O ensino de Os Lusíadas
Quando Vasco Graça Moura me ofereceu o seu livro Os Lusíadas Contado às Crianças (Gradiva, 2012) e eu sugeri que essa obra deveria ser estudada nas escolas, respondeu-me com um sorriso: “Não creio ser possível, Daniel. Os professores de agora estão desmotivados, dão umas aulas sobre Os Lusíadas porque fazem parte do programa e pouco mais. Os alunos vão acabar por odiar os clássicos.”
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Quando Vasco Graça Moura me ofereceu o seu livro Os Lusíadas Contado às Crianças (Gradiva, 2012) e eu sugeri que essa obra deveria ser estudada nas escolas, respondeu-me com um sorriso: “Não creio ser possível, Daniel. Os professores de agora estão desmotivados, dão umas aulas sobre Os Lusíadas porque fazem parte do programa e pouco mais. Os alunos vão acabar por odiar os clássicos.”
Três anos depois, só lhe posso dar razão. Jovens da minha família e alunos que encontro nas escolas secundárias descrevem um cenário de tédio e um ambiente displicente à volta do estudo do poema. Os professores nem sequer levam uma edição completa para a aula, limitando-se a ler, de forma monocórdica, os estratos da obra que figuram no manual adoptado. Os alunos do 9.º ano bocejam e mexem no telemóvel, à espera que a aula acabe. Depois, algumas perguntas são colocadas no próximo teste e tudo é esquecido.
Ao contrário do que fez Vasco Graça Moura (V.G.M.), nada é explicado aos alunos sobre o enquadramento histórico da elaboração da epopeia, nem sequer se esclarece que tipo de métrica Camões utilizou. Ouçamos V.G.M., como deveria acontecer nas escolas: “Para o fazer, Camões usou a oitava/Que é feita de oito versos a rimar./ Até ao sexto as rimas alternava,/ Nos dois finais a rima vai a par./Com oitavas assim, organizava/ Essa história que tinha de contar/Em cantos que são dez e a nós, ao lê-los,/ Espanta como pôde ele escrevê-los.”
V.G.M., num pequeno volume de 150 páginas, intercala os verdadeiros versos de Camões, que aparecem sempre a itálico, com versos da sua autoria, nos quais é mantida a métrica da epopeia. Deste modo, as partes mais complexas são explicadas com palavras mais acessíveis, sem que o leitor perca o sentido grandioso do poema original. Vejamos este exemplo: “E vós, Tágides minhas, pois criado/ Tendes em mim um novo engenho ardente,/ Se sempre em verso humilde celebrado/ Foi de mim vosso rio alegremente/ Dai-me agora um som alto e sublimado/ Um estilo grandíloco e corrente/ Por que de vosso Tejo já se diga/ Que às Musas não inveja a fonte antiga/ (no original “que não tenham inveja às de Hipocrene”).
E mais adiante: “Segue a dedicatória e é bem vistosa:/Nela Camões o jovem rei saúda,/ Porque ao nascer nos trouxe a evidência/ De Portugal manter a independência/ E vós, ó bem nascida segurança/ Da Lusitana antiga liberdade,/ E não menos certíssima esperança/de aumento da pequena cristandade;/ …”
Penso ser este o modo certo de ensinar Os Lusíadas nas escolas: com entusiasmo e conhecimento, a partir de trabalho de grupo, como há cerca de 50 anos se fazia no Liceu de Pedro Nunes. Nessa altura, a minha professora Maria Arminda Zaluar Nunes lia o poema com alegria, depois formava grupos de discussão que trabalhavam sobre o texto, para mais tarde dois ou três alunos retomarem a leitura. É certo que era difícil “dividir orações” em Camões, como então criticávamos, mas o resto era tão motivador que a gramática surgia naturalmente.
Os alunos de agora não são motivados para a leitura e interpretação de uma obra tão importante como Os Lusíadas. Mesmo Gil Vicente é dado a correr, deixando sem debate a crítica social e a ironia de tantas personagens vicentinas. À força de quererem conquistar os estudantes, nos livros de Português abundam imagens e pequenas historietas, perdendo-se o sentido do texto clássico e o alcance identitário de tantas obras.
Vamos mudar?