Foi você que pediu uma personal trainer do sexo?

Há uma nova profissão em crescimento. As personal trainers sexuais ensinam, ajudam e acompanham uma pessoa na sua vida erótica e amorosa.

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Ana senta-se, abraçada às costas da cadeira, e começa a respirar. Tem 36 anos, cabelo louro, botas altas e um vestido vermelho, curto. Inspira com um ruído de sucção, expira com um som de prazer. Após três ciclos respiratórios, entra numa espécie de transe e, quando ouve o som da minha própria respiração, desata a chorar.

Isto é o consultório de Cristina Mira Santos (casadevaluna.blogspot.pt), 42 anos, psicóloga, terapeuta, personal trainer do sexo. Ana vem regularmente, há quase um ano, a esta sala da Alma Cheia, um centro terapêutico alternativo na Rua dos Douradores, na Baixa de Lisboa. Começou com sessões de conversas, num formato em tudo semelhante a uma consulta de Psicologia, e foi avançando para outros, menos convencionais, modos de tratamento, segundo as indicações de Cristina, embora sempre com a sua própria anuência.

As primeiras fases foram úteis para identificar os problemas e criar uma predisposição à cura, mas é no momento de agir, quando é preciso alterar atitudes, provocar uma transformação pessoal, que as ferramentas da psicoterapia clássica revelam os seus limites.

É por pensar isto que Cristina decidiu há muito completar a sua formação no Instituto Superior de Psicologia Aplicada (ISPA) com cursos de massagens, ioga, nutricionismo e exercício físico, filosofias orientais e terapias alternativas. Principalmente a formação em Sexualidade Sagrada ministrada por Amala Shakti Devi, uma portuguesa habitante de Marvão chamada Amélia Oliveira, autodesignada “sacerdotisa consagrada ao amor erótico”, “terapêuta holística” e “maga do coração”.

Cristina saiu deste curso de “maga curandeira” com o título de Sacerdotisa do Amor Erótico, ou Erotisa, e o nome de Eva Luna, sob o qual exerce hoje a sua actividade de terapeuta. Como psicóloga clínica, continua a ser Cristina Mira Santos, num esforço de não comprometer o nome profissional com práticas menos compreendidas pela comunidade científica.

Na realidade, porém, as duas terapeutas são a mesma, e é nisso que reside a sua originalidade e competência específica. Combinando os conhecimentos da psicologia científica com as tradições da meditação oriental e da sexualidade sagrada, saberes dos índios americanos e de gurus como Osho (o indiano Rajneesh Chandra Jain, autor do conceito de “despertar da consciência”), Cristina construiu o que talvez seja um sistema próprio e único de cura, ou talvez de cura de males que a psicologia convencional e a medicina têm dificuldade em diagnosticar.

Ana chegou aqui a conselho de uma amiga. Durante anos, não admitiu que tinha problemas. Os relacionamentos eram difíceis, isolava-se, não conseguia construir uma relação amorosa estável, e nos casos de curta duração o sexo era pouco compensador, não se entregava, não conseguia ter orgasmos.

Compensou isto com a vida profissional. Dedicou-se intensamente e obteve êxito muito cedo, fundando uma empresa bem-sucedida. Constituiu um grupo de amigos, mas nunca muito próximos, não tinha nada que se parecesse com uma família. Normalmente não sentia falta disso, mas há certos momentos rituais em que a sociedade nos interpela e julga, como o Natal, a passagem de ano ou a Páscoa. Era doloroso estar sozinha nesses dias, sentia-se encurralada e confusa, chorava, mas não contava a ninguém, talvez nem soubesse o que contar.

Houve problemas na infância e adolescência, Ana não os esquecera, mas acreditou que estavam ultrapassados. Avançara com a sua vida, tinha independência económica, carro e apartamento, boas roupas. De que se poderia queixar? Não se queixou, até aos 30 anos. Nessa altura começaram as crises.

“Dei por mim sozinha na passagem de ano a perguntar a mim própria: ‘Qual é o teu problema? Porque não podes ser feliz como os outros à tua volta? Porque não consegues apaixonar-te? Porque é a tua vida um caos?’ Nessa altura, não aguentei mais. Entreguei os pontos.”

