Eleições para a mudança podem deixar tudo na mesma em Israel
Israelitas parecem querer que a votação resulte numa mudança do rumo político do país, mas as sondagens também dizem que nem o bloco de direita, liderado por Benjamin Netanyahu, nem a surpreendente aliança de centro-esquerda, de Isaac Herzog e Tzipi Livni, terão os mandatos necessários para governar sem alianças.
A confirmarem-se as projecções eleitorais, a União Sionista deverá ficar com 24 a 26 lugares no Knesset, contra 20 a 22 do Likud. Como é tradição, a formação do Governo dependerá dos acordos políticos para compor uma coligação com 61 assentos parlamentares. No último dia de campanha, Isaac Herzog acreditava ser capaz de organizar uma “Grande Coligação” e virar a agulha para a esquerda. “O momento é crucial. A revolução está iminente. Chegou a hora da mudança”, frisou.
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A confirmarem-se as projecções eleitorais, a União Sionista deverá ficar com 24 a 26 lugares no Knesset, contra 20 a 22 do Likud. Como é tradição, a formação do Governo dependerá dos acordos políticos para compor uma coligação com 61 assentos parlamentares. No último dia de campanha, Isaac Herzog acreditava ser capaz de organizar uma “Grande Coligação” e virar a agulha para a esquerda. “O momento é crucial. A revolução está iminente. Chegou a hora da mudança”, frisou.
“Serei o primeiro-ministro de Israel. E serei o primeiro-ministro de todos em Israel: da direita e da esquerda, dos colonos, dos haredim, dos drusos, dos árabes, do centro e da periferia, dos estudantes e dos idosos. Tivemos um longo período de divisão, mas prometo voltar a unir Israel”, entusiasmou-se Herzog, de 54 anos, conhecido pelo seu pragmatismo e também pela alcunha “Buji”.
O optimismo de Herzog, embalado pelo favoritismo das sondagens, pode revelar-se prematuro. Mesmo no caso de vitória da União Sionista, a votação poderá ser insuficiente para impedir a formação de um novo Governo conservador, liderado pelo inevitável Benjamin Netanyahu – o “rei Bibi”, ou o “primeiro-ministro teflon”, assim conhecido por não deixar que nada se lhe cole à pele.
No fio da navalha, Netanyahu queimou na segunda-feira os últimos cartuchos para evitar a derrota e garantir a manutenção no cargo, com um apelo desesperado ao voto no Likud. O seu desafio era resgatar o voto conservador e nacionalista que se dispersou pelas várias formações da direita. “Votar nos outros partidos prejudica o Likud”, afirmou Bibi, explicando que se o seu partido não conseguir os mandatos suficientes para formar uma coligação, os seus adversários Herzog e Livni não hesitariam em formar Governo com o apoio da esquerda e dos partidos árabes.
Este era um cenário que parecia impensável em Dezembro, quando Netanyahu dissolveu a coligação governamental e forçou as eleições para ultrapassar o impasse e a crise política na coligação, composta por cinco partidos centristas e de direita. A manobra, concordaram os analistas, destinava-se a consolidar o seu poder: o primeiro-ministro foi claro ao explicar as suas intenções, exigindo um “claro mandato para dirigir o país”.
Mas a campanha não correu nada bem a Bibi que, pela primeira vez em seis anos (e três mandatos), corre o risco de perder as eleições. Nos últimos meses, o primeiro-ministro viu a sua liderança contestada na rua, em manifestações de protesto, na imprensa e nos fóruns e gabinetes. Até antigos chefes militares criticaram abertamente o chefe do Governo, nomeadamente o antigo responsável pela Mossad, Shabtai Shavit, que classificou Netanyahu e o seu aliado Naftali Bennet, do ultranacionalista Casa Judaica, como “as maiores ameaças à segurança do Estado”.
