THEESatisfaction numa nave espacial
Pode não ser o futuro de nada, mas é dos mais estranhos e aventureiros presentes do presente.
Há-de haver uma palavra para isto, mas ainda não foi inventada. awE naturalE, a estreia das THEESatisfaction, datado de 2012, foi descrita, na imprensa anglo-saxónica, como um exemplar único de afro-futurism. É uma expressão que soa bem e que visa simbolizar a síntese que as meninas faziam a partir das raízes do hip-hop, neo-soul e jazz, dando ao todo um tom cósmico: cada um destes géneros pode ser rastreado até África; e awE naturalE soava ao futuro de qualquer coisa.
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Há-de haver uma palavra para isto, mas ainda não foi inventada. awE naturalE, a estreia das THEESatisfaction, datado de 2012, foi descrita, na imprensa anglo-saxónica, como um exemplar único de afro-futurism. É uma expressão que soa bem e que visa simbolizar a síntese que as meninas faziam a partir das raízes do hip-hop, neo-soul e jazz, dando ao todo um tom cósmico: cada um destes géneros pode ser rastreado até África; e awE naturalE soava ao futuro de qualquer coisa.
EarthEE, acabado de sair, também. Mas talvez futuro seja um termo erróneo – o que há é mistério, uma espécie de psicadelismo electrónico que cria uma atmosfera rarefeita, como se estivéssemos sentados na superfície de Marte, envoltos numa nuvem de erva. Oiça-se
Fetch/Catch. É constituído por um
loopde vozes distorcidas, um
loopde um órgão soul-jazzy, um
beatminimal arrastado e as vozes da dupla (sedutoras como o raio). É a mesma economia de
Nature’s candyou
EarthEE(o tema que dá nome ao disco), a mesma – por assim dizer – fórmula que percorre o disco. Mas ponha-se cada beat ou loop ou arranjo ao microscópio e percebe-se até onde nasce o encanto: é que a “fórmula” é executada de forma sempre diferente e estes
beatssão muito mais imaginativos do que parecem à primeira (e nem estou a contar com a sabedoria do flow das meninas). Em
EarthEE, por entre os loops, notam-se palmas e uma campainha, e discerne-se um órgão etéreo ao fundo; o beat de
Nature’s candy, decomposto, é de uma inteligência e eficácia admiráveis.
Não consigo deixar de regressar a Blandland para tentar perceber o que acontece aqui: baixo e teclas tocam em simultâneo uma nota que se repete (sempre a mesma, ao longo do tema), um lick de guitarra delicioso, um beat de tarola de escovas e só com isto consegue-se um balançar sedutor e viciante. O beat de Post black, anyway é composto do som de baquetas a tocar no aro da tarola; há três notas de guitarra e uma figura árabe de metais em fundo – um tipo precisa de se controlar para não ir fumar ópio de seguida.
Esta fórmula, que se repete e diferencia em cada tema, não torna EarthEE acessível nem qualificável. Pode não ser o futuro de nada, mas é dos mais estranhos e aventureiros presentes do presente. Se pusessem Alice Coltrane numa nave espacial com muita droga e um sampler talvez ela fizesse um disco assim.