Quando procurou a psicóloga que a amiga recomendara, as queixas que apresentou confinavam-se porém ao universo profissional. Ana queria mudar de vida, deixar a empresa, dedicar-se a outra actividade, mas faltava-lhe coragem e motivação. Foi isto que disse.

A sociedade oferece às mulheres a oportunidade de emancipação, mas não um papel em conformidade, na estrutura familiar. “Somos encorajadas a ter uma carreira profissional, mas à custa da família. Se queremos realização, temos de estar sozinhas. A verdade é que isso não chega e que os amigos não substituem uma família.”

Aparentemente opõem-se, o plano social e o íntimo, mas são as duas faces da mesma moeda. Pertencer a um grupo social discriminado será sempre um factor de risco de patologia e isolamento.

Nas primeiras consultas, as conversas com Cristina trouxeram à superfície toda uma história de traumas e feridas. “Fui uma filha não desejada”, conta Ana. “A minha mãe não gostava de mim. Proibiu-me de ter namorados. Aos 16 anos, disse-me: “Nenhum homem te vai amar. Eles só te vão querer para despejar os tomates.’ Desde os meus sete ou oito anos, fui violada pelo meu avô. Só na adolescência percebi que as outras meninas não faziam aquilo.”

Cristina recolhe conhecimentos e técnicas da tradição mística e religiosa para lidar com este tipo de problemas das suas clientes. A sexualidade sagrada, a religião da deusa-mãe fornecem material teórico e terminológico para colocar as mulheres numa posição de poder.

Há um manancial de contributos, desde a filosofia do Mindfulness, inspirada no budismo, e que advoga a concentração nas sensações e consciência do momento presente, até às correntes do sex positive, que promove uma sexualidade sem limites, para a visão globalizadora da sexualidade. Cristina construiu um método ecléctico, a que chama “psicoterapia da consciência”, que consiste em “trabalhar a consciência corporal, ligar o corpo à mente, depois ao espírito”. Baseia-se na ideia de que “o corpo grava momentos, de stress, de felicidade, e há certas zonas do corpo em que se fixam esses registos, essas memórias”.

Há também contributos da acupunctura, da digiopunctura, da massagem tântrica, da reflexologia, para criar um todo coerente, ou pelo menos convincente, para quem esteja a isso receptivo.

Atribuir ao sexo natureza divina pode ser a única forma de afastar os sentimentos de culpa que lhe estão associados nas mentes de muitas pessoas. E o contacto físico com o cliente pode ser a única maneira de o libertar da racionalização a que submete as práticas sexuais, remetendo-o para uma lógica, uma sabedoria, do próprio corpo.

As massagens, os abraços, as carícias fazem por isso parte dos tratamentos, bem como certas práticas difíceis de aceitar pela comunidade dos psicólogos e dos médicos, tais como a yoni healing, ou a lingam healing massagem vaginal ou peniana (yoni e lingam são os termos para vagina e pénis em sânscrito).

Segundo a reflexologia genital, determinadas zonas na vagina e no pénis correspondem a determinados órgãos do corpo, pelo que o toque nuns pode afectar o funcionamento dos outros. Além disso, os genitais, principalmente a vagina, têm a propriedade de guardar a memória de acontecimentos, de tal forma que a massagem em certas zonas da vulva pode fazer reviver momentos traumáticos, compreendê-los e ajudar a pessoa a ultrapassá-los, pela aceitação e eliminação gradual da dor nesses pontos de registo.

Este é um dos tratamentos a que Cristina submete as suas clientes, sempre com o seu consentimento e a sua colaboração. Foi o caso de Ana. “Eu compreendi que isto é uma coisa séria”, explica ela. “É uma actividade bonita, que me levou a conhecer-me a mim própria, a ligar-me ao meu próprio corpo. O sexo é uma coisa sagrada.”

Os tratamentos de Cristina levam frequentemente a uma libertação de emoções, a choro e riso, gritos de dor ou gemidos de prazer. Muitas vezes, as clientes descobrem novos pontos sensitivos no seu corpo e chegam a atingir o orgasmo. Cristina leva-as a isso, ensina-as. “É possível sentir um orgasmo de três horas”, diz ela.

E tem consciência de que isto levanta várias questões. Uma delas é a da ética de um psicólogo, cujo protocolo não permite, por exemplo, tocar no corpo dos clientes, muito menos para lhes proporcionar prazer sexual. Outra questão é a eventual coincidência destas práticas com as da prostituição. Se alguém paga para ser estimulado sexualmente até ao orgasmo, o que distingue isto dos serviços de uma prostituta?

