Um novo começo para o diálogo social?
Há demasiado tempo que nada de novo acontece no plano europeu em termos de diálogo social.
A conferência é, em parte, comemorativa. Faz agora 30 anos que o diálogo social europeu foi lançado pelo presidente Delors. O risco é que seja apenas isso: comemorativa. Há demasiado tempo que nada de novo acontece no plano europeu em termos de diálogo social, a tal ponto que esta conferência pode parecer uma mera prova de vida para evitar o desaparecimento da marca. A Comissão Europeia, cujo impulso costumava ser importante nesta dinâmica, parecia ultimamente ter esquecido até a existência da expressão. Estranhamente, o anúncio da conferência reconhece a paralisia do diálogo social, mas avança uma explicação que, mesmo que se compreenda em termos sociológicos, é um absurdo político: tal paralisia deve-se, diz-se, ao difícil ambiente socioeconómico que temos vivido. Pois não haveria de ser, precisamente, em tempos mais difíceis que o diálogo social deveria jogar um papel mais importante na mobilização das forças do trabalho e do empreendimento, numa base de equidade? Aquela justificação parece-se estranhamente com a tese de alguma direita portuguesa segundo a qual os direitos garantidos constitucionalmente são um empecilho à economia.
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A conferência é, em parte, comemorativa. Faz agora 30 anos que o diálogo social europeu foi lançado pelo presidente Delors. O risco é que seja apenas isso: comemorativa. Há demasiado tempo que nada de novo acontece no plano europeu em termos de diálogo social, a tal ponto que esta conferência pode parecer uma mera prova de vida para evitar o desaparecimento da marca. A Comissão Europeia, cujo impulso costumava ser importante nesta dinâmica, parecia ultimamente ter esquecido até a existência da expressão. Estranhamente, o anúncio da conferência reconhece a paralisia do diálogo social, mas avança uma explicação que, mesmo que se compreenda em termos sociológicos, é um absurdo político: tal paralisia deve-se, diz-se, ao difícil ambiente socioeconómico que temos vivido. Pois não haveria de ser, precisamente, em tempos mais difíceis que o diálogo social deveria jogar um papel mais importante na mobilização das forças do trabalho e do empreendimento, numa base de equidade? Aquela justificação parece-se estranhamente com a tese de alguma direita portuguesa segundo a qual os direitos garantidos constitucionalmente são um empecilho à economia.
É tempo, também por cá, de darmos um lugar mais decisivo ao diálogo social. Daí que afirmemos claramente o carácter estratégico do reforço da concertação social, não apenas em questões laborais, mas como elemento central no processo de transformação económica e social (acabando com esta vergonha de o primeiro-ministro se vangloriar no Parlamento do isolamento do Governo na concertação social).
Mas o diálogo social tem de penetrar mais profundamente na sociedade portuguesa. Depois de, em poucos anos, o número de trabalhadores cobertos por instrumentos resultantes da negociação coletiva ter diminuído significativamente, é preciso relançar a negociação coletiva para promover a regulação do mercado de trabalho e estratégias negociadas de flexibilidade e inovação. Em certos casos, o diálogo pode estabelecer-se ao nível das empresas, mas, atendendo ao peso das pequenas empresas no tecido produtivo português e ao défice de representação sindical nas empresas, um papel predominante terá de caber à negociação sectorial, com garantia de extensão ao conjunto dos trabalhadores. Isto é, aliás, indispensável para impedir a competição baseada no dumping social, que penaliza mais as empresas com práticas de gestão socialmente responsáveis. Aspeto a não descurar: a definição de normas sectoriais permite baixar a conflitualidade ao nível da empresa sobre salários e condições de trabalho, possibilitando que as empresas centrem os seus esforços na melhoria da organização do trabalho e da qualificação dos recursos humanos, como fatores-chave de competitividade e produtividade.
Trilhar um caminho em que o dinamismo económico não se concebe separado de uma sociedade decente implica fazer certas escolhas orientadas pela ótica da dignidade do trabalho – por exemplo, se queremos reverter a tendência para abandonar o trabalhador individual à sorte de uma relação de poder desigual, provavelmente não poderemos remeter para negociações individuais entre trabalhador e empregador a regulação dos horários de trabalho.
É preciso também recuperar a negociação coletiva no sector público, incluindo em matéria salarial e no que se refere aos horários de trabalho (ultrapassando esta situação anómala em que o Governo impede a administração local de aplicar acordos sobre as 35 horas de trabalho, que as partes livre e responsavelmente celebraram).
A Europa começa lentamente a perceber que se afastou perigosamente da promessa de prosperidade partilhada, entre povos e entre diferentes grupos sociais, que foi a raiz do seu antes reconhecido sucesso. Essa compreensão só valerá a pena se permitir novos avanços em todos os planos da democracia – também na democratização do mundo do trabalho. Veremos se a conferência desta semana em Bruxelas produz algo mais do que uma comemoração. Seja como for, também em Portugal precisamos de muito mais: fazer das diferentes facetas do diálogo social uma ferramenta de democratização e desenvolvimento.
Secretário nacional do Partido Socialista