Juiz veste a pele de informático para tirar a Justiça da “Idade Média”

Magistrado criou uma plataforma informática que permite localizar, consultar e exibir de forma rápida em tribunal documentos por vezes dispersos por centenas de volumes.

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Rui Gaudêncio

A estreia, sem pompa nem circunstância, foi no julgamento do processo Face Oculta, que arrancou em Novembro de 2011. Foi para aí, que a pedido de colegas, que o consideravam um habilidoso da informática, criou o embrião da ferramenta que veio a baptizar Sistema Integrado de Informação Processual (SIIP). O objectivo da plataforma é simples: permitir localizar, consultar e exibir de forma rápida, em tribunal, o manancial de documentos, escutas, interrogatórios e afins, que integram um mega processo judicial.

As questões de segurança não foram esquecidas. Por isso, a aplicação não é colocada em rede. Fica apenas alojadanum servidor local, onde são inseridos os documentos digitalizadas. E há níveis de uso diferentes, com prerrogativas próprias.

O principal objectivo é evitar múltiplas deslocações aos funcionários judiciais, transformados numa espécie de Indiana Jones em busca dos documentos perdidos, entre as centenas de volumes de um mega processo. Muitas vezes, forçados a um jogging entre salas, já que na de julgamento simplesmente não há espaço para colocar todo o processo.

Para já a ferramenta está em testes em vários departamento do país, tanto no Ministério Público, como na Polícia Judiciária, na PSP e na GNR. Entre estes conta-se o Departamento Central de Investigação e Acção Penal (DCIAP), que concentra os casos mais complexos da Justiça portuguesa e a Unidade Nacional de Combate à Corrupção da PJ. Passou no crivo da Procuradora-Geral da República e do Conselho Superior de Magistratura.

Mas nem tudo foram rosas. Falaram-lhe em eventuais problemas de legalidade. E António Costa Gomes fez questão de consultar a Comissão Nacional de Protecção de Dados e ouvir o parecer: o SIIP dependeria de autorização. Não concordou, mas mesmo assim decidiu ir ao Parlamento sensibilizar os deputados da primeira comissão para este eventual problema. “Não me passa pela cabeça que o espírito do legislador quisesse impedir a utilização deste tipo de ferramentas a quem, por imposição legal, tem o dever de apresentar provas em tribunal”, defende. Contudo, a abrangência da lei pode deixar dúvidas no ar. E não quer arriscar.

Testes à parte, o embrião do SIIP já passou num exame com distinção. A aplicação ajudou ao brilharete do julgamento do Face Oculta, cuja logística levou vários advogados a fazerem um elogio, raro, sobre as condições do tribunal. O sistema, uma instalação de som, um projector e uma tela, foi suficiente para que quem assistisse ao julgamento conseguisse ouvir as escutas e ler as respectivas transcrições, enquanto o colectivo de juízes confrontavam os arguidos com a prova.

Encontrar um escuta determinada ficou assim à distância de um clique. Acabaram assim as buscas intermináveis para procurar o minuto pretendido entre centenas ou milhares de conversas registadas em outros tantos DVD, onde as escutas estão gravadas e catalogadas. “Colocar uma escuta para ser ouvida durante um julgamento demora pelo menos quatro minutos”, estima o magistrado. A demora, diz, acaba por matar o ritmo das inquirições e perpetua os julgamentos. “São processos do século XXI com métodos da Idade Média”, resume António Costa Gomes.

A ferramenta foi resultado da carolice do juiz que, para a desenvolver, fez três cursos online, pagou do seu bolso várias licenças de software e empenhou muitas horas que não contabilizou. Escreveu o manual do SIIP, um documento com 60 páginas, e além disso financia as fotocópias que entrega sempre que faz uma apresentação do sistema. Não é caso único no seu currículo. Quando ouve menores vítimas de abusos sexuais faz questão de registar em imagem os depoimentos para memória futura. Para fazê-lo recorre a uma câmara sua. O tripé, o sofware e os DVD também são pagos por si. Mas faz questão de não contabilizar estas despesas. Quer apenas contribuir para melhorar o funcionamento dos tribunais, sem grandes custos. Pelo menos para o Estado.

