Origem do narcisismo aponta para excesso de elogios dos pais
Estudo em famílias holandesas sugere que a demonstração de amor dos pais ajuda as crianças a ter auto-estima, mas a sua glorificação pode contribuir para uma ideia desproporcionada do valor de si próprias.
Ainda não há uma explicação definitiva para a origem desta perturbação da personalidade que tem o nome daquele mito. As duas hipóteses mais importantes sobre este problema levam-nos até ao desenvolvimento psicológico das crianças, mas divergem na explicação. Segundo uma das hipóteses, o narcisismo surge quando os pais valorizam de mais as crianças, e elas acabam por ter uma ideia desproporcionada de si próprias: vêem-se como pessoas privilegiadas. A outra hipótese defende que a causa está em pais que não demonstram amor e não valorizam suficientemente os filhos. As crianças, por sua vez, tentam colocar-se num pedestal para terem a aprovação de terceiros, que não receberam dos pais.
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Ainda não há uma explicação definitiva para a origem desta perturbação da personalidade que tem o nome daquele mito. As duas hipóteses mais importantes sobre este problema levam-nos até ao desenvolvimento psicológico das crianças, mas divergem na explicação. Segundo uma das hipóteses, o narcisismo surge quando os pais valorizam de mais as crianças, e elas acabam por ter uma ideia desproporcionada de si próprias: vêem-se como pessoas privilegiadas. A outra hipótese defende que a causa está em pais que não demonstram amor e não valorizam suficientemente os filhos. As crianças, por sua vez, tentam colocar-se num pedestal para terem a aprovação de terceiros, que não receberam dos pais.
Uma equipa a trabalhar na Holanda analisou o desenvolvimento das crianças à procura da origem do narcisismo, testando as duas hipóteses. Os investigadores observaram uma associação entre a glorificação dos filhos e a existência e manutenção dos traços narcísicos, conclui um artigo publicado nesta segunda-feira na revista Proceedings of the National Academy of Sciences dos Estados Unidos.
Nas últimas décadas, mais especificamente nas camadas mais jovens das sociedades ocidentais, o narcisismo tem aumentado, adianta o artigo. As características do narcisismo vão para lá do enamoramento por nós próprios. Podem passar por usar terceiros para ganhos próprios, por acharmos que somos melhores e que temos mais direitos do que os outros, e pela constante procura de aprovação e elogio.
As consequências desta perturbação não são benignas, descrevem os autores no artigo: “Quando os narcisistas se sentem humilhados, tendem a responder com agressividade, ou até mesmo violentamente. Os narcisistas também têm um risco acrescido de problemas de saúde mental, como dependências de drogas, depressão e ansiedade.”
Agora, o estudo de Eddie Brummelman, na Universidade de Utrecht, na Holanda, e colegas analisou 565 crianças entre os 7 e os 11 anos. A cada uma foi feito um inquérito de seis em seis meses, durante dois anos, para aferir se tinham traços de personalidade narcísica e para avaliar a sua auto-estima. Frases no inquérito como “Miúdos como eu merecem algo extra” destinaram-se a permitir avaliar o narcisismo. Enquanto frases como “Miúdos como eu estão felizes consigo próprios como pessoas” avaliaram a auto-estima.
Os autores explicam a dimensão destes dois aspectos. “Apesar de os narcisistas se sentirem superiores aos outros e que têm direito a ter privilégios, não estão necessariamente satisfeitos consigo próprios como pessoas. Ou seja, o narcisismo e a auto-estima captam duas dimensões diferentes do eu. Como dizem os peritos: ‘Uma auto-estima elevada significa pensar-se bem de si mesmo, enquanto o narcisismo envolve uma vontade apaixonada de se pensar bem de si próprio.’ Além disso, ao contrário do narcisismo, a auto-estima elevada é indicativo de níveis mais baixos de ansiedade e de depressão ao longo do tempo.”
O inquérito tinha ainda perguntas sobre o relacionamento que as crianças tinham com o pai e a mãe: “O meu pai/a minha mãe dizem-me que me amam.” Os autores também fizeram inquéritos a 415 mães e a 290 pais destas crianças. Por um lado, quiseram saber se os pais consideravam os filhos mais especiais do que as outras crianças. Por outro, perguntaram aos pais se diziam aos filhos que os amavam.
Com todas estas perguntas, os cientistas puderam distinguir se os traços de narcisismo estavam ligados a uma sobrevalorização dos pais ou à falta de amor. Além disso, também analisaram o papel do amor dos pais na auto-estima das crianças.
Os resultados mostraram que os traços de narcisismo estão associados à sobrevalorização dos filhos ao longo do tempo. “Quando os pais dizem às crianças que elas são mais especiais do que os outros, elas acreditam nisso. Isso poderá não ser bom nem para as crianças nem para a sociedade”, defende Brad Bushman, co-autor do estudo, investigador da Universidade Estadual de Ohio, nos Estados Unidos. Este cientista explica que os pais poderão ter este tipo de atitude com o objectivo de aumentar auto-estima dos filhos. “Mais do que aumentar a auto-estima, as práticas de sobrevalorização podem estar inadvertidamente a aumentar os níveis de narcisismo.”
A equipa não encontrou uma associação entre a falta de demonstração de amor de pais para filhos e o narcisismo. Mas descobriu que quando os filhos diziam, no questionário, que sentiam o amor dos pais, isto permitia prever que a auto-estima seria elevada ao longo do tempo.
Apesar de os cientistas explicarem que a educação será só um dos factores que contribui para o desenvolvimento de uma personalidade narcísica, defendem que “um esforço colectivo para reduzir a sobrevalorização dos pais poderá ajudar a travar o aumento do narcisismo na sociedade”.