Cristina não se ofende com a sugestão. “Em muitas sociedades, havia as prostitutas sagradas. Eu não tenho problemas em assumir essa designação.” De qualquer forma, explica, há uma diferença: aqui, o objectivo não é procurar a satisfação sexual, em si mesma, mas antes aprender a conhecer o seu corpo, e até certas técnicas que poderão ser usadas para obter prazer sexual. O propósito é sempre educar, ajudar, guiar, curar.

De certa forma, trata-se de uma nova profissão. Um terapeuta que ajuda a pessoa na sua vida sexual e amorosa. E na vida em geral, se considerarmos que ela é condicionada pelo sexo e o amor.

Cristina aceita a designação de personal trainer sexual ou de personal coach sexual. Alguém, que pode ter formação em Psicologia, como é o seu caso, ou noutra área, que ajuda uma pessoa a tratar os seus problemas do foro sexual ou apenas a melhorar a sua vida sexual e relacional, através de ensinamentos, demonstrações, aconselhamento em termos de posições, técnicas, brinquedos ou concepções alternativas do erotismo. Mas sempre em função do caso particular, das características, da história, dos objectivos, expectativas e possibilidades de cada um. Tal como um treinador pessoal, ou coach, no desporto.

É uma profissão que se tornou comum nos EUA e vários países europeus desde há pelo menos uma década, com os seus teóricos, os seus debates, as suas correntes.

Em Portugal, Cristina Mira Santos, psicóloga, a frequentar uma pós-graduação em sexologia promovida pela Sociedade Portuguesa de Sexologia, representa a linha das filosofias orientais e da sexologia sagrada. Mas há outras tendências.

Carmo G. Pereira (carmogepereira.com) está mais próxima da linha do feminismo e dos estudos de género. Tem 32 anos, formação em Comunicação, um mestrado incompleto em Women Studies, frequenta também a pós-graduação em Sexologia e define-se como uma educadora sexual para adultos, consultora sexual e erótica, mas também não rejeita a classificação de personal trainer do sexo.

“Não trabalho com patologias”, explica, uma vez que não tem formação clínica. Mas trabalha frequentemente em colaboração com psicólogos, psiquiatras e ginecologistas. Estes profissionais reencaminham para ela alguns dos seus doentes, quando entendem que isso lhes pode ser benéfico. O mesmo se passa com Cristina Mira Santos.

“Os médicos e psicólogos têm cada vez mais consciência da necessidade de incorporar as terapias alternativas”, diz Carmo. “No meu caso, trabalho com o constructo social e uso os conceitos do feminismo.” É a sua forma de devolver às mulheres o controlo sobre a sua própria sexualidade. Leva-as a compreender porque sentem vergonha em relação a certas práticas, a história dos comportamentos, as relações de poder subjacentes aos procedimentos sexuais.

Além de consultas pessoais (quase sempre a mulheres, por vezes a casais, tal como sucede com Cristina, uma vez que há menor procura por parte dos homens), Carmo promove workshops de masturbação e de automassagem guiada, aulas de pompoarismo (treino dos músculos vaginais) e sessões de demonstração de vibradores e outros brinquedos sexuais, matéria em que é reconhecida especialista.

Nos tratamentos pessoais, inclui as consultas, a massagem tântrica, o yoni healing. Ensina as mulheres a conhecerem o seu próprio corpo, a masturbarem-se, a procurarem outras formas de prazer para além do orgasmo.

Considera que a educação sexual dos jovens é deficiente, ou inexistente, eivada de preconceitos e noções erradas. Isso traduz-se numa vida sexual pobre na vida adulta. “A educação sexual é feita com base na pornografia, o que, além de falsear a realidade, leva a frustrações, porque as pessoas comparam-se com o que vêem lá. As mulheres comparam as suas vaginas, os homens a sua performance.”

A masturbação, por exemplo, ainda é reprimida no caso das mulheres. “Surgem-me mulheres de 30, 40, 50 anos que não sabem masturbar-se, têm vergonha de o fazer. Uma não sabia localizar o seu próprio clitoris.”

