Incentivos para médicos podem não ser suficientes para travar emigração
Médicos que se desloquem 60 quilómetros poderão receber ajudas até 200 euros/dia. “É um passo positivo, mas muito curto”, diz responsável da Ordem dos Médicos sobre as medidas anunciadas pelo ministério.
Numa nota em que explica as medidas anunciadas nesta terça-feira, o Ministério da Saúde (MS) precisa que os objectivos são colmatar “as carências identificadas em alguns serviços e estabelecimentos de saúde” e pôr fim às assimetrias regionais, sobretudo “no interior e no Algarve”.
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Numa nota em que explica as medidas anunciadas nesta terça-feira, o Ministério da Saúde (MS) precisa que os objectivos são colmatar “as carências identificadas em alguns serviços e estabelecimentos de saúde” e pôr fim às assimetrias regionais, sobretudo “no interior e no Algarve”.
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O decreto-lei, ainda não aprovado, que prevê incentivos financeiros durante um total de cinco anos, contempla igualmente um “subsídio de colocação” (não especificado) e incentivos de natureza não pecuniária, como a garantia de transferência escolar dos filhos ou o aumento da duração do período de férias em dois dias.
Já os médicos que aceitem fazer consultas ou cirurgias em unidades de saúde a mais de 60 quilómetros do seu local de trabalho (o chamado regime de mobilidade parcial) podem receber um máximo de 200 euros por dia, em ajudas de custo e de transporte, estabelece uma portaria publicada ontem em Diário da República. O máximo previsto na lei para os outros funcionários públicos é de 50,20 euros por dia. Mas os médicos só receberão o valor máximo agora previsto se tiverem que pernoitar no local para onde se deslocam, explicou ao PÚBLICO uma fonte da Administração Central do Sistema de Saúde. De resto, se a deslocação abranger o período “até às 13, 14 horas”, o profissional recebe apenas 25% deste valor e, caso se prolongue até “às 20 ou 21 horas”, aufere mais 25%, acrescenta. Como se trata de mobilidade parcial, o médico pode ir trabalhar para outro local apenas um ou dois dias por semana, esclarece ainda.
O secretário-geral do Sindicato Independente dos Médicos, Roque da Cunha, recorda que sempre se manifestou contra o recurso dos hospitais a empresas de prestação de serviço (os chamados “tarefeiros”) e que as ajudas de custo “podem aumentar a possibilidade de maior cooperação entre hospitais centrais e distritais”, que assim fazem deslocar os seus médicos para colmatar carências de médicos em algumas especialidades.
Já o presidente do Conselho Nacional do Médico Interno, Roberto Pinto, não acolhe as medidas com vista à fixação de médicos em zonas carenciadas com entusiasmo. “É melhor do que zero”, mas “o problema vai muito além da questão económica”, comenta. Ganhar mais 275 euros mensais a partir do primeiro ano para ir trabalhar para o interior não lhe parece muito atractivo: “Se calhar preferem tentar ir trabalhar lá fora”. Roberto Pinto defende que, mesmo que alguns médicos queiram tentar fixar-se no interior, o problema é que muito dificilmente poderão voltar ao sítio de origem. “A rigidez dos concursos dos médicos impede a verdadeira mobilidade”, defende, uma vez que quase só permite ao interno que concorra no ano em que acabou a sua formação. Nos anos seguintes só pode concorrer às vagas que vão sobrando, nota.
Ir trabalhar para zonas carenciadas, que não estão só no interior, explica Miguel Guimarães, presidente do Conselho Regional do Norte da Ordem dos Médicos, significa que “provavelmente o médico não vai fazer a medicina com que sonhou, que não terá o mesmo grau de actualização científica, que terá menos acesso a colegas com quem possa trocar ideias, que vai provavelmente abdicar de algum conforto”. “Podem não se sentir motivados a ganhar 275 euros por mês quando têm uma excelente alternativa: a Suíça ou Londres”. Comentando as medidas anunciadas, sintetiza: “É um passo positivo, mas é muito curto, é pouco”. Os incentivos financeiros deveriam ser acompanhados “por melhorias nas condições de trabalho, a remuneração é apenas um aspecto”. “Significa abdicar de muita coisa por muito pouco”. Quanto à mobilidade parcial, “vai captar alguns profissionais de saúde, mas não é suficientemente atractiva”.
O bastonário da Ordem dos Médicos (OM), José Manuel Silva, disse à Lusa que estas são medidas que podem pecar por “tardias para travar o fluxo emigratório” que já se está a fazer sentir. A OM contabilizou, no ano passado, a saída de 387 médicos e foram cerca de 1100 os que pediram à ordem o certificado [necessário para poderem exercer a profissão noutro país]”. José Manuel Silva considerou que as medidas anunciadas “não são muito extensivas” no caso das ajudas de custo. “Na questão dos que vão receber 200 euros de ajudas de custo por dia, [isto] só se aplica a médicos que trabalhem em dois hospitais a esta distância [60 quilómetros] e, que eu saiba, isso só acontece no Centro Hospitalar do Algarve. Logo, só tem impacto regional e só se um médico for fazer um período de 24 horas seguidas. Caso contrário, é menor [a retribuição]”, explicou.
Para a presidente da Associação Portuguesa de Administradores Hospitalares, Marta Temido, as medidas de incentivo para médicos em regime de mobilidade parcial apresentadas são bem-vindas, mas apenas resolvem casos pontuais. “Estão desinseridas de uma estratégia global para a força de trabalho em saúde em Portugal e, por isso, têm e terão sempre uma eficácia limitada”, salientou à Lusa. O Ministério da Saúde alargou ainda por mais três anos o período de contratação de médicos aposentados pelo Serviço Nacional de Saúde (SNS). Este regime foi agora alterado, permitindo que o trabalho “possa ser também prestado a tempo parcial” e que os médicos que pediram a reforma antecipada até à entrada em vigor do diploma possam igualmente regressar ao SNS, explica o ministério. Acumularão a reforma com um terço da remuneração.