Um canto de esperança

Um novo olhar sobre uma das obras mais corajosas e desesperadas de Lopes-Graça.

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O Quarteto Lopes-Graça lançou-se na primeira edição integral da obra de Fernando Lopes-Graça para quarteto de cordas e piano. O primeiro volume desta “integral”, com a colaboração de Olga Prats no piano – a edição é inglesa, da Toccata Classics –, pode ser considerado um marco na interpretação da obra de um dos maiores compositores portugueses do século XX. Começa bem este primeiro disco com uma leitura excepcional de Canto de amor e de morte (versão de câmara para “quarteto de arcos e piano”), uma obra extraordinária desde o seu início Triste, sempre tranquilo, como indica o compositor na partitura. Triste (in)tranquilidade de uma composição de 1961 que é uma apaixonante peça para cordas e piano, no meio da tormenta. O Quarteto Lopes-Graça – que na altura da gravação ainda contava com a violinista Anne Victorino d’Almeida que entretanto abandonou a formação – tem centrado a sua acção na divulgação da nova música portuguesa do século XX e XXI, e tem-no feito com boas escolhas e com uma grande qualidade interpretativa. Em Canto de amor e de morte renova a nossa audição desta obra fulcral do século XX português, com as cordas a aperfeiçoar a histórica interpretação de 1962, gravada na época com o próprio Graça ao piano. Uma composição de uma “desesperada esperança”, num período complicado da vida do compositor, afectiva e politicamente. Se foi dos poucos compositores portugueses (nalguns casos o único) a não pactuar com o regime de Salazar, pagou essa atitude corajosa em vida com sucessivos entraves à divulgação da sua obra e à possibilidade de ensinar música livremente. Mas nunca desistiu de compor e esta obra, escrita num período difícil (morte de familiares, problemas financeiros, perseguição política e rupturas com muitos dos seus companheiros de luta depois das famosas “polémicas da Vértice”), é prova não só de uma persistência cívica, mas do que poderíamos chamar uma “coragem musical” – compor de novo com total liberdade, explorando novos caminhos musicais e expressivos, não desistindo de um outro combate, aquele que um compositor tem permanentemente com os materiais e com a partitura, com as suas próprias ideias e com o que com elas pode viajar. O resultado foi, há 54 anos atrás, este “canto” de lamento e de profunda paixão pela música, uma das mais importantes obras do século XX português. O disco inclui ainda um excelente e interpretativamente muito cuidado Quarteto n.º 1 (de 1964), em que é impossível não pensar em Bartók, mas que é muito mais do que sinal dessa constante inspiração, e uma boa interpretação da Suite Rústica n.º 2 em que cantos e danças tradicionais portuguesas são um ponto de partida para uma construção complexa, uma busca de uma sensibilidade nova que, para Lopes-Graça, era inseparável da ideia de tornar mais livres os seres humanos.

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O Quarteto Lopes-Graça lançou-se na primeira edição integral da obra de Fernando Lopes-Graça para quarteto de cordas e piano. O primeiro volume desta “integral”, com a colaboração de Olga Prats no piano – a edição é inglesa, da Toccata Classics –, pode ser considerado um marco na interpretação da obra de um dos maiores compositores portugueses do século XX. Começa bem este primeiro disco com uma leitura excepcional de Canto de amor e de morte (versão de câmara para “quarteto de arcos e piano”), uma obra extraordinária desde o seu início Triste, sempre tranquilo, como indica o compositor na partitura. Triste (in)tranquilidade de uma composição de 1961 que é uma apaixonante peça para cordas e piano, no meio da tormenta. O Quarteto Lopes-Graça – que na altura da gravação ainda contava com a violinista Anne Victorino d’Almeida que entretanto abandonou a formação – tem centrado a sua acção na divulgação da nova música portuguesa do século XX e XXI, e tem-no feito com boas escolhas e com uma grande qualidade interpretativa. Em Canto de amor e de morte renova a nossa audição desta obra fulcral do século XX português, com as cordas a aperfeiçoar a histórica interpretação de 1962, gravada na época com o próprio Graça ao piano. Uma composição de uma “desesperada esperança”, num período complicado da vida do compositor, afectiva e politicamente. Se foi dos poucos compositores portugueses (nalguns casos o único) a não pactuar com o regime de Salazar, pagou essa atitude corajosa em vida com sucessivos entraves à divulgação da sua obra e à possibilidade de ensinar música livremente. Mas nunca desistiu de compor e esta obra, escrita num período difícil (morte de familiares, problemas financeiros, perseguição política e rupturas com muitos dos seus companheiros de luta depois das famosas “polémicas da Vértice”), é prova não só de uma persistência cívica, mas do que poderíamos chamar uma “coragem musical” – compor de novo com total liberdade, explorando novos caminhos musicais e expressivos, não desistindo de um outro combate, aquele que um compositor tem permanentemente com os materiais e com a partitura, com as suas próprias ideias e com o que com elas pode viajar. O resultado foi, há 54 anos atrás, este “canto” de lamento e de profunda paixão pela música, uma das mais importantes obras do século XX português. O disco inclui ainda um excelente e interpretativamente muito cuidado Quarteto n.º 1 (de 1964), em que é impossível não pensar em Bartók, mas que é muito mais do que sinal dessa constante inspiração, e uma boa interpretação da Suite Rústica n.º 2 em que cantos e danças tradicionais portuguesas são um ponto de partida para uma construção complexa, uma busca de uma sensibilidade nova que, para Lopes-Graça, era inseparável da ideia de tornar mais livres os seres humanos.