Bendita água

Portugal, tal como os restantes países do Sul da Europa, cujas agriculturas dependem, em larga medida, do regadio, tem sido vítima da ideia absurda, defendida por muitos países do Norte, de que o regadio é prejudicial ao ambiente e nesse sentido não deve ser apoiado pela União Europeia.

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Esta circunstância, por si só, deveria levar os seres vivos mais inteligentes a respeitar a água, lutar pela sua conservação, armazená-la, consumi-la com moderação, bem como dar graças aos seus Deuses quando dela podem beneficiar sem restrições, sabendo que muitos outros, seus semelhantes, morrem diariamente por não a ter, ou por não a ter em condições de suficiente salubridade.

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Esta circunstância, por si só, deveria levar os seres vivos mais inteligentes a respeitar a água, lutar pela sua conservação, armazená-la, consumi-la com moderação, bem como dar graças aos seus Deuses quando dela podem beneficiar sem restrições, sabendo que muitos outros, seus semelhantes, morrem diariamente por não a ter, ou por não a ter em condições de suficiente salubridade.

Sendo tudo isto verdade, não vejo qual seja o interesse em destacar o consumo agrícola de água como se tratasse de algo pouco natural ou pouco racional.

De cada vez que consulto um qualquer estudo ou documento relacionado com a água, entre os primeiros parágrafos é frequentemente dito que a agricultura consome cerca de 70% da água disponível e, na esmagadora maioria dos casos, esta afirmação é associada a um sentimento critico implícito, atribuindo-lhe uma carácter excessivo, desnecessário ou negligente. Muitas vezes os autores fazem acompanhar as suas opiniões com dados estatísticos muito impressivos do género: quantidade média de água, expressa em litros, necessária à produção de um quilograma de batatas (590), de milho (494), de trigo (590) de arroz (5000), etc.

Esta constatação, repetidamente divulgada, foi criando lentamente um sentimento público anti-regadio, sobretudo entre as populações servidas por climas húmidos ou temperados em que a chuva, caída do céu com regularidade, lhes basta para manterem as suas agriculturas, modernas, desenvolvidas e competitivas. Portugal, tal como os restantes países do Sul da Europa, cujas agriculturas dependem, em larga medida, do regadio, tem sido vítima da ideia absurda, defendida por muitos países do Norte, de que o regadio é prejudicial ao ambiente e nesse sentido não deve ser apoiado pela União Europeia.

Em primeiro lugar, os tais 70% de consumo de água pela agricultura referem-se à média mundial e não à Europa, onde o maior consumidor é a indústria e não a agricultura cujo consumo médio pouco ultrapassa os 30% do consumo total (talvez um pouco mais para os países do sul incluindo Portugal). Os grandes consumidores de água para a agricultura, muito acima da média mundial são, como é natural, os países do próximo Oriente, de África e da Ásia.

Em segundo lugar, uma grande percentagem da água utilizada na agricultura, perder-se-ia sem utilidade, se não fosse apresada especificamente para esse fim.

Em Portugal, o regadio também conta com muitos críticos. Ao longo do tempo, foram contra todos os empreendimentos hidroagrícolas, designadamente contra o Alqueva e contra os sistemas de regadio em geral.

Devo dizer que nunca compreendi a posição destes grupos de portugueses que dizem defender o ambiente e a biodiversidade, sendo contra o regadio. Se conhecessem bem o país já teriam chegado a pelo menos três conclusões:

  1. Que nas nossas condições, a agricultura sem água, corresponde a uma aventura de grande risco que nem todos estão em condições de assumir a não ser que detenha grandes propriedades apropriadas ao pastoreio extensivo e com significativa componente florestal;
     
  2. Que, em si mesmo, o regadio não faz mal ao ambiente, bem pelo contrário. O que faz mal são as práticas agrícolas desajustadas às condições naturais, seja em regadio seja em sequeiro
     
  3. Que as zonas de regadio em Portugal apresentam uma incomparável diversidade biológica em comparação com a das zonas de sequeiro, frequentemente semi-áridas

    Dito isto, reconhecemos que há muitas formas de regar, mais ou menos cuidadas, mais ou menos consumidoras de água e também mais ou menos poluidoras, não directamente da responsabilidade da rega, mas da intensidade tecnológica no que respeita a fertilizações e tratamentos fitossanitários e a outras práticas agrícolas de cuja execução, se for descuidada, podem resultar prejuízos ambientais.

    O grande projecto de regadio de Alqueva, que quase diariamente é noticia, agora quase sempre por bons motivos - às vezes até tão exagerados que ultrapassam o limite do bom senso, tal como aconteceu ainda há dias com uma reportagem do semanário Expresso, em que se concedia à região do Alqueva a categoria de campeã do mundo relativamente à produtividade de oito produtos agrícolas ali produzidos – foi iniciado debaixo de criticas violentas de defensores do ambiente que só lhe encontravam defeitos e de gurus da economia que consideravam o projecto um elefante branco sem futuro.

    O projecto jamais teria sido feito se não tivesse havido um grupo de pessoas, com alguns técnicos e políticos locais, com pouca representação de políticos nacionais, que ao longo dos anos foi dando a cara e se foi batendo pelos méritos do projecto

    Passados alguns anos, os partidos políticos disputam agora a paternidade do projeto, chegando alguns a fazê-lo de forma despudorada tentando reescrever a história. As críticas já se acalmaram. Os detractores do projecto só de vez em quando criticam as culturas mais intensivas, atribuindo-lhes malefícios que nem sempre têm. O projecto já se vê e os seus reflexos já se fazem sentir, quer a nível regional, quer a nível nacional. Penso que para o defender e promover não são necessários exageros, sobretudo tão forçados e desprovidos de senso, com o anteriormente referido.

    De facto, a região beneficiada pelo Alqueva, está a mudar para melhor. Há mais actividade, mais investimento, mais trabalho e mais riqueza gerada. Há novas culturas na região e novos protagonistas, nacionais e estrangeiros. Estima-se que já tenham sido investidos mais de 750 milhões de euros em investimentos produtivos e criados mais de 4000 empregos directos.
     

O acréscimo de valor acrescentado anual na região já supera os 60 milhões de euros, devendo atingir em pleno um acréscimo de 160 milhões de euros quando 80% da área beneficiada de 120.000 hectares estiver a regar (sem contar com o valor acrescentado na transformação dos produtos agrícolas ali produzidos que poderá trazer este valor para próximo do dobro).

Estima-se também que o retorno do investimento nacional em Alqueva venha a gerar 4,45 euros por cada euro investido da componente nacional do investimento. Além disso, é sabido que o regadio faz multiplicar, pelo menos por sete, todos os indicadores de produção

Existem mais 43.000 hectares já identificados e estudados, para além dos 120.000 iniciais, que podem ser beneficiados pelo Alqueva, com custos de investimento relativamente baixos face à enorme mais-valia que podem trazer para a região. Contudo, apesar do excelente trabalho que me parece estar a ser executado pelas estruturas da EDIA, também existem ainda problemas significativos por resolver. O maior dos quais parece-me ser o dos pequenos e muito pequenos agricultores, tecnicamente pouco apetrechados, envelhecidos, isolados e quase sempre descapitalizados que, apesar de não gerirem uma área significativa, são em número muito elevado e integram a parte da população mais significativa das povoações abrangidas pelo projecto. Não quero ser injusto, mas não me parece que estejam a ser ponderadas estruturas, modelos e dinâmicas de desenvolvimento capazes de os integrar nos benefícios do projecto.