O tabu do dinheiro
Não deixa de ser estranho que o dinheiro seja, a par do sexo e das necessidades fisiológicas, um dos maiores tabus dos dias que correm
Yap é uma ilha no Pacífico onde, desde há séculos para cá, as trocas comerciais entre os habitantes se faz com dinheiro que não é portátil: as “fei” são rochas calcárias de três metros de altura e o povo transfere a sua propriedade de tempos a tempos conforme as compras e vendas que quer efectuar. Informa-se a comunidade de que uma determinada fei já não é desta pessoa e passou a pertencer àquela, fica feita a transacção. A tradição oral da ilha revela até que, há uns milénios, um ilhéu desgraçado, tentava levar uma fei no seu barco quando sobre ele se abateu uma tempestade, fazendo com que a gigante de pedra mergulhasse no mar para nunca mais ser vista. E, ainda hoje, também essa fei submersa serve como moeda de troca.
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Yap é uma ilha no Pacífico onde, desde há séculos para cá, as trocas comerciais entre os habitantes se faz com dinheiro que não é portátil: as “fei” são rochas calcárias de três metros de altura e o povo transfere a sua propriedade de tempos a tempos conforme as compras e vendas que quer efectuar. Informa-se a comunidade de que uma determinada fei já não é desta pessoa e passou a pertencer àquela, fica feita a transacção. A tradição oral da ilha revela até que, há uns milénios, um ilhéu desgraçado, tentava levar uma fei no seu barco quando sobre ele se abateu uma tempestade, fazendo com que a gigante de pedra mergulhasse no mar para nunca mais ser vista. E, ainda hoje, também essa fei submersa serve como moeda de troca.
Como podemos ver, o dinheiro baseia-se em duas crenças: a primeira, simples, mostra-nos que os humanos vivem assentes num sistema de fé segundo o qual um pedaço de metal, pedra ou papel assume um valor impossível de comparar com outro tipo de metal, pedra ou papel; a outra, mais complexa, parece estar na posse de uma confiança humana irremediável de que o dinheiro nos vai salvar a vida – e, quiçá, a espécie. Oiçam os Muse: estamos tão enganados.
Em “Os Ricos”, recentemente lançado em Portugal, John Kampfner demonstra, com uma detalhada e incomparável verve, a forma como as personalidades mais ricas da História se fizeram valer da influência financeira para esconder perversões morais (e não só), sempre de mão dada com o poder político. Mas o dinheiro torna-nos más pessoas? Paul Piff demonstra-nos que, genericamente, os níveis de empatia e compaixão vão diminuindo quanto mais elevado for o grau de riqueza da pessoa.
Todavia, não deixa de ser estranho que o dinheiro seja, a par do sexo e das necessidades fisiológicas, um dos maiores tabus dos dias que correm. Perguntar a alguém quanto ganha por mês é tão ou mais constrangedor quanto querer saber quando foi a última vez que essa pessoa se deitou em cima de outra ou foi à casa-de-banho para cumprir a sua vontade número dois. O dinheiro é a invenção humana que mais nos destrambelha os sentidos. Os bancos deviam ter, em letras pequenas, o mesmo aviso que as bebidas alcoólicas: “Seja responsável. Use com moderação”.
O graveto, o pilim, a guita, os trocos molda-nos os paradigmas psicológicos como nenhuma outra coisa neste planeta. Não é por acaso que o dinheiro, a par das questiúnculas passionais, é o maior móbil para a prática de crimes e outras tareias, sejam elas ideológicas ou literais. Se temos pouco, de tudo fazemos para encher os bolsos. Se temos muito, alteram-se os comportamentos para ter ainda mais. E, mais que tudo, teremos o empurrão biologicamente humano a levar as liberdades a um extremo baseado no “tudo posso, tudo quero, tudo tenho” – os livres correm os riscos de passar a ser libertinos, não vá a moral cair-lhes na lama. Em tempos de dificuldades e outras austeridades, é importante nunca esquecer: afogados em notas de cem ou sem cheta no bolso revirado, que nos valha sempre a humanidade que representamos. Mantém-se esta verdade absoluta: somos gente, não números.