Um ano depois, Crimeia celebra oficialmente regresso à "Grande Rússia"

A anexação fez disparar popularidade de Putin na Rússia e antecedeu a guerra no Leste da Ucrânia. Organizações de direitos humanos denunciam abusos no território.

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Concentração em Simferopol assinalou a passagem do primeiro ano da anexação MAX VETROV/AFP

Um comunicado divulgado no domingo pelo presidente do Parlamento da Crimeia deu o tom das cerimónias do primeiro aniversário da anexação da península ucraniana. “Em conjunto, com a Grande Rússia, vamos construir uma nova Crimeia”, disse Vladimir Konstantinov.

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Um comunicado divulgado no domingo pelo presidente do Parlamento da Crimeia deu o tom das cerimónias do primeiro aniversário da anexação da península ucraniana. “Em conjunto, com a Grande Rússia, vamos construir uma nova Crimeia”, disse Vladimir Konstantinov.

Foi a 16 Março de 2014, poucas semanas após o derrube, em Kiev, do Presidente ucraniano pró-russo Viktor Ianukovich, e quando o Parlamento e os lugares estratégicos da Crimeia estavam já, de facto, sob controlo de forças de Moscovo – Putin assumiu ter deslocado tropas para apoiar as “forças de autodefesa da Crimeia” –, que foi votada a anexação, num referendo considerado ilegal pelo Governo ucraniano e pelos países ocidentais.

Para garantir o êxito da anexação, a Rússia não hesitou há um ano em recorrer ao trunfo militar, como agora reconheceu Putin. “Tivemos de reforçar a nossa presença militar na Ucrânia para que o número dos nossos soldados nos permitisse criar condições propícias à organização do referendo”, disse, citado pelas agências noticiosas, num documentário transmitido no domingo pela televisão pública Rossia 1. “Estávamos prontos para o fazer”, afirmou também, em resposta a uma pergunta sobre se admitiu pôr as forças nucleares em estado de alerta.

A anexação fez disparar a popularidade de Putin e reforçou os sentimentos nacionalistas na Rússia. Para muitos, tratou-se de reparar o “erro” cometido em 1954 por Nikita Krustchov, quando, com ambos os países na União Soviética, o então líder “ofereceu” a Crimeia à Ucrânia. Em fotos das concentrações desta segunda-feira em Sabastopol viam-se imagens glorificadoras do actual Presidente russo e símbolos da era soviética, incluindo fotos do ditador Josef Estaline.

O referendo de há um ano, realizado sem a presença de observadores ocidentais, e o decreto de integração da Crimeia na Rússia, que Putin assinou dois dias depois, desafiando ameaças de sanções, fizeram subir a tensão entre os países ocidentais e a Rússia e deram origem a sucessivas sanções económicas.  

Em Abril de 2014, um mês após a anexação, a rebelião pró-russa na região do Donbass, no Leste da Ucrânia, que os Estados Unidos e a União Europeia consideram ser apoiada com homens e armamento russos, agravou os desencontros entre Moscovo e os governos ocidentais.

Os acordos de cessar-fogo do último ano mais não fizeram do que permitir, a espaços, uma diminuição da intensidade bélica do conflito no Leste subtraído à autoridade do Governo de Kiev. Uma solução que compatibilize paz com integridade territorial da Ucrânia parece ser uma perspectiva longínqua, apesar de uma relativa acalmia que se seguiu à entrada em vigor, no passado dia 15 de Fevereiro, de um novo cessar-fogo, que previa a retirada de armas pesadas de longo alcance da linha da frente. “Todos os dias há tiros do lado russo”, acusou no domingo o Presidente da Ucrânia, Petro Poroshenko.

"Acreditamos em Putin"

Se, como escreveu a AFP, alguns, sobretudo jovens e tártaros – autóctones opositores da anexação –, recusam falar da situação actual à imprensa ocidental por receio de represálias, muitos preferem acreditar num futuro melhor e, principalmente, no Presidente russo. “Acreditamos em Vladimir Putin, mas não há nada a esperar das autoridades locais”, disse Tatiana Tsarevna, 60 anos, que festejou em Sebastopol. Um ano volvido sobre o referendo as organizações internacionais denunciam violações de direitos humanos e a Organização para a Segurança e Cooperação na Europa (OSCE) manifesta-se preocupada com a “repressão” nos meios de comunicação independentes.

O primeiro-ministro da Crimeia, Serguei Aksionov, um dos visados pelas sanções ocidentais, considera que o referendo de há um ano – 97% dos votos a favor integração – foi um “acto democrático” que permitiu à península voltar a integrar a mãe Rússia. Em seu entender, Putin escolheu proteger a população da Crimeia de nacionalistas ucranianos. “Nada poderia ter acontecido sem o apoio da população local, pelo que não foi um acto de agressão, mas um acto democrático”, disse à BBC. “As pessoas estão mal informadas pelos media, que não conseguem dar um retrato exacto do que aconteceu no ano passado na Crimeia”, sublinhou.

A União Europeia não alterou o seu ponto de vista. E nesta segunda-feira reafirmou a condenação da anexação “ilegal” e a “militarização crescente” da península. O agravamento da situação dos direitos humanos e a perseguição de minorias são também denunciados num comunicado da chefe da diplomacia europeia, Federica Mogherini, que sublinha o empenhamento na “soberania” e “integridade territorial da Ucrânia”.