União Europeia lidera consumo de bens ligados à destruição ilegal das florestas tropicais
Relatório conclui que quase 25% dos bens agrícolas produzidos em terras ilegalmente desflorestadas é importado para países da UE.
“De 2000 a 2012, 2,4 milhões de hectares de terreno foram ilegalmente desflorestados nos trópicos”, lê-se nesse relatório.
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“De 2000 a 2012, 2,4 milhões de hectares de terreno foram ilegalmente desflorestados nos trópicos”, lê-se nesse relatório.
“O facto de a UE ser líder mundial nas importações de produtos que fomentam a desflorestação já está bem documentado, mas esta é a primeira vez que temos dados que mostram que grande parte dessa desflorestação é ilegal”, diz Saskia Ozinga, responsável da Fern, citado num comunicado daquela ONG.
O título do relatório não deixa margem para dúvidas sobre o veredicto: “Bens roubados: a cumplicidade da UE na desflorestação tropical ilegal”. No seu conjunto, explica ainda esse documento, a UE importa “27% de toda a soja, 18% de todo o óleo de palma, 15% de toda a carne de vaca e 31% de todo o couro disponível no mercado internacional decorrente da destruição ilegal da floresta tropical”. Só em 2012, isso representou, em termos monetários, uma factura de 6000 milhões de euros em importações, estima ainda o relatório.
Na frente deste consumo de “produtos roubados” estão a Holanda (o porto de entrada da maior parte desses produtos na UE), a Itália, a Alemanha, a França e o Reino Unido. Ainda segundo o estudo agora publicado, estes países importaram 75% desses produtos “sujos” e consumiram 63%.
Mais precisamente, a Holanda e a Alemanha são os maiores importadores de óleo de palma, utilizado nos produtos cosméticos e na indústria alimentar; o Reino Unido é o grande importador de carne de vaca; a maior parte do couro destina-se ao mercado italiano, para a confecção de calçado e malas (num valor de mil milhões de euros, o que faz deste país o maior consumidor europeu destes produtos “ilegais”); e a França é o maior importador de soja, que utiliza na alimentação de suínos e aves de criação.
O estudo especifica ainda que os países de origem dos bens agrícolas derivados da desflorestação ilegal são sobretudo o Brasil (onde cerca de 90% da desflorestação é ilegal) e a Indonésia (onde se estima que 80% da desflorestação é ilegal). Mas países como a Malásia, o Paraguai, os Camarões, República do Congo, Gabão, Papuásia-Nova Guiné, Laos e Camboja também fazem parte da lista de fornecedores.
“O consumo da UE não só contribui para a devastação ambiental como também para as alterações climáticas”, diz por seu lado Sam Lawson, autor do relatório, citado no comunicado da Fern. “E a natureza ilegal da desflorestação também significa que está a promover a corrupção, a perda de rendimentos, a violência, a violação dos direitos humanos. Aqueles que têm tentado travar a desflorestação ilegal têm recebido ameaças, sido alvo de ataques ou mesmo mortos”, acrescenta.
O relatório também recomenda medidas que a UE deveria tomar para travar a sua contribuição para a desflorestação ilegal.
“A procura de bens que põem em risco a floresta está a ser motivada por uma série de políticas da UE ao nível da agricultura, do comércio e da energia”, explica ainda Saskia Ozinga. “Precisamos urgentemente de um plano de acção para tornar estas políticas coerentes, reduzir o consumo da UE e garantir que apenas importamos bens legais e produzidos de forma sustentável.” Mais precisamente, acrescenta, “um Plano de Acção sobre a Desflorestação e a Degradação das Florestas poderá desencadear um diálogo entre os países da UE e os fornecedores, utilizando o comércio como incentivo. A UE pode instigar reformas legislativas nos países fornecedores ao juntar os governos, a indústria e os grupos da sociedade civil, não apenas para reduzir a desflorestação, mas também para melhorar a governação e reforçar os direitos vitalícios das comunidades indígenas e locais.”
Muitas empresas têm-se comprometido recentemente a eliminar os produtos provenientes da desflorestação ilegal da sua cadeia de produção, explica ainda o comunicado da Fern. Porém, o relatório alerta para o facto que, num contexto de ilegalidade generalizada, as empresas terão dificuldades para cumprir esses compromissos sem intervenção governamental.
“A UE comprometeu-se a reduzir a perda bruta de florestas em 50% até 2020 e eliminá-la até 2030”, diz Catherine Bearder, eurodeputada dos liberais democratas (Lib-Dem) britânicos, num depoimento recolhido pela Fern. “Uma maneira de atingir esses objectivos (…) é tornar mais rígidos os requisitos de importação entre os países exportadores de madeira e a UE. A outra é, obviamente, a necessidade urgente de reforçar o Plano de Acção FLEGT [Plano de Acção da UE para a Aplicação da Legislação, a Governação e o Comércio no Sector florestal], que precisa de ser reorientado, passando a abranger não só o comércio ilegal de madeira, mas também qualquer conversão ilegal de terras para fins agrícolas.”