Juízes admitem que Soares tenha cometido crime com "ameaça" a Carlos Alexandre

"Carlos Alexandre que se cuide", escreveu Mário Soares no DN. Poderá estar em causa um crime de coacção a um titular de um órgão de soberania, mas a associação de juízes remete a eventual instauração de um inquérito para o "entendimento" da PGR.

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Soares com Sócrates, em Março de 2014 NUNO FERREIRA SANTOS

“O juiz Carlos Alexandre que se cuide”, escreveu Mário Soares num artigo de opinião publicado na terça-feira do Diário de Notícias. Questionado pelo PÚBLICO, o presidente da ASJP, Mouraz Lopes, admite que, “como é lógico e evidente lendo a lei”, as declarações de Soares poderão eventualmente configurar um crime de coacção sobre um titular de um órgão de soberania.

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“O juiz Carlos Alexandre que se cuide”, escreveu Mário Soares num artigo de opinião publicado na terça-feira do Diário de Notícias. Questionado pelo PÚBLICO, o presidente da ASJP, Mouraz Lopes, admite que, “como é lógico e evidente lendo a lei”, as declarações de Soares poderão eventualmente configurar um crime de coacção sobre um titular de um órgão de soberania.

No artigo, Soares fala da prisão preventiva aplicada a Sócrates e questiona os motivos da detenção do ex-primeiro-ministro, criticando as decisões do juiz de instrução criminal.

Mouraz Lopes, que sublinha não ser a primeira vez que Mário Soares “profere declarações lamentáveis” no âmbito deste caso, remete, porém, a questão para o “entendimento da Procuradoria-Geral da República (PGR)”, já que “o crime é de natureza pública”, ou seja, não depende de queixa, podendo o Ministério Público instaurar um inquérito-crime logo que tenha conhecimento da situação. O PÚBLICO aguarda respostas da PGR e do ex-presidente da República, a quem enviou perguntas através da Fundação Mário Soares. 

O Código Penal prevê quanto ao crime de coacção sobre um titular de um órgão de soberania uma pena de prisão de um a oito anos para quem “por violência ou ameaça de violência impedir ou constranger o livre exercício das funções de um órgão de soberania”. Já o crime de coacção sobre funcionário do Estado é público, enquanto o crime de ameaça depende de queixa. O PÚBLICO sabe que o juiz Carlos Alexandre não vai apresentar participação.   

Em comunicado, a ASJP recorda que “os juízes são titulares de órgãos de soberania” e que “no exercício da sua função garantem os direitos de todos os cidadãos”. Mouraz Lopes sublinha também que “não há hipótese de dupla interpretação das palavras [de Soares] e o que “o que ali está [no artigo de opinião] é uma ameaça”.

"[A opinião da ASJP está] em consonância com a posição de Carlos Alexandre, com quem falámos”, explica Mouraz Lopes, acrescentando que a associação “não costuma comentar comentários, mas que desta vez foi ultrapassado o limite do razoável” em declarações feitas por “alguém que tem especiais responsabilidades como ex-Presidente da República e actual conselheiro de Estado”.  

No comunicado, a ASJP recorda que “Portugal é um Estado de direito” e que “no Estado de direito os juízes cumprem a lei e apenas a lei”.

Os juízes “não estão nem nunca estiveram acima da lei. Ao longo de 41 de democracia demonstraram-no diariamente”, alegam ainda os juízes, recordando que “é no respeito do exercício e do funcionamento das instituições que está o limite entre o Estado de direito e o totalitarismo”.

Sócrates está em prisão preventiva há mais de dois meses no âmbito de um processo em que está indiciado por fraude fiscal qualificada, corrupção e branqueamento de capitais.