Efeitos visuais de Interstellar dão pistas sobre física dos buracos negros
A criação, para o filme, de imagens virtuais de um buraco negro supermaciço, permitiu visualizar pela primeira vez um destes “monstros cósmicos” ao perto.
Onde está a ciência? Primeiro nas simulações, baseadas nas equações da Teoria da Relatividade Geral de Einstein; e segundo, no facto dessas simulações darem novas pistas sobre a física dos buracos negros.
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Onde está a ciência? Primeiro nas simulações, baseadas nas equações da Teoria da Relatividade Geral de Einstein; e segundo, no facto dessas simulações darem novas pistas sobre a física dos buracos negros.
No artigo, a empresa britânica de efeitos visuais Double Negative e o físico teórico Kip Thorne, do Instituto de Tecnologia da Califórnia (Caltech, EUA) – que foi conselheiro científico de Nolan –, descrevem o software que desenvolveram para gerar as já icónicas imagens do monstruoso buraco negro Gargântua, uma espécie de pino cósmico que roda sobre si próprio a toda a velocidade e, que de tão maciço e compacto que é, tudo atrai e distorce – o tempo, o espaço, a matéria, a luz.
Recorde-se que, no filme, viajar até ao Gargântua pode representar a última oportunidade de sobrevivência para a espécie humana, que tem de abandonar à pressa um planeta Terra moribundo e encontrar uma nova “casa”, algures no Universo.
“Interstellar é o primeiro filme de Hollywood a tentar visualizar um buraco negro como poderia ser visto por alguém que se encontrasse ao pé dele”, escrevem estes autores. E de facto, um dos principais objectivos do artigo agora publicado é explicar como obtiveram as imagens – o que exigiu alguma “maquilhagem” (como tudo em Hollywood) para ficarem mais belas.
Porém, um outro objectivo assumido é “descrever novas pistas obtidas [com o software] (…) quando a câmara se encontra perto de um buraco negro em rotação, ao contrário do que acontece na maioria dos estudos”.
Thorne, o físico, queria fazer um filme cientificamente realista – e Nolan, o cineasta, um filme deslumbrante para ecrãs de cinema gigantes. Ora, quando começaram a simular, com base nas equações de Einstein, o aspecto que o Gargântua deveria ter para os viajantes espaciais, surgiram vários problemas.
Em particular, as imagens eram confusas e a luz vinda das estrelas e nebulosas com que os autores tinham povoado o cosmos na região do buraco negro cintilavam muito nas imagens em movimento, explica em comunicado o Instituto de Física (a associação britânica que edita a Classical and Quantum Gravity). A equipa teve portanto de alterar o software disponível.
As imagens sintéticas de objectos costumam ser construídas calculando as trajectórias de cada raio de luz individual para simular a forma como o objecto reflecte a luz. Ora, para tornar o aspecto das estruturas cósmicas mais regular, foi preciso calcular em bloco a trajectória dos feixes luminosos distorcidos – e não a de cada raio em separado. “Isso exigiu muita investigação”, diz Oliver James, responsável científico da empresa Double Negative, citado pela revista britânica New Scientist.
Um outro problema foi que o buraco negro simulado tinha um aspecto disforme. Para o tornar mais esférico (exigência do realizador), recorreu-se a um outro “truque”: reduziu-se a velocidade de rotação do Gargântua sobre si próprio. A sua cor, inicialmente demasiado escura – o que não admira, tratando-se de um buraco negro –, também precisou de retoques.
Por incrível que pareça, o último obstáculo técnico revelou ser… uma autêntica observação científica. No início, a equipa dos efeitos visuais pensou que se tratava de um erro de programação, mas Thorne percebeu que era uma consequência das equações de Einstein.
Isto aconteceu quando, para tornar a simulação mais realista, os cientistas acrescentaram matéria (poeiras e gases) à volta do Gargântua e simularam o efeito da fortíssima gravidade do buraco negro sobre esse “disco de acreção”. “Descobrimos que a deformação do espaço à volta do buraco negro também distorcia o disco de acreção”, explicava recentemente o co-autor Paul Franklin à revista Wired. “Por isso, em vez de algo parecido com os anéis de Saturno, a luz criava à volta da esfera preta do Gargântua um halo maravilhoso” – a estrutura complexa que brilha em seu redor e parece cortá-lo a meio nas imagens do filme. “Nunca imaginei que fosse assim”, disse Thorne à mesma revista. “Foi absolutamente fantástico (…). A natureza é assim, ponto final.”
Depois de acabado o filme, fizeram-se mais simulações e houve outra surpresa ao descobrir-se que, se um observador estivesse perto de um buraco negro em rápida rotação, veria 13 imagens de cada estrela distante visível na orla do buraco negro. O fenómeno, dizem os autores, deve-se ao facto de a massa do buraco negro em rotação “arrastar” consigo o espaço-tempo, enrolando a luz muitas vezes sobre si própria. “Um observador virtual que desse a volta ao buraco negro veria esse remoinho de espaço-tempo a criar e aniquilar as imagens”, explica a revista Science no seu site. Este efeito “só foi observado do lado do buraco negro onde o espaço-tempo está a ser arrastado em direcção ao observador”, o que será devido, segundo os autores, ao facto de, nesse lado, uma parte da luz estar a ser “disparada” para fora.