Nem o Carnaval disfarça a crise do Governo de Dilma Rousseff
Impopular e isolada dentro do seu próprio partido, a Presidente está encurralada num círculo formado pela paralisação do executivo, pelos escândalos e pela situação económica à beira da recessão.
De acordo com os dados da última pesquisa Datafolha, 44% dos brasileiros avaliam o desempenho da Presidente como "mau" ou "muito mau" — em Dezembro passado, essa era a percentagem daqueles que consideravam a performance da recém-reeleita Dilma como "boa" ou "muito boa". Agora, só 23% avaliam positivamente a prestação da chefe do Governo: é o pior resultado de um Presidente brasileiro desde 1999.
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De acordo com os dados da última pesquisa Datafolha, 44% dos brasileiros avaliam o desempenho da Presidente como "mau" ou "muito mau" — em Dezembro passado, essa era a percentagem daqueles que consideravam a performance da recém-reeleita Dilma como "boa" ou "muito boa". Agora, só 23% avaliam positivamente a prestação da chefe do Governo: é o pior resultado de um Presidente brasileiro desde 1999.
Acossada pela divulgação a conta-gotas de escândalos na petrolífera estatal Petrobras, que como diariamente descobrem os brasileiros se converteu numa espécie de paradigma da corrupção; melindrada pelos duelos intestinos e derrotas do seu Partido dos Trabalhadores no processo de reorganização do Congresso Nacional para a nova legislatura; pressionada pelo (mau) desempenho da economia e pela enorme insatisfação popular com a má qualidade dos serviços públicos, a tolerância da população para com a Presidente é zero e a sua margem de manobra para corrigir políticas ou desfazer equívocos é nula.
"Isolada, atónita, encurralada, sem rumo e sem base parlamentar sólida nem apoio social, contestada até dentro do seu próprio partido, como estará se sentindo neste momento a cidadã Dilma Rousseff, que faz apenas três meses foi reeleita Presidente por mais quatro anos? Ou, o que seria ainda mais grave, será que ela ainda não se deu conta do tamanho da encrenca em que se meteu? ", questionava-se o jornalista e comentador político Ricardo Kotscho, um amigo pessoal do ex-Presidente Lula da Silva e confesso simpatizante do PT, num texto com o título "Governo Dilma 2 caminha para a auto-destruição".
PIB afunda
A "encrenca" tornou-se óbvia na última quinta-feira, quando saíram os últimos números do Banco Central sobre o estado da economia brasileira. Em 2014, o Produto Interno Bruto (PIB) do país contraiu 0,12%, e as perspectivas para o ano em curso não excluem a possibilidade de uma recessão. A taxa de inflação fechou em 7,14%, bem acima da meta oficial de 6,5%.
Perante a insistência dos especialistas, a Presidente – duramente criticada pela ortodoxia das suas políticas económicas no primeiro mandato – concordou avançar com "medidas correctivas" do desequilíbrio orçamental, um eufemismo que esconde a primeira dose de austeridade que será aplicada pelo ministro das Finanças, Joaquim Levy. O programa de ajuste fiscal inclui o corte da despesa pública e o aumento de impostos
Como assinalou Vinicius Torre Freire, analista da Folha de São Paulo, o choque entre as expectativas pós-eleitorais, o dilúvio de más notícias e a realidade dos indicadores económicos fez disparar o sentimento de insegurança entre os brasileiros, que há 20 anos não manifestavam tanto pessimismo. "Esse desânimo misturado a medo diz mais sobre os dias que virão do que sobre o estado actual da economia. A confiança em baixa vai ajudar a afundar o PIB ainda mais", vaticina.
Mas, indiscutivelmente, a maior pedra no sapato da Presidente é a crise da Petrobras. Dilma Rousseff foi presidente do Conselho de Administração da estatal entre 2006 e 2010, quando foram assinados contratos de aquisição ou construção de refinarias que se viriam a provar financeiramente ruinosos para a empresa. No mesmo período, vigorou e até floresceu o esquema de desvio de dinheiro baptizado como o "petrolão", que terá movimentado cerca de dez mil milhões de reais (três mil milhões de euros). As estimativas de duas consultoras atiram a perda de activos na Petrobras para os 88 mil milhões de reais (27 mil milhões de euros).
Rousseff conseguiu até agora manter intacta a sua reputação de integridade pessoal, embora a mesma sondagem da Datafolha indique que uma esmagadora maioria dos brasileiros (77%) acredite que a Presidente estava ciente do esquema de corrupção que beneficiava o PT e outros partidos da sua base aliada. A gestão política da crise pela Casa Civil da presidência tem sido um desastre, como prova a atabalhoada demissão e substituição de toda a equipa directiva da estatal, e a nomeação do banqueiro Aldemir Bendine como presidente. Em vez de pôr termo às críticas, a indicação do antigo presidente do Banco do Brasil veio lançar mais uma acha na fogueira, com os críticos a salientar que a escolha era reveladora do isolamento de Dilma e da sua incapacidade para mobilizar uma figura de primeira linha para restaurar a credibilidade da maior empresa brasileira.
Enquanto a Justiça tenta desfazer o novelo, a oposição no Congresso aumenta a pressão sobre a Presidente. No Congresso, onde o PT perdeu a iniciativa política, foi já aprovada a constituição de uma comissão parlamentar mista de inquérito ao petrolão – os trabalhos só vão acentuar o desgaste da chamada ala governista. Nos corredores de Brasília, começam outras movimentações, com vários legisladores mais "estouvados" a falar abertamente na hipótese de instauração de um processo para a destituição da Presidente.
Reaproximação a Lula
Nos últimos dias, Dilma deu sinais de que tenciona resistir e dar uma volta na sua taxa de impopularidade e desaprovação ("mudar essa situação é um imperativo", considerava o jornal El País na sua edição brasileira), tal como fez há dois anos, quando a sua aprovação caiu a pique no rescaldo dos protestos e mega-manifestações de rua de Junho de 2013. O temido "marqueteiro" João Santana voltou a ser convocado para o Planalto e a Presidente reaproximou-se do seu mentor político Lula da Silva: antes da mudança de políticas, é de esperar uma mudança ao nível da comunicação do Governo.
No entanto, o contexto de agora é tudo menos favorável para Dilma, e não só por causa das dificuldades económicas e políticas – não são só os erros próprios que estão a "torrar" a Presidente num Verão escaldante no Brasil. A seca que afecta o país, e que além de obrigar ao racionamento de água já provocou apagões eléctricos, contribui para azedar ainda mais os ânimos contra o Governo.
A crise da água não é, institucionalmente, responsabilidade do Planalto: são os estados que gerem os recursos hídricos, e os governadores dos locais mais afectados pela escassez ou falta de abastecimento, com São Paulo à cabeça, estão também a sofrer a ira popular. Mas quem paga a factura política pelos cortes de água e apagões, pela subida das tarifas e o aumento dos transportes, é o Governo: é dele que se esperam soluções quando tudo falha.
Como lamentava o director do instituto brasileiro do Woodrow Wilson International Center de Washington, Paulo Sotero, este ano nem o Carnaval servirá de válvula de escape "para a dura realidade de um Governo paralisado pela divisão, os escândalos e a situação económica à beira da recessão". Os brasileiros não deixarão de aproveitar o feriado para extravasar as suas queixas e frustrações – por estes dias, vão rir para não chorar.