Conselho das Escolas critica MEC e transferência de competências para as câmaras
Órgão consultivo do Ministério da Educação divulgou um parecer não solicitado, em que antevê a perda de autonomia das escolas e a criação de “uma manta de retalhos de subsistemas educativos”. O MEC contesta.
Com data de 16 de Fevereiro, o parecer (não solicitado) do CE – um órgão consultivo do MEC criado pela então ministra Maria de Lurdes Rodrigues – surge num momento em que já pouco haverá a fazer. A legislação que regula a transferência de competências já foi publicada em Diário da República e um número não determinado de municípios está a negociar o fecho de contratos com o MEC, para iniciar em Setembro deste ano outros tantos projectos-piloto, que serão diferentes entre si e terão a duração de quatro anos.
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Com data de 16 de Fevereiro, o parecer (não solicitado) do CE – um órgão consultivo do MEC criado pela então ministra Maria de Lurdes Rodrigues – surge num momento em que já pouco haverá a fazer. A legislação que regula a transferência de competências já foi publicada em Diário da República e um número não determinado de municípios está a negociar o fecho de contratos com o MEC, para iniciar em Setembro deste ano outros tantos projectos-piloto, que serão diferentes entre si e terão a duração de quatro anos.
No próprio documento, o CE (constituído por directores de escolas) refere que, apesar serem conhecidas desde meados de 2014 notícias sobre a chamada municipalização da Educação, só no fim de Janeiro deste ano é que aquele órgão foi informado sobre o assunto pelos representantes das secretarias de Estado da Educação e da Administração Local. Ainda assim, acrescenta, não lhe foi dado conhecimento de quais e quantas são as autarquias envolvidas ou de quais “os critérios que justificaram o convite a essas e não a outras”.
Os documentos cedidos pelos membros do Governo ao CE – a minuta do contrato e, como anexo, a “matriz de responsabilidades”, na qual são definidas as acções concretas que podem transitar para as autarquias – são o suficiente para criticar o processo, no parecer agora conhecido.
Contra uma administração "ineficiente"
Aquele órgão consultivo deixa claro que não lhe agrada quer a situação actual quer a própria administração educativa, que classifica como “volumosa e muitas vezes ineficiente”. “Tradicionalmente, a decisão sobre tudo o que é essencial para o funcionamento das escolas é tomada fora das mesmas, com base num aparelho burocrático de normativos e aplicações informáticas”, concretiza. Defende, como solução, o reforço da autonomia das escolas e não este processo, a que os sindicatos têm chamado municipalização da Educação.
Em concreto, no parecer o CE antevê que, com este projecto, será criada uma “rede de centros de decisão cuja heterogeneidade política, económica e de disponibilidade de recursos poderá levar à criação no país de uma multiplicidade de planos de estudo, de modelos de gestão das escolas, de modelos de afectação de recursos humanos, materiais e financeiros” – a tal “manta de retalhos de subsistemas educativos”.
Frisa, ainda, que sendo contrária à política que vinha a ser anunciada, estes contratos “esvaziam a pouca autonomia” das escolas, ao permitirem a transferência de competências não só do MEC para as câmaras, mas também das escolas para as autarquias . Para além disso, considera, vêm introduzir "novas estruturas” "no já complexo e centralizado" sistema educativo, passando os agrupamentos a ter de “responder a duas entidades distintas que nem sempre se articulam”.
No mesmo texto do parecer, em que nota que os projectos-piloto fazem parte de “uma medida de carácter experimental a que algumas escolas do país (e os alunos) não se poderão furtar”, o CE manifesta preocupação por não encontrar nos contratos qualquer norma que impeça as câmaras de subcontratarem a operadores privados serviços agora prestados pelas escolas “( "de administração escolar, papelaria escolar, bufete, refeitório, biblioteca, sala de estudo orientado, apoio educativo, coadjuvação e desporto escolar”, exemplifica). "Se tal acontecer”, avisa, aqueles “passarão, forçosa e naturalmente, a orientar-se mais para a obtenção de lucro em detrimento de mais-valias pedagógicas e educativas”.
MEC contesta acusações
O MEC contesta as críticas e contraria argumentos. Entre outras clarificações, refere a legislação em vigor para frisar que a delegação de competências acontece entre entidades públicas e não permite qualquer subdelegação a entidades privadas. Assegura, por outro lado, que as escolas não perderão autonomia e que as competências a transferir serão as acordadas a nível local, em cada caso, entre aquelas e os municípios.
Em resposta ao PÚBLICO, que pediu uma reacção ao parecer do CE, o gabinete de imprensa do MEC insiste que o projecto está a ser construído “de baixo para cima”. E concretiza que a matriz (um documento anexo ao contrato em que estão descritas competências a transferir e que foi distribuída às câmaras como guião e documento de trabalho) “será aquela que resultar do diálogo estabelecido” localmente com as escolas. Esse diálogo, acrescenta o MEC, ainda está a decorrer.
Sem divulgar quais (e quantos são) os municípios em que vão avançar os projectos-piloto, o ministério garante ainda que tem partilhado com os directores das escolas envolvidas “as várias versões” do contrato que tem vindo a negociar, de forma individual, com as câmaras. Indica, além disso, que estão previstas alterações legislativas com vista ao fortalecimento do papel do Conselho Municipal de Educação, como órgão de articulação entre as câmaras e as escolas, cujos directores passarão a ter direito a voto.
O MEC também não aceita a crítica à perda de competências pelas escolas. Se o CE afirma que as escolas com autonomia deixarão de ter competência exclusiva para gerir os 25% do currículo, o MEC contrapõe que isso só acontecerá por acordo com as câmaras; e em relação à perda da responsabilidade exclusiva sobre o próprio projecto educativo, o MEC rectifica que o que se promove é “uma coordenação estratégica entre documentos estruturantes ao nível local”.
O CE refere ainda que as escolas deixarão de ter competência exclusiva para estabelecer as próprias modalidades de organização, passando a ter de ouvir previamente o Conselho Municipal de Educação, ao que o MEC responde que se trata de “uma cláusula facultativa”. O ministério assegura, também, que não haverá alteração na gestão de receitas próprias.