“O problema europeu já não é ideológico, é geográfico”
José Silva Peneda, presidente do Conselho Económico e Social, diz que o pior cenário das legislativas seria um em que não houvesse hipótese de construir uma maioria absoluta.
Ao mesmo tempo, defende que os problemas estruturais da economia portuguesa não estão resolvidos, e que isso só é possível através de um governo com maioria absoluta. A um mês e meio de deixar o cargo para ir para Bruxelas assessorar Jean-Claude Junker na área dos assustos sociais, Silva Peneda diz que “o tempo e a história encarregar-se-ão de fazer o juízo de valor final” sobre o papel de Pedro Passos Coelho como primeiro-ministro. Quanto às dívidas do primeiro-ministro à Segurança Social, prefere o silêncio por querer “estar ausente desse tipo de discussão”, que caberá ao Parlamento.
O relatório divulgado pela Comissão Europeia (CE) no final de Fevereiro alertava para os elevados níveis de desemprego e para o aumento da pobreza, duas consequências do programa da troika da qual a Comissão fez parte. Não há aqui uma disfunção?
Nesse relatório falta um parágrafo final que deveria dizer o seguinte: “a CE regista que os resultados de que dá conta neste relatório são fruto de políticas que a própria comissão defendeu”. Há, de facto, uma ausência de coerência.
A verdade faz-nos mais fortes
Das guerras aos desastres ambientais, da economia às ameaças epidémicas, quando os dias são de incerteza, o jornalismo do Público torna-se o porto de abrigo para os portugueses que querem pensar melhor. Juntos vemos melhor. Dê força à informação responsável que o ajuda entender o mundo, a pensar e decidir.
Ao mesmo tempo, defende que os problemas estruturais da economia portuguesa não estão resolvidos, e que isso só é possível através de um governo com maioria absoluta. A um mês e meio de deixar o cargo para ir para Bruxelas assessorar Jean-Claude Junker na área dos assustos sociais, Silva Peneda diz que “o tempo e a história encarregar-se-ão de fazer o juízo de valor final” sobre o papel de Pedro Passos Coelho como primeiro-ministro. Quanto às dívidas do primeiro-ministro à Segurança Social, prefere o silêncio por querer “estar ausente desse tipo de discussão”, que caberá ao Parlamento.
O relatório divulgado pela Comissão Europeia (CE) no final de Fevereiro alertava para os elevados níveis de desemprego e para o aumento da pobreza, duas consequências do programa da troika da qual a Comissão fez parte. Não há aqui uma disfunção?
Nesse relatório falta um parágrafo final que deveria dizer o seguinte: “a CE regista que os resultados de que dá conta neste relatório são fruto de políticas que a própria comissão defendeu”. Há, de facto, uma ausência de coerência.
Quando o primeiro-ministro fala em “contradições” entre o que o relatório diz e o que foi aplicado, não sente que se está a excluir de um processo que ele próprio conduziu?
Há erros e incompetência no desenho e na execução do programa. O primeiro foi pensar-se que o problema de Portugal era exclusivamente financeiro, quando é muito mais estrutural. Temos empresas débeis, descapitalizadas e isso não é possível resolver em pouco tempo. O segundo erro foi precisamente o tempo. O terceiro é aquela ideia da destruição criativa, que depois de um ajustamento muito forte poderia surgir qualquer coisa de novo. Um quarto erro foi negligenciar o papel da procura interna, que teve um efeito devastador no emprego. Depois, ignoraram que a dívida das famílias e das empresas era muito elevada. O programa correu mal e o relatório da CE é a prova de que há aspectos que correram mal. Mas o aspecto que mais toca com a dignidade de que Jean-Claude Juncker falava tem a ver com a desestruturação da sociedade portuguesa. A classe média levou uma machadada fortíssima e não há país nenhum que se desenvolva sem uma classe média forte. Isso vai levar muitos anos a recuperar.
A capacidade de intervenção da classe média não se mede apenas pela sua capacidade financeira.
Mede-se pela confiança. Os índices de confiança baixaram de uma forma substancial, o investimento foi muito negativo. Com certeza que há razões macroeconómicas, mas o factor decisivo para o investimento, principalmente o privado, tem a ver com a confiança.
Que lições podemos tirar deste processo?
