Vendedores de sonhos

O melhor que se pode fazer pelo sonho de um jovem, com aspirações musicais ou literárias, é ser-se sincero. De outro modo, estarão apenas a lucrar dinheiro com um sonho

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Stefano Corso/flickr

Como tudo se alterou em quinze ou vinte anos. Sou um miúdo, com os meus vinte e sete anos, mas tenho a noção disso.

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Como tudo se alterou em quinze ou vinte anos. Sou um miúdo, com os meus vinte e sete anos, mas tenho a noção disso.

Há duas décadas, editar um livro ou um disco era um privilégio apenas reservado, sobremaneira, aos predestinados, ou, por outro lado, aos que muito se entregavam a uma paixão. Porventura, aos dois casos em apenas um.

Entrega a uma paixão é trabalho. Trabalho árduo, onde se está disposto a abdicar do prazer por si, para ter horas de tormenta a aperfeiçoar algo que deveria sair de forma inata. O prazer de ouvir boa música ou ler grandes autores, confluindo em horas e horas de arranjos nos acordes ou na narrativa, para findarem em tentativa falhadas. Falhadas, não desperdiçadas, porque esses erros, a percepção deles e as opiniões e conselhos alheios, são o que fundamenta o aperfeiçoamento que vai encaminhando para o tal patamar de excelência, que era merecedor de publicação.

Hoje, as coisas tornam-se substancialmente diferentes. A edição de livros ou álbuns democratizou-se, mas num sentido nem sempre positivo. A diminuição dos custos associados à edição, seja de música ou livros, abriu uma caixa de pandora para muitos que, não tendo essa capacidade de sacrifício, têm um sonho. E aí surgem as vendedoras de sonhos, que para efeitos legais têm o nome de editoras. Na música como na literatura, existem as empresas, com o foco absoluto no ganho, que dispensaram a parte cultural, a que despoleta o raciocínio e encaminha para obras maiores, para fazerem desta área uma simples área de negócio, onde o lucro se encontra apenas associado ao lucro, sem nenhum tipo de preocupação artística.

Os escaparates estão sobrecarregados de música e livros totalmente vazios, que oferecem o entretenimento por si, sem nada mais que se possa de lá retirar. Em grande medida, isso transporta-se para outras áreas da nossa sociedade. Porém, existe algo de mais gravoso nesta situação, que é o aproveitamento dos sonhos alheios, para proveito próprio. Refiro-me, claro, às recentes editoras que surgiram para sugar o dinheiro das pessoas, através da fomentação da ideia que os jovens autores, pouco experimentados na área da escrita e da música, já se encontram no patamar ideal de publicação. Existem casos em que isso é verdade, mas, nesses casos, não seria necessário às editoras solicitarem aos autores que pagassem a sua publicação, pois elas próprias, experimentadas na área, saberiam que o retorno surgiria de forma natural. Há autores que existem para vender, outros que exigem para prestigiar o catálogo da marca. Em ambos os casos, é rentável, seja pelo lucro ou pela notoriedade. De outro modo, é apenas um aproveitamento.

O melhor que se pode fazer pelo sonho de um jovem, com aspirações musicais ou literárias, é ser-se sincero. Dizer que ainda não é momento, ou que, para sê-lo, é necessário aperfeiçoar detalhes. De outro modo, estarão apenas a lucrar dinheiro com um sonho, sabendo que os livros ou discos não venderão. Ou vender-se-ão pelo mesmo fenómeno que vende o José Rodrigues dos Santos e os cantores que saem das casas dos segredos: a fama.