por parte do Banco Espírito Santo – Angola (BESA) para negócios pessoais ficando os depositantes do BES “a ver navios”. Como concluíra oportunamente a deputada Mariana Mortágua, membro da Comissão de inquérito ao BES, num artigo de opinião publicado no www.esquerda.net em 26-12-2014, “O problema não é [o BES] ter emprestado dinheiro a Angola. É ele ter sido gasto de forma potencialmente danosa e fraudulenta.”
Contudo, não foi a divulgação de um conjunto de nomes associados ao regime de Angola que despertou o interesse dos deputados e causou a estupefacção de alguns jornalistas de corte, mas o facto de Paulo Morais ter afirmado que essa longa lista de empréstimos era “ignorada pela Comissão Parlamentar de Inquérito ao BES”. Essa “acusação” não podia passar em branco.
Não obstante Paulo Morais assine o seu artigo como professor universitário, foi através da Transparência e Integridade, Associação Cívica (TIAC) que o Presidente da Comissão parlamentar de inquérito ao BES solicitou, em carta de 13-02-2015, que Paulo Morais fornecesse, entre os documentos que possuía sobre os alegados beneficiários (sendo que a palavra “documentos” nunca fora utilizada pelo visado), o “Anexo à Garantia Soberana do Estado de Angola sobre os créditos do BESA”, como se Paulo Morais ou a TIAC tivessem a obrigação de ter isso consigo ou tivesse se quer poderes de inquérito judicial para recolher essa prova.
Neste episódio, a confusão de papéis é um mal menor: Paulo Morais era, para todo os efeitos, dirigente da TIAC; mas o que não é admissível é a aparente indiferença da Comissão perante informação do domínio público que pode (ou não) ajudar a desvendar o destino desse dinheiro e à recuperação do capital desviado. Em vez de agir sobre informação que era já pública – e que em Portugal era olimpicamente ignorada – nomeadamente, convidando a testemunhar os jornalistas e activistas angolanos que se ocupam de escrutinar diariamente os negócios da classe política do seu país, a Comissão agiu sobre quem trazia esta informação a lume, pedindo ao mensageiro que entregasse a prova documental que só as instâncias judiciais (incluindo a própria comissão de inquérito) têm autoridade e recursos para desvendar.
Esta passividade, perante aquela que é provavelmente a única alegação pública sobre os destinatários dos empréstimos do BESA, é a reação normal das autoridades portuguesas sempre que em qualquer país terceiro surgem informações ou notícias sobre suspeitas de que empresas nacionais subornaram funcionários ou políticos estrangeiros, ao arrepio da Convenção da OCDE de 1997. Não por acaso, a conclusão dos avaliadores da OCDE sobre o desempenho das autoridades portuguesas nesse domínio assenta que nem uma luva à comissão de inquérito: “The lead examiners are gravely concerned that Portuguese authorities repeatedly fail to investigate foreign bribery allegations thoroughly and proactively” (Phase 3 Report on Implementing the OECD anti-bribery convention in Portugal, Junho 2013).
As comissões de inquérito em S. Bento funcionam com diferentes níveis de intensidade e qualidade; contudo, no que concerne as comissões de inquérito a escândalos de corrupção política e fraude bancária, os resultados têm sido parcos. Falta vontade política, mas falta também método.
No Reino Unido, as comissões de inquérito recorrem com frequência a notícias veiculadas na comunicação social, fóruns e redes sociais para recolher evidências, mesmo que estas careçam de documentação de suporte ou uma certeza sobre a sua fonte primária, sendo a comissão responsável pela verificação da credibilidade dos conteúdos e pela decisão da sua utilização ou não no decorrer dos trabalhos. Em Portugal, as comissões de inquérito dão-se ao luxo de excluir alegações de práticas fraudulentas nos media estrangeiros na fase preliminar dos trabalhos. Assim não vamos lá...
Presidente da TIAC (lmsousa@ua.pt)