O potencial destruidor de Nuno Crato
Continua a grande dança sem nexo, o maquiavélico ritual de sombras e a acumulação de injustiças sancionadas por sucessivas disposições legais, grosseiramente iníquas.
É o caso do custo das reprovações. Alguém multiplicou o número de “retidos” anualmente (150.000) por 4.000 euros (custo médio atribuído por aluno) para concluir que as ditas reprovações significam a perda de 600 milhões de euros. Ora é bom de ver que o custo de funcionamento das turmas pelas quais estão dispersos os alunos que reprovam não se altera por eles reprovarem no final do ano, num sistema de ensino com obrigatoriedade de permanência até aos 18 anos. É de outra natureza o prejuízo e as contas não se fazem assim. Mas a imprecisão foi amplamente propalada. E é o caso de se ter passado implicitamente a mensagem de o CNE sugerir transições administrativas, coisa que o documento não defende. Tudo, talvez, porque a narrativa da análise do CNE é descuidada, a linguagem pouco clara e as ideias se contradizem por vezes. Veja-se, por exemplo, a afirmação feita na página 6 (“…Desta forma, poder-se-á concluir que as elevadas taxas de retenção não decorrem do enquadramento legal…”), desmentida na página 7 (“…O carácter restritivo das condições de transição, previstas no enquadramento legal dirigido ao ensino básico, revela-se contraproducente…”). Mas, o mais relevante, que a imprensa não destacou, é que o documento do CNE reprova em toda a linha as políticas de Nuno Crato, quando censura: “a existência de legislação uniforme e prescritiva para a organização das turmas”; “as formas e critérios de distribuição de serviço lectivo”; “a distribuição das cargas horárias das áreas disciplinares”; “a imposição, em final de ciclo, das condições de transição, independentemente da via de prosseguimento de estudos pretendida”; “a construção de percursos escolares diversificados, centralmente determinados”; “a existência de um currículo prescritivo balizado por programas excessivamente extensos e por correspondentes metas curriculares anuais e, ainda, por provas de avaliação externa que incidem sobre toda a extensão dos programas”; “as inúmeras tarefas de cariz burocrático que são solicitadas às escolas”; “a sobrevalorização das disciplinas sujeitas a exame em detrimento das restantes áreas do currículo”; “a atribuição de prémio às escolas com bons desempenhos nos exames e provas, através da concessão de horas de crédito para apoio a alunos, não se verificando o reforço de recursos e profissionais para as escolas com alunos em dificuldades”; “a excessiva importância concedida aos resultados das provas de avaliação externa” e “o desenvolvimento da prática sistemática de treino para provas”. Tudo visto e considerando que o documento pede ainda para se “reavaliar a adequação das provas finais de 4.º e 6.º anos aos objectivos de aprendizagem dos ciclos que encerram, bem como rever as condições da sua realização”, eu não seria mais demolidor. E tudo isto, que é uma reprovação monumental das políticas seguidas, passou de fininho nas televisões, nas rádios e nos jornais.
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É o caso do custo das reprovações. Alguém multiplicou o número de “retidos” anualmente (150.000) por 4.000 euros (custo médio atribuído por aluno) para concluir que as ditas reprovações significam a perda de 600 milhões de euros. Ora é bom de ver que o custo de funcionamento das turmas pelas quais estão dispersos os alunos que reprovam não se altera por eles reprovarem no final do ano, num sistema de ensino com obrigatoriedade de permanência até aos 18 anos. É de outra natureza o prejuízo e as contas não se fazem assim. Mas a imprecisão foi amplamente propalada. E é o caso de se ter passado implicitamente a mensagem de o CNE sugerir transições administrativas, coisa que o documento não defende. Tudo, talvez, porque a narrativa da análise do CNE é descuidada, a linguagem pouco clara e as ideias se contradizem por vezes. Veja-se, por exemplo, a afirmação feita na página 6 (“…Desta forma, poder-se-á concluir que as elevadas taxas de retenção não decorrem do enquadramento legal…”), desmentida na página 7 (“…O carácter restritivo das condições de transição, previstas no enquadramento legal dirigido ao ensino básico, revela-se contraproducente…”). Mas, o mais relevante, que a imprensa não destacou, é que o documento do CNE reprova em toda a linha as políticas de Nuno Crato, quando censura: “a existência de legislação uniforme e prescritiva para a organização das turmas”; “as formas e critérios de distribuição de serviço lectivo”; “a distribuição das cargas horárias das áreas disciplinares”; “a imposição, em final de ciclo, das condições de transição, independentemente da via de prosseguimento de estudos pretendida”; “a construção de percursos escolares diversificados, centralmente determinados”; “a existência de um currículo prescritivo balizado por programas excessivamente extensos e por correspondentes metas curriculares anuais e, ainda, por provas de avaliação externa que incidem sobre toda a extensão dos programas”; “as inúmeras tarefas de cariz burocrático que são solicitadas às escolas”; “a sobrevalorização das disciplinas sujeitas a exame em detrimento das restantes áreas do currículo”; “a atribuição de prémio às escolas com bons desempenhos nos exames e provas, através da concessão de horas de crédito para apoio a alunos, não se verificando o reforço de recursos e profissionais para as escolas com alunos em dificuldades”; “a excessiva importância concedida aos resultados das provas de avaliação externa” e “o desenvolvimento da prática sistemática de treino para provas”. Tudo visto e considerando que o documento pede ainda para se “reavaliar a adequação das provas finais de 4.º e 6.º anos aos objectivos de aprendizagem dos ciclos que encerram, bem como rever as condições da sua realização”, eu não seria mais demolidor. E tudo isto, que é uma reprovação monumental das políticas seguidas, passou de fininho nas televisões, nas rádios e nos jornais.
2. Abriu um concurso com 1453 vagas para contratação de professores de Quadro de Zona Pedagógica, cujos critérios de apuramento estão sob reserva dos burocratas, e foi tornada pública a decisão de extinguir 9500 lugares nos ensinos básico e secundário, em sede de futuro concurso interno para professores do quadro. Trata-se de lugares que desaparecerão se os titulares mudarem de escola ou se reformarem. Continua a grande dança sem nexo, o maquiavélico ritual de sombras e a acumulação de injustiças sancionadas por sucessivas disposições legais, grosseiramente iníquas. Muitos, beneficiados por duvidosas contratações de escola (quantos factores inaceitavelmente subjectivos determinaram reconduções de professores menos graduados em detrimento de outros mais graduados), deixarão à porta colegas mais qualificados, num sistema diabolicamente arquitectado para colocar os professores contratados em vexatória disputa intestina. Da gigantesca trapalhada destaca-se uma “norma travão” que ilude maliciosamente a directiva europeia, quando não considera todos os contratos a partir de 2001 e manipula a seu jeito o conceito de contratos anuais e sucessivos (a directiva em análise considera sucessivos os contratos interrompidos por períodos inferiores a 90 dias).
A controvérsia em que a opinião pública mergulhou, quando confrontada com o carácter inconsciente do primeiro-ministro relativamente às suas obrigações contributivas, explicará parte da placidez da comunicação social face às últimas manifestações do potencial destruidor de Nuno Crato.
Professor do ensino superior (s.castilho@netcabo.pt)