Pais não terão acesso livre a registo de agressores sexuais de menores
O registo terá uma duração limitada de cinco a 20 anos em função da pena do condenado.
Conforme explicou o secretário de Estado da Justiça, António Costa Moura, apenas “com fundamento em situações concretas” quem exerce responsabilidades parentais poderá perguntar às autoridades policiais da sua área de residência se determinada pessoa consta da base de dados.
Ainda segundo o secretário de Estado, a lista "será directamente acessível às autoridades policiais e judiciárias" e também "aos serviços de reinserção social e às comissões de protecção de crianças e jovens". Perante cada caso, as autoridades decidirão se se justifica ou não dizer aos pais que a pessoa de quem suspeitam já foi condenada e mora naquele concelho.
Na versão inicial, que o Ministério da Justiça chegou a distribuir aos parceiros, a base de dados poderia ser consultada por magistrados, polícias, profissionais da DGSP, mas também por quem tivesse responsabilidades parentais de menores de 16 anos. Bastar-lhes-ia dirigirem-se à esquadra da PSP ou posto da GNR para saberem se havia condenados na área de residência ou na zona da escola frequentada pelas crianças.
Na lista constarão só os nomes e a área de residência de pessoas condenadas com trânsito em julgado. O objectivo, segundo explicou António Costa Moura, é acompanhar a sua reinserção, tendo em conta o superior interesse das crianças. No seu entender, tal não significa condená-los a “uma sanção acessória”.
O registo não se deverá eternizar. Terá uma duração limitada em função da pena. Quem tiver sido condenado até um ano de prisão ficará cinco anos na lista. Se a pena tiver sido superior a dez anos, o período subirá para 20 anos.
Desde a primeira hora, a ministra da Justiça considerou esta proposta “uma questão-chave”, apoiando-se numa alegada elevada taxa de reincidência neste tipo de crimes sexuais contra menores. Tudo em nome, explicou, do “superior interesse da criança e de poder proteger as crianças”.
A polémica estourou de imediato. O antigo procurador-geral da República, Pinto Monteiro, disse logo que era preciso ter “cautela extrema”, não fosse a lista parar à primeira página de um jornal. “Nunca mais têm emprego, nunca mais têm nada”, avisou. A actual procuradora-geral, Joana Marques Vidal, também se pronunciou contra, contestando um estudo que fora referido pela ministra da Justiça, Paula Teixeira da Cruz: "A ministra diz que há mais de 90% de reincidência neste tipo de crime, mas o único que conheço, que se refere à criminalidade sexual em geral, diz 20%."
A médica do Instituto de Medicina Legal Anabela Neves preferia que os pais tivessem pleno acesso à lista. Que pudessem questionar a PSP ou a GNR sobre se determinada pessoa cumpriu ou não pena não lhe parece suficiente: “Nem sempre aqueles de quem se desconfia são os verdadeiros abusadores”.
Filomena Neto, especialista em Direito de Família, congratula-se com a existência de uma lista reservada aos profissionais que lidam com crimes sexuais contra menores. Torná-la acessível aos pais, diz, seria promover a justiça preventiva ou a chamada “justiça de Fafe”, apologia de justiça popular.
Ricardo Barroso, professor na Universidade de Trás-os-Montes, perito de medicina legal, acha importante perceber bem o que quer dizer “situações concretas”. Um pai apresenta queixa e fica a saber se o suspeito faz parte da lista de condenados ou não precisa de apresentar queixa para obter essa informação? Se não precisa, que critérios serão usados? Para que servirá essa informação?
Catarina Ribeiro, professora da Universidade Católica do Porto, perita do Instituto de Medicina Legal, não encontrar qualquer utilidade na disponibilização de informação desta natureza a quem tem responsabilidades parentais. Mais de 90% dos agressores sexuais são familiares ou conhecidos das vítimas. Toda a pena tem como pressuposto a reinserção, diz. “Assume-se que este comportamento é inalterável. Assume-se que o sistema não funciona. Prolonga-se a pena, ainda que de outra forma.”
“Eu, de uma forma geral, sou a favor da lista”, diz Armando Coutinho, que fez tese sobre agressores sexuais e trabalha com condenados por crimes desta natureza no contexto prisional. “Por si só, a prisão não resolve tudo. Sou de opinião que a privação de liberdade seja acompanhada de intervenção especializada nessa área. O que tem sido feito? Nada. Temos enfiado a cabeça na areia?”
Na opinião de Ricardo Barroso, se o país vai criar uma base de dados de condenados por crimes contra a liberdade e a autodeterminação sexual, deveria incluir os agressores sexuais de adultos. E devia integrá-la num conjunto de medidas de prevenção e combate à violência sexual.
Há outras medidas propostas. Durante cinco a vinte anos, pessoas condenadas por crimes sexuais ficarão proibidas de exercerem qualquer profissão, actividades ou função que impliquem lidar com menores. Também não poderão ter a tutela de crianças, adoptar, nem serem responsáveis pelas figuras do acolhimento familiar ou apadrinhamento civil. E, se os crimes em questão forem contra os próprios filhos, ficarão inibidos de assumir responsabilidades parentais entre cinco a 20 anos.
