Nova lei mantém reserva da produção da arquitectura para os arquitectos
Leis da construção aprovadas quinta-feira no Parlamento continuam a motivar críticas. "Injustiça social", dizem os engenheiros, "discriminação negativa", dizem os arquitectos.
As propostas de lei 226/XII e 227/XII, uma iniciativa do Ministério da Economia e do Emprego no âmbito do Memorando de Entendimento da troika e da Comissão Europeia para adequar a legislação portuguesa à directiva comunitária n.º 2006/123/CE, tiveram a sua votação final na quinta-feira e foram aprovadas com os votos a favor dos partidos da maioria e do PS, e com os votos contra do PCP, do Bloco de Esquerda e do Partido Os Verdes.
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As propostas de lei 226/XII e 227/XII, uma iniciativa do Ministério da Economia e do Emprego no âmbito do Memorando de Entendimento da troika e da Comissão Europeia para adequar a legislação portuguesa à directiva comunitária n.º 2006/123/CE, tiveram a sua votação final na quinta-feira e foram aprovadas com os votos a favor dos partidos da maioria e do PS, e com os votos contra do PCP, do Bloco de Esquerda e do Partido Os Verdes.
A primeira versa sobre o regime jurídico da actividade da construção e a segunda é relativa às qualificações que um técnico responsável pela elaboração e subscrição de projectos, mas também pela fiscalização e direcção de uma obra, deve possuir. As suas primeiras versões motivaram uma petição pública subscrita por mais de 18 mil pessoas, entre as quais Álvaro Siza, a presidente da Assembleia Municipal de Lisboa Helena Roseta ou Marcelo Rebelo de Sousa. E muitas queixas da Ordem dos Arquitectos, cinco anos depois da histórica lei n.º31/2009, a primeira iniciativa legislativa de cidadãos portuguesa e que revogou o decreto-lei 73/73 – uma conquista de exclusividade dos arquitectos e um momento de concórdia com os engenheiros com quem antes dividiam estas valências.
A tutela dissera já ao PÚBLICO no início da semana que o Governo respeitava o princípio estabelecido em 2009 “de reservar a arquitectura aos arquitectos”, exemplificando mesmo que não propôs “a renovação do período transitório de cinco anos [da lei de 2009] durante o qual era assegurada a outros profissionais, em particular engenheiros e agentes técnicos de arquitectura e engenharia, a prática de actos de arquitectura”.
Mas ainda assim, diz Nuno Sampaio, director executivo da Casa da Arquitectura e um dos principais envolvidos no processo da lei de 2009, os dois novos diplomas “romperam com o consenso de 2009”.
Nuno Sampaio considera que “demos dois passos atrás e um passo à frente” em relação à proposta inicial do Governo. E detalha: ao contrário do que a classe temia, a lei 227/XII “não impediu os arquitectos de fazer coordenação de projectos e ficou garantido que os projectos de arquitectura só podem ser assinados por arquitectos”. Mas, prossegue, “introduziu-se na fiscalização e direcção técnica de obra uma discriminação negativa dos arquitectos, porque mesmo na obra mais simples e acessível a fiscalização e a direcção técnica da obra pode ser feita por todos os profissionais, mas ao arquitecto é exigido que tenha, ao contrário dos restantes profissionais, três anos de experiência. No resto da Europa não há estas limitações”, sublinha o arquitecto. Além disso, refere, “continua a ser o critério do volume financeiro e não da complexidade da obra” que define que profissionais podiam exercer certos actos de arquitectura num outro ponto do diploma.
João Santa-Rita, presidente da Ordem dos Arquitectos, que reservou apreciações em detalhe para mais tarde, uma vez que é um diploma de 200 páginas “extremamente complexo de análise e consulta”. Tal como Nuno Sampaio, mantêm-se as suas preocupações quanto à coordenação de projectos e direcção e fiscalização de obra.
Do lado da Ordem dos Engenheiros, que manifesta surpresa pela rapidez de uma votação em plenário não agendada, a proposta de lei 227 merece fortes críticas. A versão aprovada da proposta de lei 227 “retira o que em princípio estava acordado até há cerca de um mês”, diz o bastonário Carlos Matias Ramos: a garantia de que “sem prejuízos dos actos que por lei estejam exclusivamente cometidos a arquitectos, podem ainda elaborar projectos de arquitectura os engenheiros civis a que se refere o anexo 6 da directiva 2005/36/CE” – aqueles formados em quatro universidades portuguesas. O Ministério da Economia, contudo, considerou ao PÚBLICO que “a observância da directiva não é posta em causa”.
A nova lei, critica Matias Ramos, “faz um upgrade em termos de competências atribuídas aos arquitectos, retirando também actividade aos engenheiros na condução de obras – os arquitectos estão a invadir terrenos que eram tradicionalmente e do ponto de vista das competências profissionais específicos dos engenheiros”, diz sobre mais uma tipologia de obra em que os arquitectos poderão agora exercer a direcção técnica. O bastonário dos Engenheiros diz ainda que o novo diploma conflitua com outra directiva comunitária (86/17/CE) que faz com que os engenheiros civis portugueses fiquem “impedidos da prática de actos de arquitectura, mas poderão exercê-los noutros Estados-membros” e que os seus homólogos europeus possam praticar actos de arquitectura em Portugal.
Carlos Matias Ramos fala de “injustiça social” porque nos últimos 40 anos “o país precisou” dos engenheiros “quando não havia arquitectos suficientes no país, e deu-lhes enquadramento legal para o seu exercício”. Agora, considera, “porque o número de arquitectos é exagerado no nosso país, há muito desemprego em arquitectura”, há um conjunto de engenheiros civis que fica prejudicado, defende, e “não se entende como é que o nosso país não obedece às directivas nesta matéria, o que pode levar à inconstitucionalidade deste processo de decisão”. A Ordem dos Engenheiros já pediu um parecer sobre a sua constitucionalidade.