As políticas europeias vigentes não estão a resolver de forma adequada os problemas económicos e sociais da Europa e de muitos países do Sul da Europa. Basta olhar para as taxas de desemprego e para o desemprego jovem. A Europa é uma manta de retalhos de diferenças culturais e económicas. Temos uma realidade muito distinta no Sul da Europa que precisa de ter um tratamento muito distinto. A zona euro tem na sua génese uma ideia federal. Estamos a meio da ponte: acaba-se a ponte ou caímos da ponte. Não concebo que possa haver uma moeda única numa zona onde há 18 dívidas públicas diferentes, geridas autonomamente.
Ou ela se desenvolve ou desaparece?
Ou se desenvolve ou corre o risco de colapsar. A zona euro precisa de reformas muito profundas e a ideia de um orçamento dentro da zona euro parece-me fundamental. Sem isso é muito difícil tomar medidas anti-cíclicas. Tem de haver uma cabeça que comande.
Informalmente não tem a Alemanha?
Tem, mas não é formal. Quem é que legitima as decisões que são tomadas? É o grupo dos ministros das finanças? Há aqui um problema de legitimação política. Os parlamentos nacionais não podem ficar afastados desse tipo de discussão. É um erro pensar que devem ser o conselho [europeu] e os ministros das finanças a decidir sobre o destino dos povos europeus. Reputo de fundamental que a zona euro seja gerida por um órgão com legitimidade política, deve haver um parlamento com representantes dos parlamentos nacionais.
A Grécia é uma ameaça para a zona euro?
Não. O problema da Grécia não é um problema financeiro, é um problema geoestratégico. E mesmo países que não estão na Europa têm uma palavra a dizer, os Estados Unidos não achariam graça nenhuma a que a Grécia saísse da zona euro, o que alteraria o posicionamento geoestratégico daquela área. Em termos financeiros, o PIB da Grécia é semelhante ao PIB da cidade de Madrid ou de Dusseldorf.
O Governo faz bem em distanciar-se da Grécia e fazer o papel do bom aluno?
Primeira questão: Portugal é diferente da Grécia, a nossa situação e as nossas instituições funcionam de forma diferente. Do ponto de vista político, percebe-se que quem esteve muito envolvido no programa da troika tenha de afirmar que as coisas correram bem. Muito embora haja declarações, do próprio primeiro-ministro, a admitir que houve aspectos mal desenhados e algumas deficiências. No programa houve muito fundamentalismo, muito dogmatismo e uma ausência total de avaliação de como as coisas estavam a correr. Insistiu-se até ao limite. Isso foi um erro difícil de compreender, porque o programa quando nasceu teve apoio político de 85% dos deputados. E não nos esqueçamos que houve um acordo de concertação com base no programa.
Portugal não devia ter estado ao lado da Grécia para poder beneficiar de uma eventual flexibilização das condições, em vez de entrar em confronto?
Se eu fosse responsável, faria uma declaração deste tipo: queremos um compromisso com a Grécia na certeza de que, se desse compromisso resultarem vantagens que nós não temos, temos de beneficiar delas e Portugal vai fazer tudo o que estiver ao seu alcance para que esse compromisso exista. Tínhamos a ganhar em manter uma posição neutral e construtiva.
Revê-se no PSD de hoje?
O PSD não se esgota apenas aqui, é muito mais vasto. Sou fiel às origens do PSD e continuo a ter um pensamento social-democrata e reformista. Agora, este programa da troika foi feito à bruta e não acredito em medida feitas de forma brutal. As reformas para serem bem sucedidas têm de ser gradativas e compreendidas pelo cidadão. A democracia é muito bonita, mas a democracia só entra no coração das pessoas quando elas sentem que quem está no governo tenta resolver os seus problemas. Quando não há essa percepção, aparecem estes movimentos como o Podemos [em Espanha].
Ou o Syriza, na Grécia.
Sim. São movimentos de protesto, com diferenças uns dos outros com certeza, mas acabam por ser o resultado da insatisfação.
Pedro Passos Coelho é um bom primeiro-ministro?
Enfrentou um período muito difícil. É difícil avaliar as pessoas ainda a quente. É um homem corajoso, é teimoso, é perseverante. O tempo e a história encarregar-se-ão de fazer o juízo de valor final.
