Quase 1400 doentes tratados com fármacos inovadores para hepatite C

Especialista reclama plano nacional para pôr em prática acordo que deu luz verde a tratamento de todos os infectados

Foto
Ministro anunciou acordo com farmacêutica há um mês Daniel Rocha (arquivo)

O acordo para o fornecimento de dois fármacos desta empresa (o polémico sofosbuvir e a associação deste com o ledipasvir) foi decidido após meses de negociações e depois de ter sido tornado pública a morte de uma doente e de o ministro da Saúde ter sido interpelado por um paciente na Assembleia da República. Ficou decidido, numa solução diferente da seguida por outros países europeus, que seriam tratados todos os infectados, numa estratégia de eliminação da doença.

A verdade faz-nos mais fortes

Das guerras aos desastres ambientais, da economia às ameaças epidémicas, quando os dias são de incerteza, o jornalismo do Público torna-se o porto de abrigo para os portugueses que querem pensar melhor. Juntos vemos melhor. Dê força à informação responsável que o ajuda entender o mundo, a pensar e decidir.

O acordo para o fornecimento de dois fármacos desta empresa (o polémico sofosbuvir e a associação deste com o ledipasvir) foi decidido após meses de negociações e depois de ter sido tornado pública a morte de uma doente e de o ministro da Saúde ter sido interpelado por um paciente na Assembleia da República. Ficou decidido, numa solução diferente da seguida por outros países europeus, que seriam tratados todos os infectados, numa estratégia de eliminação da doença.

Agora, o processo de aprovações dos tratamentos começa a acelerar. Até esta segunda-feira, “havia 1362 doentes em tratamento com fármacos inovadores, um número que está a aumentar de dia para dia”, confirma o presidente do Infarmed de Saúde (Infarmed), Eurico Castro Alves. A decisão de começar a tratar está na mão dos médicos dos hospitais públicos onde os doentes foram diagnosticados e estão a ser seguidos. No total, há cerca de 13 mil pacientes registados, mas “nem todos necessitam de ser tratados hoje”, nota Eurico Castro Alves, que frisa que os critérios para o tratamento são “puramente clínicos” .

“O volume de doentes cresce todos os dias, até ao final do ano tenderá a estabilizar”, prevê.  A informação da Gilead é a de que será possível tratar e curar 95% dos casos com os dois medicamentos que fazem parte do acordo. Nas situações em que forem necessários outros tratamentos, o Infarmed terá que dar luz verde, através de autorizações de utilização excepcional (AUE). “Há muito trabalho para fazer”, admite Eurico Castro Alves, que lembra que cabe ao Infarmed monitorizar o que está a ser feito e garantir que “as regras de equidade são cumpridas no país”.

O PÚBLICO tentou perceber como estava este processo vários hospitais. No Centro Hospitalar de Lisboa Norte (Santa Maria e Pulido Valente), remeteram-nos para o portal do Infarmed, alegando que os dados oscilam de hora a hora, e que só esta segunda-feira cerca de 40 pedidos vieram somar-se aos 46 da semana passada.

No Centro Hospitalar Universitário de Coimbra, estavam esta segunda-feira 48 doentes a fazer a terapêutica e mais 39 já tinham sido “validados” para iniciar o tratamento. No Centro Hospitalar de Gaia/Espinho havia três dezenas de doentes em tratamento, enquanto no Centro Hospitalar do Porto (Santo António) o primeiro lote de 50 tratamentos chegou na sexta-feira e é intenção tratar, numa primeira fase, 200 doentes. Já no Centro Hospitalar do Algarve (que integra as unidades de Portimão, Faro e Lagos), havia oito doentes a fazer o tratamento, e seis vão iniciar a terapêutica em breve.  “O Centro Hospitalar do Algarve tem cerca de 300 doentes com hepatite C, dos quais aproximadamente 30 podem reunir critérios para fazer este tipo de tratamento”.

Com o processo de aprovações em curso a um ritmo cada vez mais rápido, vai ser agora necessário reforçar as equipas dos hospitais para que o processo prossiga da forma mais célere possível, defende o coordenador da subespecialidade de hepatologia da Ordem dos Médicos, Rui Tato Marinho. Para este especialista, que trabalha no Hospital de Santa Maria, deveria mesmo ser criado um programa semelhante ao que existe para o VIH/sida e reforçadas as equipas que seguem estes pacientes nos hospitais, com mais médicos e enfermeiros. “Era necessário um plano nacional”, sintetiza. É preciso seguir os doentes, até porque em cerca de 10% dos casos há efeitos secundários, frisa. “Não basta meter gente nos aviões, é preciso pilotos para os pilotar”, ilustra.

De resto, atesta que o portal disponível no Infarmed  (plataforma informática em que são registados os doentes) está “a funcionar muito bem” e aquilo que antes do acordo era complicado agora está substancialmente simplificado. “Há aprovações que são dadas em duas, três horas”, exemplifica.

Haverá, porém, um problema suplementar. Os doentes infectados com o genótipo 3 do vírus precisam de uma associação de sofosbuvir com outro fármaco não comparticipado em Portugal, o daclatasvir, pelo que neste caso é preciso pedir AUE`s. Estes pacientes são cerca de um quarto do total, estima.

O panorama do tratamento da hepatite C conheceu uma alteração rápida com o aparecimento de antivíricos de acção directa de elevada eficácia. Entre o final de 2013 e o início de 2014 foi aprovado nos EUA um novo grupo de medicamentos para a hepatite C (não só o sofosbuvir, mas também o simeprevir e o daclatasvir), que vieram dispensar na maior parte dos casos a utilização de injecções que provocavam muitas reacções adversas.A infecção é tratada com diferentes combinações de fármacos, consoante o genótipo do vírus.