Carmo ensina as mulheres a masturbarem-se, ou ensina os parceiros a tocarem-nas, e para isso faz demonstrações práticas: toca nas clientes, embora usando luvas de látex para o contacto genital. Para ela, a diferença entre isto e prostituição é que, no seu caso, “se trata de um toque terapêutico, não sexual”.

Ainda que os clientes não apresentem qualquer patologia. Trata-se de melhorar o sexo. Não a performance, como pensam muitos dos que a procuram, mas o próprio âmbito e carácter do acto sexual, porque, ao contrário do que se pode objectar, “no sexo, não se nasce ensinado”. É preciso aprender, ainda que seja uma função natural humana, a menos que se assuma apenas a função reprodutiva do sexo.

Carmo faz uma comparação: “Se tivermos um piano em casa desde a infância, decerto vamos experimentar tocá-lo, e aprender qualquer coisa. Mas o resultado será bem diferente se aprendermos sozinhos ou se tivermos um bom professor.”

Juliana está de pé, apenas enrolada numa toalha, de frente para Carmo, no gabinete de tratamentos da Ilha dos Amores, uma loja de “produtos românticos” na Rua de S. Bento, em Lisboa. É o início de uma massagem tântrica com yoni healing.

O problema de Juliana, 34 anos, fotógrafa, heterossexual, mãe de ter filhos, é “ser demasiado proactiva” no que respeita ao sexo, dissera Carmo. Só dá, não tem capacidade de receber. “Como sou muito difícil de excitar e levar ao orgasmo, prefiro nem sequer tentar, e concentrar-me no prazer do parceiro”, explicara Juliana.

O tratamento de hoje é o primeiro de uma série que pretende reverter isto. Juliana tem de aprender a receber. E os motivos profundos da sua incapacidade podem não ser apenas os que expressou.

Carmo explicou previamente o que vai passar-se. Antes de se deitar na marquesa, completamente despida, terá de fazer exercícios respiratórios fixando a terapeuta nos olhos. Se não conseguir, pode fechá-los.

Juliana não os aguenta abertos mais do que uns segundos. Respira ritmadamente, de mão dada com Carmo, que seleccionou uma música muito suave e acendeu algumas velas.

A situação totalmente imposta cobriu Juliana de vulnerabilidade, deixando-lhe no rosto uma expressão incrivelmente triste. Abre e fecha os olhos, lutando com a sua própria angústia. Carmo beija-lhe a mão, deita-a na marquesa, nua, de barriga para cima, segura-lhe os pés. Acaricia-lhe as pernas, as coxas, num toque muito leve. A massagem prossegue, num toque tangencial por todo o corpo, que vai mudando de posição, trémulo e branco, exposto. Carmo cola a palma da sua mão à planta do pé de Juliana e fica assim muito tempo. Depois aproxima o rosto para lhe soprar nas nádegas e costas, enquanto com um dedo lhe toca a vulva.

Carmo fecha os olhos, está quase em êxtase, ao contrário de Juliana, cujo corpo não evidencia a mínima reacção, mesmo durante a longa massagem da vulva, os lábios vaginais, o clitoris, com óleo de grainha de uva e pequenos vibradores nos dedos da massagista.

“A palma da mão aberta é símbolo de ligação, de cuidado”, explica Carmo quando Juliana já se sentou na marquesa. “A nossa sociedade ensina a mulher a ser cuidadora. Ela tem de aprender a receber cuidado. Mas é muito difícil.” Com Juliana, serão precisas, pelo menos, mais seis sessões de uma hora e meia, como esta.

Não se libertou o suficiente para sentir prazer. Não era esse o objectivo, nem podia ser: existência de expectativas é inibidora. “Aqui não há expectativas”, diz Juliana. “É sensual, mas não sexual”, acrescenta, com um ênfase positivo no primeiro termo, negativo no segundo. Como se à palavra “sexualidade” viesse agarrado todo o guião da sociedade machista e a sensualidade estivesse liberta, disponível para todos, principalmente as mulheres.

Para elas, a ausência de expectativas é o que permitirá avançar, mesmo que não saibam para onde. Os guiões da sexualidade estão definidos por, e para, homens. A sexualidade deles pertence-lhes e a das mulheres também. Pelo menos a que está caucionada e regulada. A outra, o verdadeiro poder sexual das mulheres, talvez se encontre no processo de descoberta para o qual as novas personal trainers do sexo são chamadas a intervir.

