Os Gandhi serão ainda capazes de liderar ou vão sair de cena?
O Partido do Congresso precisa de se reinventar, após as derrotas eleitorais que o tornaram quase marginal na vida política indiana. Mas entre Rahul e Sonia Gandhi, está sem rumo nem chefe claro.
Os membros do partido mostram que estão a ser deixados na ignorância sobre o que se passa pelo “alto comando”. A palavra mais repetida, porque é a mais desejada, para descodificar esta sabática é “reestruturação”.
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Os membros do partido mostram que estão a ser deixados na ignorância sobre o que se passa pelo “alto comando”. A palavra mais repetida, porque é a mais desejada, para descodificar esta sabática é “reestruturação”.
Não é a primeira que se fala na reestruturação do Congresso. Mas o risco de diluição que o partido está a viver é, desta vez, tão grande que todos acreditam que agora é a sério. São dois os pontos do debate, todo feito no condicional: a mulher que há 20 anos manda no partido (é ela o “alto-comando”), Sonia Gandhi, pode estar a semanas de anunciar que se retira da política; o seu filho, Rahul, pode estar a momentos de assumir a liderança e o compromisso que aceitou há dez anos de ser o novo líder do partido e, finalmente, corresponder ao que se espera dele, após uma década de relutância.
Uma terceira interrogação junta-se à discussão, esta com um cenário totalmente diferente: e se estivermos a assistir ao momento em que o Partido do Congresso se emancipa da dinastia Nehru-Gandhi, após décadas em que as duas entidades se confundiram, desde o momento em que Indira nomeou um herdeiro, o filho Rajiv, também ele assassinado, decretando que estes seriam os legítimos “donos” do partido?
"Não vai fugir"
“Rahul não fugiu, isso está fora de questão. Ele tem têmpera rija. Tenho a certeza absoluta de que não vai fugir. Ele vai continuar a ser deputado e também vai ter um papel mais importante no Congresso a nível nacional”, disse um membro do partido, Karan Thapar, ao site de noticias indiano Headlines Today.
O jornal Times of India também avança que Rahul Gandhi poderá, na reunião anual do partido, que se realiza em Abril, ser nomeado presidente do partido, substituindo a mãe. “Vocês estão sempre a insistir nessa pergunta. Esperem para ver”, disse Sonia aos jornalistas esta semana.
Rahul Gandhi tomou a decisão de entrar em sabática, dias antes de no Parlamento de Nova Deli começar a discussão do Orçamento do Estado. É um momento crucial para o país, aquele em que o primeiro-ministro, Narendra Modi, vai explicar como irá concretizar as reformas estruturais e económicas para fazer o que prometeu: melhorar a vida dos cidadãos e elevar a Índia ao estatuto de potência económica e regional. Modi, e o seu BJP (partido nacionalista hindu), esmagou o Congresso nas eleições de Maio passado. O partido dos Gandhi passou de 206 deputados para uns meros 44.
Rahul é o chefe da bancada parlamentar do Congresso e a sua ausência não foi bem recebida. “Parece uma piada, é de uma enorme irresponsabilidade”, disse ao Financial Times o analista político Siddharth Varadarajan, da Universidade de Shiv Nadar. “Faz isto num momento impróprio, o que mostra que nem ele nem o partido estão preparados para fazer o que é preciso para se tornarem uma força combativa”.
Modi vive uma conjuntura especial desde que foi eleito primeiro-ministro: a de não ter oposição. A derrota do Congresso não só reduziu o partido a uma pequena bancada parlamentar como o desestruturou, fê-lo entrar numa crise de identidade e não há quem perceba como a irá recuperar. Nos últimos dias, foram anunciadas mudanças nas direcções regionais do Congresso, que luta por manter alguns dos estados que governa nas eleições que vão decorrer ao longo de todo o ano – as sondagens também não lhe são favoráveis regionalmente.
A frase exacta de Rahul ao explicar o seu afastamento temporário foi querer “reflectir sobre os acontecimentos recentes e no rumo do futuro”. Os acontecimentos recentes são as legislativas de Maio e a perda de Nova Deli, nas eleições de Janeiro.
Herdeiro frustrado...
