E agora, como vamos vender o hambúrguer-proveta?

Mark Post, o “pai” do hambúrguer in vitro, esteve em Lisboa no encontro Tought for Food, e, com humor, discutiu com estudantes universitários vindos de todo o mundo as melhores formas de pôr à venda aquilo a que alguns chamaram “yuck”. Dentro de seis, sete anos, a carne artificial estará nos supermercados, disse ao PÚBLICO.

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No final, o PÚBLICO conversou com Mark Post, professor na Universidade de Maastricht, na Holanda, e perguntou-se se tinha ficado surpreendido com o número de pessoas dispostas a arriscar. “Sim, de certa forma fiquei. Mas este era um grupo jovem e com espírito de aventura. De qualquer forma, foi um número maior do que habitualmente acontece.”

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No final, o PÚBLICO conversou com Mark Post, professor na Universidade de Maastricht, na Holanda, e perguntou-se se tinha ficado surpreendido com o número de pessoas dispostas a arriscar. “Sim, de certa forma fiquei. Mas este era um grupo jovem e com espírito de aventura. De qualquer forma, foi um número maior do que habitualmente acontece.”

O “workshop” de Mark Post chamava-se “Como vender ‘yuck’?” – uma brincadeira com a expressão usada por alguns jornalistas (que, sublinhou, nunca provaram o hambúrguer) para descrever esta carne, apresentada pela primeira vez publicamente em Londres em Agosto de 2013. Nessa apresentação confirmou-se que o hambúrguer parece carne e sabe a carne – Post mostra uma imagem das pessoas que o provaram e diz, sorrindo, que “ainda estão vivas”. Mesmo assim, muita gente continua a responder à pergunta de Post dizendo que não está disposta a experimentar porque “não é natural”.

“A verdade é que depois do lançamento em Londres, as reacções críticas ou negativas foram reduzidas”, diz o cientista holandês. “A recepção foi tão boa quanto poderíamos esperar.” Nos quase dois anos que decorreram entretanto, a abertura à ideia tem vindo gradualmente a aumentar. Mas não chegou ainda o momento de colocar esta carne à venda, e Post tem andado a pensar sobre a melhor forma de o fazer. Por isso, aproveitou o “workshop” de Lisboa para discutir mais uma vez o seu problema com jovens universitários que se apresentam como “inovadores” e que querem trabalhar em projectos que ajudem a alimentar o mundo em 2050, quando a população atingir os nove mil milhões.

Uma das duas pessoas que dizem que não estão dispostas a experimentar argumenta que “é desconhecido” e pode “não ser seguro”. “Humm, isso é interessante”, comenta Post, enquanto vai escrevendo os argumentos num quadro. “Diz que não é natural. O hambúrguer que compra no supermercado é natural?” “Não sei”, responde a mulher, “é o que sinto neste momento”. O cientista abana a cabeça, como quem diz que compreende. “Expressa-o como um sentimento, uma emoção. ‘Yuck’ é também isso. E claro que todos têm direito às suas emoções.”

Relembra que o que está por detrás deste esforço de criar carne de forma artificial é a constatação de que a forma como se produz carne hoje em dia no mundo não é sustentável – e sê-lo-á ainda menos quando, como se prevê, o consumo aumentar muito em países como a China. “São precisos 50 mil litros de água para produzir um quilo de carne”, afirma. Quando entrou no laboratório decidido a fazer um bife a partir de células estaminais extraídas do músculo de vacas, Mark Post não estava à procura de uma alternativa à carne. “Eu gosto de carne, e quero continuar a comer carne. É por isso que faço isto.”

Na conversa com o PÚBLICO diz não ter dúvidas de que o hambúrguer feito no laboratório vai ser uma realidade dentro de alguns anos. “Não sou um vidente mas sou um optimista, e não tenho dúvidas de que acabará por acontecer, talvez daqui a seis, sete anos.”

