Os filhos da lua
A investigação na área das doenças raras é muitas vezes criticada por ser muito dispendiosa financeiramente para no final os resultados servirem a um número restrito de pessoas
Existe aquele provérbio popular que diz “O que cada um faz para melhorar o mundo é o equivalente a uma gota de água no oceano”. Os optimistas respondem a isso dizendo que “o oceano fica mais pequeno se lhe tirarmos uma gota”, preconizando ao estilo do hollywoodesco “Favores em Cadeia” que se cada um fizer um pouco, podemos todos fazer parte de algo grande. Faço parte desse grupo.
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Existe aquele provérbio popular que diz “O que cada um faz para melhorar o mundo é o equivalente a uma gota de água no oceano”. Os optimistas respondem a isso dizendo que “o oceano fica mais pequeno se lhe tirarmos uma gota”, preconizando ao estilo do hollywoodesco “Favores em Cadeia” que se cada um fizer um pouco, podemos todos fazer parte de algo grande. Faço parte desse grupo.
Luto diariamente com os realistas à minha volta, que dizem que é difícil nos dias que correm descobrir algo que venha a ter impacto na vida das pessoas, e com os pessimistas que estão convencidos que o nosso trabalho não vai contribuir com nada de relevante para ninguém! Trabalho como investigadora num projecto que pretende compreender os mecanismos pelos quais as crianças conhecidas como “Filhos da lua” desenvolvem cancros de pele fortemente agressivos em comparação à população em geral.
Sabemos que a causa para tantos e tao precoces cancros é a elevada sensibilidade destas crianças aos raios ultravioleta do sol, mas o que explica a preferência por cancros agressivos? É o que queremos saber. A doença por detrás deste quadro clinico é rara, chama-se “Xeroderma Pigmentosum” e foi tema de um artigo do P3!
Dando a conhecer os gémeos Thomas e Vincent, o artigo explica que estes doentes, maioritariamente crianças, não podem sair durante o dia, pois um único raio de sol basta para dar origem a uma lesão cancerígena. Fazendo referência a um trabalho desenvolvido em França percebemos os esforços que estão a ser realizados para a construção de um fato que permita a estes irmãos e a todos os outros pacientes XP sair finalmente à luz do dia de forma segura. No que me diz respeito, trabalho dia a dia com células de meninos como eles, tentando encontrar nelas a peça “chave” que falta para explicar a razão do aparecimento de cancros violentos.
O nosso objectivo é que a descoberta desta chave conduza à criação de novos e mais potentes fármacos para o tratamento deste tipo de cancros. Pessoalmente, procuro em paralelo, informações sobre o número de doentes em Portugal, com o objectivo de tentar aproximar as famílias afectadas, como já acontece em França.
A investigação na área das doenças raras é muitas vezes criticada por ser muito dispendiosa financeiramente para no final os resultados servirem a um número restrito de pessoas. Esta é a história de como muitas vezes as respostas às nossas questões podem estar escondidas onde menos se espera e a compreensão destas doenças beneficia não só quem sofre com elas mas a população em geral. É uma história que tenho vindo a repetir vezes e vezes sem conta sentindo de cada vez que a conto, que quem me ouve tem dificuldade em compreender. Mas hoje, graças ao P3 a minha gota de água foi de alguma forma (re)conhecida e vi nitidamente o oceano mais pequeno sem ela! A ciência é um pouco como esse oceano, onde cada um deixa, a sua marca, a sua gota, acreditando que mesmo que pequena, vai um dia fazer parte de algo maior. Fazer ciência é acreditar.