Os jornais indianos explicam que Rahul, que foi recentemente nomeado vice-presidente do partido, há muito que vive em rota de colisão com a mãe – e com o núcleo duro dos seus conselheiros. Ao “herdeiro” da dinastia Nehru-Gandhi, dizem, nunca foi dada margem de manobra para aplicar as reformas internas que considera serem necessárias para reanimar o partido, e que passam por haver eleições para os lugares dirigentes dos diferentes órgãos do Congresso (sempre foram nomeados), ou pela criação de um mecanismo de funcionamento que volte a aproximar o partido das bases, isto é, das necessidades do povo.
Rahul Gandhi, o neto de Indira, quer abrir espaço para que uma nova geração ascenda no partido. E, no que é considerado o último grande confronto com o “alto comando”, que também perdeu, pretendia adoptar uma estratégia de campanha eleitoral (nas legislativas) que fosse eficaz perante a agressividade e algum populismo do BJP, e que fosse de proximidade com os eleitores (nas estaduais, semelhante à do Partido do Homem Comum, que venceu). Tudo lhe foi sendo recusado.
...ou político incompetente
A esta atitude de castração – justificada com a tradição, com o “sempre foi assim”, do Congresso –, junta-se a incapacidade de Rahul Gandhi em ser um político. Rahul tinha 14 anos quando a avó foi assassinada pelos seus guardas pessoais sikh e 19 quando o pai foi morto por apoiantes dos separatistas tamil do Sri Lanka. Sonia, a viúva, que era uma estrangeira (é de origem italiana, só depois de o marido morrer aprendeu hindu) e que nada sabia de política, foi catapultada para a liderança do partido e a sua prioridade foi proteger os filhos, Rahul e Priyanka. Há pouco mais de dez anos, Rahul saiu da sua sombra e começou a sua aprendizagem, ele que disse um dia que o poder é um “veneno”.
Há quem o considere um idealista, há quem diga que não tem as capacidades para o combate necessárias para o jogo político. Assim como a ambição e o carisma – ficou claro nos seus comícios, quando foi incapaz de prender as multidões, fica claro sempre que faz declarações sem guião, quando se perde nas palavras e nas ideias.
Na única entrevista que deu antes das legislativas foi humilhado – decidiu falar nele na terceira pessoa, começando muitas resposta com “O que Rahul Gandhi pensa é...”, não explicou qual era a sua visão para a Índia e não respondeu às perguntas do entrevistador, nem quando este lhe pediu para comentar a acusação de Modi que lhe chamara “príncipe”, no sentido de não ter legitimidade numa democracia ao ser um herdeiro. Da entrevista ficou uma ideia: Rahul Gandhi, que já tem 44 anos e está na política ao mais alto nível, só tendo acumulado derrotas, é um amador.
Poderá Rahul, ou qualquer outra pessoa, mudar de personalidade num par de semanas, reaparecendo em Abril como um verdadeiro líder, com força e carisma para reunificar o partido e reconquistar o eleitorado? Essa é a dúvida, dentro e fora do Congresso.
No partido, onde já se questiona a legitimidade do poder dinástico, sobretudo por parte dos mais jovens líderes regionais sem espaço de manobra para progredirem (e cansados de todas as ordens, sobretudo as nomeações, virem de Deli), Rahul está longe de ser consensual. Explica o site de notícias indiano abplive que Rahul também tem contra si a “velha guarda”, que desaprova o seu estilo de liderança, as suas incongruências e, sobretudo, as suas ideias “impraticáveis”.
Se o partido se mantiver fiel aos Nehru-Gandhi, há outra opção, também ela há muito comentada mas nunca concretizada. Sonia poderia passar o poder a Priyanka Gandhi, de 43 anos, se não agora, num futuro próximo. Priyanka, disse um analista indiano ao PÚBLICO, tem carisma e inteligência política, além de gostar do jogo do poder.
O analista, que não se quis identificar, diz que não se sabe se a filha de Sonia nunca quis ser a “herdeira” ou se foi preterida, a favor do irmão homem. Contra si tem um factor de peso, o marido, Robert Varda, empresário envolvido em casos de corrupção.
Nova Deli está repleta de rumores e de especulações. O Partido do Congresso ressente-se. Mas os Gandhi continuam sem dar respostas. “Tudo o que havia para dizer já foi dito. Vão ter que esperar”, disse Sonia Gandhi.