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Conforme explicou o secretário de Estado da Justiça, António Costa Moura, apenas “com fundamento em situações concretas” quem exerce responsabilidades parentais poderá perguntar às autoridades policiais da sua área de residência se determinada pessoa consta da base de dados.
Ainda segundo o secretário de Estado, a lista "será directamente acessível às autoridades policiais e judiciárias" e também "aos serviços de reinserção social e às comissões de protecção de crianças e jovens". Perante cada caso, as autoridades decidirão se se justifica ou não dizer aos pais que a pessoa de quem suspeitam já foi condenada e mora naquele concelho.
Na versão inicial, que o Ministério da Justiça chegou a distribuir aos parceiros, a base de dados poderia ser consultada por magistrados, polícias, profissionais da DGSP, mas também por quem tivesse responsabilidades parentais de menores de 16 anos. Bastar-lhes-ia dirigirem-se à esquadra da PSP ou posto da GNR para saberem se havia condenados na área de residência ou na zona da escola frequentada pelas crianças.
Na lista constarão só os nomes e a área de residência de pessoas condenadas com trânsito em julgado. O objectivo, segundo explicou António Costa Moura, é acompanhar a sua reinserção, tendo em conta o superior interesse das crianças. No seu entender, tal não significa condená-los a “uma sanção acessória”.
O registo não se deverá eternizar. Terá uma duração limitada em função da pena. Quem tiver sido condenado até um ano de prisão ficará cinco anos na lista. Se a pena tiver sido superior a dez anos, o período subirá para 20 anos.
Desde a primeira hora, a ministra da Justiça considerou esta proposta “uma questão-chave”, apoiando-se numa alegada elevada taxa de reincidência neste tipo de crimes sexuais contra menores. Tudo em nome, explicou, do “superior interesse da criança e de poder proteger as crianças”.
A polémica estourou de imediato. O antigo procurador-geral da República, Pinto Monteiro, disse logo que era preciso ter “cautela extrema”, não fosse a lista parar à primeira página de um jornal. “Nunca mais têm emprego, nunca mais têm nada”, avisou. A actual procuradora-geral, Joana Marques Vidal, também se pronunciou contra, contestando um estudo que fora referido pela ministra da Justiça, Paula Teixeira da Cruz: "A ministra diz que há mais de 90% de reincidência neste tipo de crime, mas o único que conheço, que se refere à criminalidade sexual em geral, diz 20%."
A médica do Instituto de Medicina Legal Anabela Neves preferia que os pais tivessem pleno acesso à lista. Que pudessem questionar a PSP ou a GNR sobre se determinada pessoa cumpriu ou não pena não lhe parece suficiente: “Nem sempre aqueles de quem se desconfia são os verdadeiros abusadores”.
Filomena Neto, especialista em Direito de Família, congratula-se com a existência de uma lista reservada aos profissionais que lidam com crimes sexuais contra menores. Torná-la acessível aos pais, diz, seria promover a justiça preventiva ou a chamada “justiça de Fafe”, apologia de justiça popular.
Ricardo Barroso, professor na Universidade de Trás-os-Montes, perito de medicina legal, acha importante perceber bem o que quer dizer “situações concretas”. Um pai apresenta queixa e fica a saber se o suspeito faz parte da lista de condenados ou não precisa de apresentar queixa para obter essa informação? Se não precisa, que critérios serão usados? Para que servirá essa informação?
Catarina Ribeiro, professora da Universidade Católica do Porto, perita do Instituto de Medicina Legal, não encontrar qualquer utilidade na disponibilização de informação desta natureza a quem tem responsabilidades parentais. Mais de 90% dos agressores sexuais são familiares ou conhecidos das vítimas. Toda a pena tem como pressuposto a reinserção, diz. “Assume-se que este comportamento é inalterável. Assume-se que o sistema não funciona. Prolonga-se a pena, ainda que de outra forma.”
“Eu, de uma forma geral, sou a favor da lista”, diz Armando Coutinho, que fez tese sobre agressores sexuais e trabalha com condenados por crimes desta natureza no contexto prisional. “Por si só, a prisão não resolve tudo. Sou de opinião que a privação de liberdade seja acompanhada de intervenção especializada nessa área. O que tem sido feito? Nada. Temos enfiado a cabeça na areia?”
Na opinião de Ricardo Barroso, se o país vai criar uma base de dados de condenados por crimes contra a liberdade e a autodeterminação sexual, deveria incluir os agressores sexuais de adultos. E devia integrá-la num conjunto de medidas de prevenção e combate à violência sexual.
Há outras medidas propostas. Durante cinco a vinte anos, pessoas condenadas por crimes sexuais ficarão proibidas de exercerem qualquer profissão, actividades ou função que impliquem lidar com menores. Também não poderão ter a tutela de crianças, adoptar, nem serem responsáveis pelas figuras do acolhimento familiar ou apadrinhamento civil. E, se os crimes em questão forem contra os próprios filhos, ficarão inibidos de assumir responsabilidades parentais entre cinco a 20 anos.