A sua visita aos Estados Unidos, para um controverso discurso no Congresso norte-americano a convite da maioria republicana, revelou-se um desastre diplomático e de relações públicas, comprometendo não só a privilegiada relação com Washington como também as percepções domésticas quanto às prioridades do primeiro-ministro. “A insistência no tópico do Irão, com todo o antagonismo que provoca e quando temos tantos problemas mais prementes para resolver, parece um pouco patética”, dizia ao Guardian uma eleitora de Kfar Aza, uma localidade que fica a cinco quilómetros de Gaza.
Além de repetir a sua intransigência face à solução de dois Estados defendida pela comunidade internacional – no último comício, Netanyahu insistiu que consigo à frente do Governo nunca haverá um Estado Palestiniano independente –, a campanha do Likud abusou da retórica belicista, carregando nas cores das ameaças ao Estado judaico representadas pelo armamento nuclear do Irão e pela expansão do extremismo islâmico. “Só nós podemos impedir isso”, alegou Netanyahu, que prevê uma “capitulação” às exigências palestinianas ou iranianas, se os seus adversários da União Sionista formarem Governo.
A segurança nacional costuma estar no topo das preocupações dos eleitores israelitas, mas, como provaram várias pesquisas feitas durante a campanha, desta feita outros assuntos assumiram mais importância. Acima de tudo, os eleitores exprimiram a sua frustração com a situação económica do país – a subida da inflação e do custo de vida, a crise habitacional, o acesso à saúde – e com as questões da pobreza e justiça social.
Com a eleição convertida num referendo a Netanyahu, que poucas soluções apresentou para os problemas da classe média, as pesquisas mostravam que 72% dos israelitas esperavam que a votação resultasse em mudança. Quanto ao futuro primeiro-ministro, 48% preferiam que não voltasse a ser Netanyahu, contra 42% que esperavam que o líder do Likud se mantivesse no cargo.
As sondagens apontavam para uma expressiva parcela de indecisos, que ia dos 10 aos 20% dos eleitores na véspera da votação. A distribuição desses votos deve ser insuficiente para garantir uma maioria absoluta a qualquer dos blocos (que seria absolutamente inédita na História de Israel), mas pode definir o sentido das negociações pós-eleitorais. “Não há maioria nem com todos os partidos de direita juntos, nem com todos os partidos de esquerda juntos. E no centro, temos dois partidos que podem decidir o resultado”, notava à rádio Voz da América o professor da Universidade Hebraica Abraham Diskin.
O que se espera é que seja o novo partido centrista Kulanu (ou Todos Nós), formado pelo ex-ministro das Comunicações Moshe Kahlon, um dissidente do Likud, a desempenhar o papel de fiel da balança nesse processo negocial. Os analistas políticos acreditam que a votação no Kulanu ultrapassará as expectativas: o partido representa os conservadores que estão descontentes com Netanyahu e querem mudança – mas para quem votar no centro-esquerda ainda é um passo mais largo do que a perna. Kahlon tem escondido o jogo relativamente a apoios governamentais, mas não tem feito segredo sobre o seu desejo de ocupar o Ministério das Finanças. Se o cargo lhe for garantido, não é de excluir que aceite participar num Governo da União Sionista.
O pêndulo também pode ficar na mão da Lista Conjunta, que agrega os quatro partidos árabes moderados e é uma das grandes novidades desta eleição. Segundo as sondagens, poderá chegar aos 13 mandatos, e tornar-se a terceira maior força no Knesset. No que diz respeito a acordos, a sua lealdade é com as forças da esquerda – o líder, Ayman Odeh, disse que, apesar de não aceitar coligar-se com forças sionistas, garantiria o apoio parlamentar a um Governo de centro-esquerda.
Uma última incógnita tinha a ver com a participação no acto eleitoral: com 25 partidos no boletim, quanto maior a adesão do eleitorado, menor a probabilidade dos partidos das franjas – como o Beitenu de Avigdor Lieberman, na extrema-direita, ou o Meretz de Zehava Galon, na ponta esquerda - conseguirem ultrapassar a fasquia de 3,25% dos votos que lhes garante uma representação parlamentar. A acontecer, a composição de alianças para chegar ao número máximo de 61 assentos tornar-se-á ainda mais complicada.