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A estreia, sem pompa nem circunstância, foi no julgamento do processo Face Oculta, que arrancou em Novembro de 2011. Foi para aí, que a pedido de colegas, que o consideravam um habilidoso da informática, criou o embrião da ferramenta que veio a baptizar Sistema Integrado de Informação Processual (SIIP). O objectivo da plataforma é simples: permitir localizar, consultar e exibir de forma rápida, em tribunal, o manancial de documentos, escutas, interrogatórios e afins, que integram um mega processo judicial.

As questões de segurança não foram esquecidas. Por isso, a aplicação não é colocada em rede. Fica apenas alojadanum servidor local, onde são inseridos os documentos digitalizadas. E há níveis de uso diferentes, com prerrogativas próprias.

O principal objectivo é evitar múltiplas deslocações aos funcionários judiciais, transformados numa espécie de Indiana Jones em busca dos documentos perdidos, entre as centenas de volumes de um mega processo. Muitas vezes, forçados a um jogging entre salas, já que na de julgamento simplesmente não há espaço para colocar todo o processo.

Para já a ferramenta está em testes em vários departamento do país, tanto no Ministério Público, como na Polícia Judiciária, na PSP e na GNR. Entre estes conta-se o Departamento Central de Investigação e Acção Penal (DCIAP), que concentra os casos mais complexos da Justiça portuguesa e a Unidade Nacional de Combate à Corrupção da PJ. Passou no crivo da Procuradora-Geral da República e do Conselho Superior de Magistratura.

Mas nem tudo foram rosas. Falaram-lhe em eventuais problemas de legalidade. E António Costa Gomes fez questão de consultar a Comissão Nacional de Protecção de Dados e ouvir o parecer: o SIIP dependeria de autorização. Não concordou, mas mesmo assim decidiu ir ao Parlamento sensibilizar os deputados da primeira comissão para este eventual problema. “Não me passa pela cabeça que o espírito do legislador quisesse impedir a utilização deste tipo de ferramentas a quem, por imposição legal, tem o dever de apresentar provas em tribunal”, defende. Contudo, a abrangência da lei pode deixar dúvidas no ar. E não quer arriscar.

Testes à parte, o embrião do SIIP já passou num exame com distinção. A aplicação ajudou ao brilharete do julgamento do Face Oculta, cuja logística levou vários advogados a fazerem um elogio, raro, sobre as condições do tribunal. O sistema, uma instalação de som, um projector e uma tela, foi suficiente para que quem assistisse ao julgamento conseguisse ouvir as escutas e ler as respectivas transcrições, enquanto o colectivo de juízes confrontavam os arguidos com a prova.

Encontrar um escuta determinada ficou assim à distância de um clique. Acabaram assim as buscas intermináveis para procurar o minuto pretendido entre centenas ou milhares de conversas registadas em outros tantos DVD, onde as escutas estão gravadas e catalogadas. “Colocar uma escuta para ser ouvida durante um julgamento demora pelo menos quatro minutos”, estima o magistrado. A demora, diz, acaba por matar o ritmo das inquirições e perpetua os julgamentos. “São processos do século XXI com métodos da Idade Média”, resume António Costa Gomes.

A ferramenta foi resultado da carolice do juiz que, para a desenvolver, fez três cursos online, pagou do seu bolso várias licenças de software e empenhou muitas horas que não contabilizou. Escreveu o manual do SIIP, um documento com 60 páginas, e além disso financia as fotocópias que entrega sempre que faz uma apresentação do sistema. Não é caso único no seu currículo. Quando ouve menores vítimas de abusos sexuais faz questão de registar em imagem os depoimentos para memória futura. Para fazê-lo recorre a uma câmara sua. O tripé, o sofware e os DVD também são pagos por si. Mas faz questão de não contabilizar estas despesas. Quer apenas contribuir para melhorar o funcionamento dos tribunais, sem grandes custos. Pelo menos para o Estado.