Tiros de artilharia matam civis em hospital de Donetsk
Chefe da diplomacia europeia pede uma trégua "imediata" para permitir retirada de civis encurralados por combates no Leste da Ucrânia.
As imagens das crateras no terreno que dão acesso ao hospital e o impacto das explosões e dos estilhaços na fachada há muito que deixaram de ser uma novidade nesta zona da Europa, mas os corpos de civis espalhados pelo chão e cobertos com lençóis são uma marca bem visível do que está em causa por estes dias no Leste da Ucrânia – uma tragédia humanitária que não poupa ninguém, alimentada pelas duas partes em confronto.
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As imagens das crateras no terreno que dão acesso ao hospital e o impacto das explosões e dos estilhaços na fachada há muito que deixaram de ser uma novidade nesta zona da Europa, mas os corpos de civis espalhados pelo chão e cobertos com lençóis são uma marca bem visível do que está em causa por estes dias no Leste da Ucrânia – uma tragédia humanitária que não poupa ninguém, alimentada pelas duas partes em confronto.
"O impacto atirou-o contra parede. Os estilhaços mataram-no." Para o resto do mundo, continuará sem nome, apenas uma vida entre as mais de 5000 que a guerra no Leste da Ucrânia já ceifou desde Abril do ano passado. O relato dos seus últimos momentos são feitos pelo pai, um mineiro de 62 anos que levara o filho ao hospital para fazer exames médicos. "Quando me aproximei, ele ainda respirava um pouco", disse o homem à agência AFP.
A mãe, desesperada, perguntava porque não a tinham matado a ela. "Não acredito, não acredito."
A algumas centenas de metros, um outro corpo, coberto com um lençol, à entrada de um edifício de apartamentos. "Não havia água em casa, ele saiu para comprar água. Era o meu pai. O meu pai era terrorista?"
A autoria do bombardeamento contra o hospital n.º 27 de Donetsk ainda não foi investigada por nenhuma organização independente, mas a cidade está sob controlo dos rebeldes pró-russos.
Em Kiev, a responsabilidade foi atribuída aos rebeldes, num comunicado publicado no site da Procuradoria-Geral da República: "De acordo com informações preliminares, foram mortas entre quatro e dez pessoas. Mais uma vez, os terroristas usaram armas contra a população civil da região de Donetsk."
O outro lado devolveu a acusação.
"As forças ucranianas dispararam um míssil Uragan", disse ao jornal britânico The Guardian um combatente. Andrei Purgin, porta-voz da autoproclamada República Popular de Donetsk, também apontou o dedo ao Exército da Ucrânia e apelou a uma investigação independente: "Os observadores da OSCE deviam investigar o local, para determinarem a direcção e o local de onde partiu o ataque, e revelar as suas conclusões."
Abusos de ambos os lados
Depois de um período de relativa calma, entre Outubro e Dezembro do ano passado, os ataques de ambos os lados contra áreas habitadas por civis fizeram pelo menos 341 mortos, incluindo 71 mulheres e seis crianças, durante o primeiro mês deste ano, de acordo com os números da organização Human Rights Watch.
Outra organização, a Amnistia Internacional, anunciou esta semana que recolheu "provas arrepiantes de mortes de civis e outras baixas infligidas por ambas as partes no conflito sangrento nas cidades de Donetsk e Debaltseve nos últimos dias".
"As provas revelam o horror do derramamento de sangue sofrido por civis, que estão a ser mortos e feridos porque ambos os lados estão a disparar rockets não direccionados contra zonas povoadas. Estes ataques constituem uma violação da lei internacional e podem ser equiparados a crimes de guerra", disse John Dalhuisen, director da Amnistia Internacional para a Europa e a Ásia Central.
Também a Human Rights Watch acusa os dois lados de "colocarem civis em perigo desnecessariamente, ao instalarem alvos militares e usarem armamento com efeitos dispersivos em áreas povoadas, incluindo nas proximidades de escolas, em violação da lei internacional".
Os combates mais ferozes concentram-se na área de Donetsk, controlada pelos rebeldes pró-russos, mas principalmente em Debaltseve, 70 quilómetros a Nordeste, uma cidade ainda controlada pelas forças ucranianas mas que poderá cair a qualquer momento – nesta quarta-feira, a agência Reuters avançou que os rebeldes já terão tomado a cidade de Vuhlehirsk, um importante ponto para completar o cerco a Debaltseve.
Devido à gravidade dos combates dos últimos dias, a alta comissária da União Europeia para a Política Externa, Federica Mogherini, apelou a um cessar-fogo durante três dias para permitir a saída de todos os civis de Debaltseve – em poucos dias, a cidade de 25.000 habitantes ficou reduzida a apenas 7.000, segundo os números da Amnistia Internacional. O apelo para um cessar-fogo de três dias já tinha sido feito na terça-feira por Ivica Dacic, actual presidente da OSCE e ministro dos Negócios Estrangeiros da Sérvia.
Sem electricidade, com pouca água e comida, e já sem salários e pensões, os habitantes de Debaltseve que ficaram para trás estão encurralados. Num abrigo subterrâneo improvisado, um grupo de idosos explica a um repórter do site norte-americano Vice News o que tem sido viver em Debaltseve nas últimas semanas: "É claro que nunca pensámos que isto seria possível. Estamos no século XXI. Vamos dormir, e quando acordamos parece que estamos a sonhar."