No início será um produto de luxo? (quando foi apresentado calculou-se que os seus 140 gramas custavam cerca de 250 mil euros). “Provavelmente sim, mas nos dois, três anos seguintes o preço começará a baixar muito rapidamente.” E não receia que, depois de um primeiro momento em que toda a gente vai querer provar por curiosidade, o interesse desapareça e todos voltem a consumir carne normal? “Claro que muito depende das primeiras experiências, mas se for muito saboroso e valer a pena…”

No laboratório, Mark Post e a sua equipa estão a trabalhar para isso. “Temos mais flexibilidade [do que na carne normal] porque controlamos algumas variáveis com as quais podemos jogar para melhorar o sabor ou o valor nutricional. Podemos aumentar ou reduzir a quantidade de gordura, acrescentar fibras.” Ainda não decidiu se vai por esse caminho, enriquecendo o hambúrguer com ómega 3 ou outros componentes. “Algumas pessoas aconselham-me a valorizar os benefícios em termos de saúde como estratégia de marketing, mas é mais complicado a nível de regulamentação e pode ter um efeito contrário. Provavelmente, o melhor será esperar que haja uma aceitação primeiro, e depois jogar o trunfo da saúde.”

Da sua audiência em Lisboa, Post recebeu as mais variadas ideias e sugestões. Ainda no campo dos receios e dúvidas, uma rapariga falou da questão do bem-estar animal, já que as vacas têm de ser picadas para lhes serem extraídas as células. Mark Post fez um ar incrédulo e divertido. “Está a perguntar-se se isto é seguro para o animal? Por oposição a mandá-lo para o matadouro? Não tinha pensado nisso. Imaginei que as vacas ficariam contentes por não serem mortas.” Um rapaz diz que acha que “as pessoas só vão comprar isto por necessidade e não por escolha”. Mark Post responde, sempre divertido: “Está a sugerir que eu espere por uma catástrofe?”

Há quem sugira que se separe a imagem da carne da do laboratório ou que se crie um “laboratório verde”, outros defendem que se coloque o produto no mercado “como algo que sabe ainda melhor do que carne”, uma rapariga propõe que se comece em locais ricos, como “Singapura, o Dubai ou Silicon Valley”, e se tente fazer dele um objecto de desejo.

“E que aspecto acham que deve ter?”, pergunta Post. “Deve parecer carne, ou devemos dar-lhe outra cor, e moldá-lo em forma de diamante?” A conversa tem tom de brincadeira, mas a equipa por detrás do hambúrguer “in vitro” tem discutido realmente todas as hipóteses. “Até pensámos como lhe deveríamos chamar. No final, decidimos chamar-lhe mesmo carne”, diz o cientista. Ao PÚBLICO explica a sua opção: “Talvez seja necessário torná-lo mais romântico, mas eu sou muito racional e mais a favor da transparência e de dizer às pessoas: isto é o que estamos a fazer, achamos que é a forma certa de o fazer e podemos explicar porquê.”

E neste momento estão a trabalhar em quê? “Estamos a melhorar o hambúrguer, a acrescentar-lhe tecido gordo.” Mas a hipótese de um bife alto e suculento ainda é longínqua. “É tecnicamente muito mais complexo, espero que possamos tê-lo dentro de cinco anos, mas podem ser sete, é difícil dizer. O porco será relativamente fácil porque já o trabalhámos. Outros estão a trabalhar com galinha, por isso será também rápido. Mas será porco e galinha em versões processadas, salsichas, esse tipo de coisas. Um peito de frango ou um bife de porco demorará mais tempo.”

E acredita que isto vai ser uma revolução? Faz uma pausa, procurando as palavras certas. “Há a possibilidade de isto revolucionar completamente pelo menos a forma como produzimos carne. Terá muitas consequências, para a terra, para os animais, para os agricultores, para os consumidores. Mas isso é bom, não é?”

O Thought for Food, que trouxe a Lisboa Mark Post e vários outros oradores ligados à inovação na área da alimentação e agricultura, é uma iniciativa de duas norte-americanas, Christine Gould e Nadia Laurinci, que, associadas à empresa portuguesa Startup Pirates, e com patrocínio, entre outros da Syngenta e apoio da Câmara Municipal de Lisboa, desafiaram jovens de universidades de todo o mundo a desenvolverem os seus projectos.

Os dez finalistas apresentaram os resultados durante dois dias, 13 e 14, em Lisboa, e no final foi anunciado o vencedor, que recebeu um prémio de 10 mil dólares: foi o projecto InnoVision, uma forma de aumentar o tempo de preservação de frutas e vegetais, apresentado por quatro estudantes da Universidade de Daca, no Bangladesh.