Governo ignora estudos e lança linha mais cara entre Aveiro e Vilar Formoso

Plano Estratégico de Transportes e Infra-estruturas previa solução mais barata aproveitando a linha da Beira Alta.

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Este investimento tem um custo próximo dos mil milhões de euros e é o dobro daquele que a Refer tem andado a estudar PÚBLICO/Arquivo

Este investimento tem um custo próximo dos mil milhões de euros e é o dobro daquele que a Refer tem andado a estudar e que consiste em fazer uma melhoria à actual linha da Beira Alta, para a qual pretendia construir variantes, aumentando-lhe a capacidade e permitindo a circulação de comboios de mercadorias com 750 metros.

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Este investimento tem um custo próximo dos mil milhões de euros e é o dobro daquele que a Refer tem andado a estudar e que consiste em fazer uma melhoria à actual linha da Beira Alta, para a qual pretendia construir variantes, aumentando-lhe a capacidade e permitindo a circulação de comboios de mercadorias com 750 metros.

O Governo candidatou esta linha ao mecanismo Connecting Europe Facility (CEF) e ao fundo de coesão, mas o PÚBLICO apurou que dificilmente a sua construção poderá avançar antes de 2020, quando termina o actual quadro comunitário de apoio. É que a linha de alta velocidade Aveiro – Salamanca, que foi anunciada na cimeira ibérica da Figueira da Foz em 2003, pouco avançou no papel, tendo o anterior Governo dado prioridade aos estudos para o TGV entre Porto e Vigo e Lisboa – Badajoz.

Por isso, está praticamente tudo para fazer ao nível dos estudos, ao passo que a modernização da linha actual já se encontra mais avançada, contemplando, inclusive, soluções que permitiriam no futuro a mudança da bitola (distância entre carris) ibérica para europeia.

A solução encontrada pela Refer (e que está contemplada no PETI3+) prevê intervir em mais de metade da linha da Beira Alta (Pampilhosa – Vilar Formoso), basicamente através da construção de variantes e de troços duplos que aumentam a sua capacidade e velocidade. O objectivo era que, num contexto de crise e após a demonização dos grandes projectos ferroviários do consulado de Sócrates, se fizesse agora uma abordagem mais económica, aproveitando a infra-estrutura existente.

Já uma nova linha – que na verdade pode custar mais de mil milhões de euros pois atravessa uma zona montanhosa entre Aveiro e Mangualde – terá, porém, a vantagem de colocar a cidade de Viseu na geografia ferroviária portuguesa através de uma linha de passagem, em vez de ser servida por um simples ramal como contempla o estudo da Refer.

Seja como for, a nova linha Aveiro – Vilar Formoso é, para já, apenas um anúncio de candidatura a fundos comunitários para estudos. Carece de uma avaliação sócio-económica e de custo-benefício que prove que a região Norte e Centro precisa de uma nova linha férrea de ligação a Espanha. É que a natureza das actividades exportadoras destas regiões portuguesas assenta em pequenas e médias empresas, cuja logística é facilmente resolvida com camiões, mais flexíveis do que a ferrovia de mercadorias, que está hoje baseada em comboios bloco de uma só origem e destino, como acontece com o tráfego de contentores proveniente de Sines.

Os estudos terão, assim, de demonstrar que os portos de Leixões e Aveiro serão capazes – tal como o de Sines - de acomodar navios porta-contentores post-Panamax que permitem alimentar um fluxo contínuo de comboios de mercadorias que justifiquem o investimento de muitos milhões que pressupõe uma nova linha férrea.

É que a própria modernização da linha da Beira Alta que ocorreu nos anos 80 já tinha como premissa que por ela circulariam diariamente dezenas de comboios de mercadorias, o que nunca veio a verificar-se. A quota de mercado do modo ferroviário no transporte de mercadorias entre Portugal e Espanha é de apenas 4%. O resto é transportado por camião.

A razão para esta quota residual não é a falta de infra-estrutura, uma vez que a actual linha da Beira Alta, apesar de alguns constrangimentos, está subaproveitada. Por isso, será necessário convencer Bruxelas de que este investimento será a solução para retirar camiões das estradas e aumentar a quota da ferrovia.

A futura linha, seja nova ou resultando de uma melhoria da actual, será feita de maneira a adaptá-la posteriormente à bitola europeia. Algo que só acontecerá, obviamente, quando Espanha fizer o mesmo a partir de Vilar Formoso. Mas não há qualquer calendarização para tal por parte do país vizinho, que nunca teve a preocupação de dar continuidade no seu território à linha da Beira Alta.

Basta recordar a cimeira da Figueira da Foz de 2003: além de um TGV Aveiro-Salamanca ficou acordado que nuestros hermanos electrificariam a linha convencional até Vilar Formoso. Mas, 12 anos depois, continua tudo na mesma. Todos os dias os comboios chegam à fronteira rebocados por uma locomotiva eléctrica portuguesa que é substituída por uma máquina a diesel espanhola a fim de poder prosseguir viagem em Espanha.

E este constitui mais um bloqueio a resolver para que se justifique um investimento de tal envergadura na linha da Beira Alta. Sem compromissos políticos assumidos por parte dos espanhóis de que esta linha terá seguimento além de Vilar Formoso, o anúncio da sua construção não passará de isso mesmo – um simples anúncio.