Daniil Trifonov, um pianista de extremos

Depois de uma primeira parte em que a sua interpretação suscitou algumas reservas, Daniil Trifonov mostrou o melhor das suas capacidades técnicas e artísticas nos fulgurantes Estudos de Liszt.

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Daniil Trifonov DR

Tratando-se da sua primeira actuação em Lisboa, a sua passagem pelo Ciclo de Piano da Gulbenkian despertava grande curiosidade, mas acabou por ficar um pouco aquém das expectativas. Tal não quer dizer que Daniil Trifonov não seja um pianista de grandes recursos e portentosa técnica — não é qualquer um que se atreve a enfrentar o tour de force representado pelos 12 Estudos de execução transcendental de Liszt com a desenvoltura deste jovem intérprete russo — mas houve alguma superficialidade na forma como abordou a Sonata op. 111, de Beethoven, e os gestos impulsivos que emergiram por vezes do seu pianismo nem sempre abonaram em favor da coerência nem da precisão técnica.

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Tratando-se da sua primeira actuação em Lisboa, a sua passagem pelo Ciclo de Piano da Gulbenkian despertava grande curiosidade, mas acabou por ficar um pouco aquém das expectativas. Tal não quer dizer que Daniil Trifonov não seja um pianista de grandes recursos e portentosa técnica — não é qualquer um que se atreve a enfrentar o tour de force representado pelos 12 Estudos de execução transcendental de Liszt com a desenvoltura deste jovem intérprete russo — mas houve alguma superficialidade na forma como abordou a Sonata op. 111, de Beethoven, e os gestos impulsivos que emergiram por vezes do seu pianismo nem sempre abonaram em favor da coerência nem da precisão técnica.

Daniil Trifonov parece ser um pianista de extremos, jogando com uma paleta dinâmica enorme, que abarca desde fortíssimos muito incisivos até pianíssimos delicados e bem timbrados. Também no plano agógico, faz contrastar velocidades estonteantes com passagens quase estáticas nas secções mais lentas. No entanto, o sentido da arquitectura e da estrutura das obras como um todo perde-se ocasionalmente perante a profusão desses efeitos como sucedeu na Sonata nº 32, op. 111, de Beethoven. Trata-se de uma obra ambiciosa e complexa que transcende as convenções do género e aponta novos caminhos, exigindo uma grande maturidade do intérprete. A prestação Trifonov assentou no realce dos contrastes e na forma impetuosa com que atacou as passagens mais virtuosísticas, mais do que na profundidade do discurso, embora tenha atingido alguns momentos de grande beleza, como por exemplo no Adagio molto da Arietta.

O recital tinha-se iniciado com a Fantasia e Fuga em Sol menor BWV 542/S. 463, de Bach na transcrição pianística de Liszt. Nas figurações exuberantes de carácter improvisatório da Fantasia, Trifonov abusou do pedal, o que prejudicou a clareza da textura, mas redimiu-se na Fuga, tocada com nitidez e precisão quase matemática.

A segunda parte do recital, inteiramente preenchida com os Estudos de execução transcendental, S. 139, de Liszt, constituiu o ponto alto da noite. A sua linguagem virtuosística e acrobática vai ao encontro do fulgor juvenil de Daniil Trifonov e da sua grande destreza técnica. Trata-se de um intérprete que arrisca e, como tal, nem tudo foi perfeito (por exemplo no celebérrimo Estudo nº4, Mazeppa), mas o pianista foi mostrando uma concentração cada vez maior à medida que a série foi avançando, acabando por nos oferecer versões notáveis dos quatro últimos Estudos: incluindo os poéticos Ricordanza e Harmonies du soir, além do fulgurante nº 10 (Allegro agitato molto) e do grandioso Chasse-neige.

Esta prestação final fez justiça à elevada reputação internacional que Trifonov tem atingido e foi a prova de que (apesar das reservas apontadas anteriormente) se trata de um intérprete cuja carreira merece ser seguida com atenção. Aos efusivos aplausos que se seguiram aos Estudos de Liszt, o pianista reagiu com um singelo encore, provavelmente da sua autoria, já que também se dedica à composição.