É aceitável um primeiro-ministro dizer que desconhecia que era obrigatório fazer descontos para a Segurança Social enquanto trabalhador independente?
Não me vai ouvir uma palavra sobre isso. Estamos em período de campanha eleitoral. Sobre isso não me quero pronunciar.
O facto de não se querer pronunciar significa alguma coisa.
Não quero fazer declarações. Já há tanta gente a falar sobre isso. Estamos em campanha política.
Mas é um facto.
É um facto. Mas não sou obrigado a comentar todos os factos. Quero estar ausente desse tipo de discussão. Quem tem que ter essa discussão o Parlamento. Vamos aguardar. Não vou acrescentar absolutamente nada sobre essa matéria.
Enquanto presidente do CES adoptou uma posição mais interventiva e a partir de certa altura de oposição ao Governo. Por que razão assumiu esse papel?
Quando tomei posse disse que pretendia ser um elemento activo, facilitador do diálogo e da concertação. O presidente do CES não pode deixar de representar o pensamento consensual e geral e de dar voz à sociedade civil. É minha obrigação, a partir do momento em que se votam determinadas posições, expressá-las.
Alguma vez foi chamado à atenção por causa dessas posições?
Não. Também não valia a pena. Há pessoas que pensam que eu devia ser um representante do Governo dentro do CES. Isso não faz sentido nenhum, o meu mandato não é defender o Governo, é expressar a opinião que se gerou ao longo do tempo e que foi subindo de tom. Isso é fruto da vivência interna da instituição.
O nome de que se fala para lhe suceder, João Proença, tem condições para assumir o cargo?
João Proença conhece, como poucos, a realidade da concertação social. Esta é uma decisão que não é dos parceiros sociais, é uma decisão do Parlamento e não me queria estar a meter numa decisão que os partidos políticos têm de tomar. Espero que resolvam isso antes de 1 de Maio [dia em que deixa o cargo de presidente do CES].
Quais os momentos mais marcantes da sua passagem pelo CES?
Foram vários. A Taxa Social Única foi um momento de tensão. Foi uma asneira que o CES e o Banco de Portugal ajudaram a resolver. Outro momento teve a ver com o acordo [Compromisso para o Crescimento, Competitividade e Emprego] em 2012, onde tive uma participação muito activa, muitas noites mal dormidas. Teve uma repercussão mais nítida ao nível internacional do que ao nível nacional. Na Europa acharam muito estranho como é que um país com uma intervenção da troika e com medidas tão restritivas consegue um acordo tão vasto. Na altura disse que seria tão difícil fazer um acordo como cumpri-lo, e tinha razão.
Qual seria o pior cenário das legislativas?
Uma solução em que não houvesse hipótese de construir uma maioria absoluta. Os problemas estruturais da economia portuguesa não estão resolvidos e o CES tem uma posição sobre isso. O país precisa de um plano a médio prazo, até apontámos 10 anos, que persiga três objectivos: equilibrar as contas públicas, pôr a economia a crescer e reformar o Estado. Mas para isto ser feito é preciso garantir alguns pressupostos, e o mais difícil é a estabilidade e o compromisso político. Um governo com uma maioria relativa nunca será capaz de pôr um programa destes em execução. Depois há outra questão. Vamos entrar numa fase em que muita coisa vai mudar na Europa e Portugal precisa de ter um pensamento estratégico. O seu posicionamento neste momento não é conhecido.
Uma maioria não garante a existência desse pensamento…
Os pressupostos de construção de uma maioria e de um Governo não podem deixar de considerar qual a posição de Portugal em termos estratégicos no processo da reforma europeu. Hoje o problema já não é ideológico, é geográfico. Os socialistas do Norte da Europa pensam de forma diferente dos socialistas do Sul, por exemplo. Devia haver uma estratégia em que se juntassem os partidos do Sul da Europa para, em conjunto, debaterem qual seria a estratégia mais adequada em termos de futuro. Agora, com o Syriza, é mais complexo. Com as regras que hoje existem, a margem de manobra é limitadíssima em termos de orientações de política económica, temos de criar espaço, temos de esbracejar. Para criar esse espaço tem de haver uma estratégia. Quais são os nossos aliados? Qual é a estratégia para lá chegar? Será que um Governo deve defender um orçamento da zona euro e uma gestão comum das dívidas públicas na zona euro? Eu entendo que sim.