Nova nave da Europa voou os primeiros 100 minutos e passa prova de fogo
Missão do Veículo Intermediário Experimental foi bem-sucedida. Nave foi ao espaço e voltou à Terra em apenas 100 minutos, demonstrando que a Europa já tem tecnologia que pode ser usada para trazer amostras geológicas de outros planetas.
O barulho do lançamento só chegou alguns segundos mais tarde até ao Centro de Controlo Júpiter, em Kourou, mas serviu como confirmação que a breve missão da ESA estava a começar: em apenas 100 minutos, ia-se testar um veículo sem asas, com propulsores capazes de voar no espaço e uma forma que lhe permite não só reentrar na atmosfera terrestre sem problemas como também direccionar essa reentrada.
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O barulho do lançamento só chegou alguns segundos mais tarde até ao Centro de Controlo Júpiter, em Kourou, mas serviu como confirmação que a breve missão da ESA estava a começar: em apenas 100 minutos, ia-se testar um veículo sem asas, com propulsores capazes de voar no espaço e uma forma que lhe permite não só reentrar na atmosfera terrestre sem problemas como também direccionar essa reentrada.
Tudo correu como o pretendido. Por volta das 12h20, o veículo chegou ao oceano Pacífico, seguro por um pára-quedas. No Centro de Controlo Júpiter, ouviram-se muitas palmas e deram-se abraços. Com este sucesso, a Europa prova que tem a capacidade tecnológica para trazer um veículo do espaço em segurança. O próximo passo será definir qual será o uso desse veículo. Uma das ideias mais sedutoras é trazer amostras geológicas de Marte, da Lua ou de asteróides.
“A missão foi fantástica. Conseguimos obter toda a informação. Toda a trajectória, todos os parâmetros a bordo estavam de acordo com o esperado”, disse ao PÚBLICO Giorgio Tumino, responsável da ESA por este projecto.
“Há pessoas que sonham que podem ir e voltar dos asteróides sempre que querem. Não. Há experiências no passado que mostram que se se começa uma missão sem base tecnológica, depois há um grande risco da missão custar muito mais”, defendeu Giorgio Tumino, explicando que a Europa é boa a colocar objectos em órbita, é boa a gerir missões no espaço – veja-se o exemplo da sonda Roseta e da sonda mais pequena que transportou, a File, que aterrou num cometa em Novembro –, mas não era muito boa no retorno do espaço. Isso mudou ontem. “Testámos e demonstrámos agora que a Europa consegue fazer isso”, acrescentou.
O primeiro grande momento da missão foi quando o veículo se libertou do último módulo do foguetão Vega, a 340 quilómetros de altitude. Depois, activou os seus quatro propulsores para subir até aos 412 quilómetros. Só então é que começou a descer com ajuda de “flaps” – duas abas quadradas na parte de trás do veículo, que permitem controlar para onde a nave vai, e que também foram testados.
Uma das maiores dificuldades na reentrada na Terra é atravessar a atmosfera. Estimava-se que o Veículo Intermediário Experimental atingisse a velocidade máxima de 7,5 quilómetros por segundo (27.000 quilómetros por hora, cerca de 22 vezes a velocidade do som). Junto ao casco, a temperatura pode ter atingido os 1600 graus Celsius. Mas o sistema inovador do escudo térmico, feito de material compósito à base de cerâmica, estava preparado para aquecer e não se queimar. O que permite, em teoria, reutilizar o casco do veículo numa próxima missão e tornar este tipo de naves mais baratas.
A empresa portuguesa ISQ (antigo Instituto de Soldadura e Qualidade) esteve a testar nos últimos anos este escudo em parceria com a empresa francesa Safran, que o idealizou e o construiu. Portugal faz parte dos sete países da ESA que financiaram a missão, juntamente com Itália (que deu a maior fatia de dinheiro, como frisou ontem Jean-Jacques Dordain, director-geral da ESA), Bélgica, Espanha, França, Irlanda e Suíça.
O veículo começou a ser pensado em 2002, mas só em 2009 é que a ESA fez o contrato com a empresa franco-italiana Thales Alenia Space, que construiu a nave com a ajuda de 40 empresas europeias. Ao todo, custou cerca de 150 milhões de euros.
Horas antes do voo, Jean-Jacques Dordain explicou que apesar de a missão ser curta, iria ser intensa. “Prometo-vos 100 minutos de stress e fogo”, disse Jean-Jacques Dordain, na sala de conferências. Adiantando que nada estava garantido: “Para sermos os primeiros, para sermos os melhores, temos de correr riscos.”
Durante a missão, o responsável foi para a sala de controlo, voltando assim que se soube que tudo tinha corrido bem. “Demonstrámos a capacidade da Europa em chegar ao espaço e de fazer uma reentrada perfeita na atmosfera”, sublinhou.
Agora, começa o próximo passo do projecto deste veículo, que no fundo é demonstrador de tecnologias. “Daqui a duas semanas vamos discutir com os Estados-membros da ESA. Já temos um quadro programático que é o PRIDE [sigla em inglês de Programa na Europa para Reutilização do Demonstrador em Órbita]. Vamos definir a próxima missão dentro deste programa”, disse Giorgio Tumino.
O objectivo deste programa, já aprovado pela ESA, será o aperfeiçoamento deste veículo tendo em conta os objectivos de cada missão: trazer amostras de outros planetas, trazer astronautas da Estação Espacial Internacional, lançar satélites ao redor da Terra ou, por exemplo, trazer satélites em fim de missão, libertando o espaço de lixo. “O veículo testado hoje [ontem] vai ser a base para o design dos veículos futuros.”
Para Jean-Jacques Dordain será preciso, antes de tudo, definir essas missões. “Precisamos de uma missão [para podermos usar este tipo de veículo] e na minha perspectiva essa missão só poderá acontecer em cooperação [com outras agências espaciais]. Como já disse muitas vezes, a cooperação é muito mais lenta do que a concorrência. Por isso, tudo depende do projecto que queremos, com que parceiros é que o vamos fazer e com que dinheiro”, resumiu Jean-Jacques Dordain.
Muito antes disso, e para já, vai ser preciso analisar os resultados do primeiro voo do Veículo Intermediário Experimental, que levou 300 sensores para analisar desde a velocidade, a sua aerodinâmica até à temperatura. Entre o final de Fevereiro e o início de Março, a ESA ficará a saber como é que se comportou durante os 100 minutos de voo.
O PÚBLICO viajou a convite da Agência Espacial Europeia