Maria tem 62 anos e não foi para melhorar a sua vida sexual que procurou Carmo G. Pereira. Veio para uma consulta de pompoarismo com o objectivo de, explica, evitar vir a ter os problemas de incontinência urinária de que a sua mãe sofre hoje.

“Vamos fazer a primeira contracção, a segunda, a terceira”, vai indicando Carmo, que colocou uma mão na barriga de Maria. “A contracção do terceiro anel é que mexe com a barriga.”

Maria explica que teve um segundo parto complicado, que lhe deixou sequelas na musculatura vaginal. Carmo fornece-lhe vários instrumentos para usar em casa: umas bolas para introduzir e treinar os movimentos de contracção e sucção, um vibrador com pesos diferentes para segurar na vagina, em exercícios dez vezes por dia.

No final da consulta, a terapeuta refere à cliente a possibilidade de alguns efeitos secundários. “Como vai haver uma maior atenção quotidiana a esta parte do corpo, e alguma estimulação, é provável que haja um aumento da libido. Sente-se preparada para isso?”

“Não há problema”, responde Maria.

“Tem de integrar isso na sua vida.”

Maria teve vários dissabores com médicos, desde a infância. Por isso tende a preferir terapias alternativas. “Sinto-me mal com antibióticos”, diz ela. “Consulto um especialista de medicina tradicional chinesa, tenho um osteopata, que também é o meu professor de ioga.” E agora tem também uma personal trainer sexual.

“Todas estas pessoas contribuem para o meu bem-estar. Quando vamos ao hospital, somos vistos por um médico, que nos manda para outro, e depois para um fisioterapeuta. Nenhum deles quer saber de nós, nem tem tempo para nos ouvir. Na medicina natural, não somos tratados como um número, mas como uma pessoa. Os tratamentos são personalizados, adaptados ao nosso caso. Como no ioga, em que os exercícios são adaptados às características de cada um.”

Ana está a respirar ruidosamente, tal como Cristina lhe pediu. Som de sucção ao inspirar, de prazer ao expirar. Este custa-lhe mais porque, explicará a seguir, é expressão de prazer e isso provoca-lhe sentimentos de culpa. Da primeira vez que tentou, teve um ataque de pânico. Depois, foi-se rendendo. “Rendição” é a palavra-chave neste tratamento, explicará Cristina.

A terapeuta pediu-lhe para visualizar o interior do seu útero e descrevê-lo. “Uma tristeza, tudo escuro e fechado, muita mágoa”, disse Ana.

“Estava tudo tão negro. Eu queria sair do meu corpo, de tanta dor que tinha. Depois foi como se tivesse parido o meu útero e o tivesse atirado para uma fogueira. Não queria ter aquela coisa negra cá dentro.”

Ana procurou Cristina porque estava desesperada. “Eu tinha chegado ao fim da linha. Só por isso vim aqui. Agora só lamento não ter vindo há mais tempo. Durante toda a minha vida, depois do que me aconteceu na infância, sinto que não segui em frente, apenas somei anos.”

Na aldeia onde vivia, ouvira a crença segundo a qual uma rapariga que não tivesse relações sexuais durante sete anos recuperaria a virgindade. Por isso, desde que o avô cessou o abuso, esperou sete anos até ter o primeiro namorado, na esperança de que o hímen estivesse miraculosamente reposto, e o rapaz não a rejeitasse. Mas foi ela que não conseguiu aceitá-lo a ele.

Agora, mal começa a respiração extática, o exercício que a transporta para um estado alterado de consciência, desata a chorar escondendo o rosto com as mãos. “Não consigo olhar para ele, ele é um homem.”

Recompõe-se aos poucos, mas quando Cristina me pede para respirar também de forma sonora, o choro volta. “Ele quer fazer-me mal”, grita. “Não consigo. Está tudo bem, se ele estiver em silêncio. Mas não consigo ouvi-lo.”

Fiquei sem saber o que pensar da situação, da credibilidade das personal trainers do sexo e das pessoas que as procuram, mas a verdade é que o som da minha respiração me pareceu, até a mim, um pouco assustador.

Após muito choro e convulsões, Ana adormeceu profundamente, esgotada. Minutos depois acordou, levantou-se e deu-me um abraço.