A Europa, a liberdade de expressão e os genocídios
Na passada 4.ª feira, reuniu-se em Estrasburgo, o TEDH em plenário com a presença de 17 juízes para reapreciar o caso de Dogu Perinçek, um professor de direito turco, presidente do Partido dos Trabalhadores da Turquia que participara em diversas conferências na Suiça em 2005 onde proferira afirmações polémicas. Concretamente, Perinçek, negara publicamente a existência de qualquer genocídio praticado pelo império otomano contra o povo arménio em 1915 e nos seguintes. Para este professor turco a ideia de um genocídio arménio era uma “mentira internacional”.
A verdade faz-nos mais fortes
Das guerras aos desastres ambientais, da economia às ameaças epidémicas, quando os dias são de incerteza, o jornalismo do Público torna-se o porto de abrigo para os portugueses que querem pensar melhor. Juntos vemos melhor. Dê força à informação responsável que o ajuda entender o mundo, a pensar e decidir.
Na passada 4.ª feira, reuniu-se em Estrasburgo, o TEDH em plenário com a presença de 17 juízes para reapreciar o caso de Dogu Perinçek, um professor de direito turco, presidente do Partido dos Trabalhadores da Turquia que participara em diversas conferências na Suiça em 2005 onde proferira afirmações polémicas. Concretamente, Perinçek, negara publicamente a existência de qualquer genocídio praticado pelo império otomano contra o povo arménio em 1915 e nos seguintes. Para este professor turco a ideia de um genocídio arménio era uma “mentira internacional”.
A associação Suiíça-Arménia apresentou uma queixa crime contra Perinçek, e em 2007, um tribunal de Lausanne condenou-o numa pena de multa e numa indemnização de € 1 000 a favor da associação queixosa pela prática de um crime de discriminação racial. Perinçek recorreu, invocando opiniões de historiadores e factos históricos variados mas viu confirmada a sua condenação já que o tribunal de recurso entendeu que a questão do genocídio arménio não era uma questão que necessitasse de discussões históricas uma vez que já tinha sido reconhecida a sua realidade pela legislação suíça. O Tribunal Federal para onde Perinçek, ainda recorreu, voltou a confirmar a condenação lembrando que a lei punia expressamente aquele que “negasse, minimizasse grosseiramente ou procurasse justificar um genocídio ou outros crimes contra a humanidade”.
Dogu Perinçek apresentou, então, a sua queixa no TEDH por considerar ter sido violada a sua liberdade de expressão consagrada na Convenção Europeia do Direito Humanos (CEDH). A decisão, proferida em 17 de Dezembro de 2013, dividiu os juízes do TEDH, tendo 5 votado a favor e dois contra, um dos quais o juiz português Paulo Pinto de Albuquerque (http://hudoc.echr.coe.int/sites/eng/pages/search.aspx?i=001139276#{"itemid":["001-139276"]} ).
Independentemente da mera questão jurídica de se saber se a liberdade de expressão tinha sido ou não violada, importava também, antes de tudo, saber se cabe aos tribunais definir uma verdade histórica e punir aqueles que a desafiam. O TEDH tem considerado que em relação ao Holocausto se justificam as proibições do negacionismo existentes em diversas países e que não violam a liberdade de expressão da CEDH. Para o TEDH, há um dever/direito dos Estados de combaterem a discriminação racial e o negacionismo é parte integrante de um intolerável antissemitismo numa sociedade democrática.
O governo turco também interveio no processo lembrando que Dogu Perinçek não negara os massacres e deportações de cidadãos arménios por parte do império otomano, antes se limitara a não aceitar a classificação como genocídio de tal factualidade. O TEDH, ciente do cadastro turco nesta matéria, aproveitou a ocasião para relembrar diversos casos em que condenou a Turquia por violação da liberdade de expressão, nomeadamente quanto à questão curda que o governo turco não admite que seja discutida publicamente nem sob a perspectiva histórica nem qualquer outra.
Mas quanto ao fundo da questão, o TEDH considerou que não valiam para o genocídio arménio as mesmas considerações que valiam para o Holocausto; considerou, ainda, que a condenação de Dogu Perinçek não respondia a uma necessidade social imperiosa não sendo necessária para defender a honra e os sentimentos dos descendentes das atrocidades de 1915; considerou, assim, que a Suíça violara da liberdade de expressão.
Mas dois juízes consideraram justificada a condenação de Dogu Perinçek, o montenegrino Vucinic e o português Pinto de Albuquerque num extenso e fundamentado voto de vencido que veio a servir de base para o recurso para o plenário que a Suíça apresentou e cuja audiência pública se realizou na passada quarta-feira. Vamos, pois, para saber, em breve, como configuram a liberdade de expressão europeia estes 17 sábios do direito. Espera-se que confirmem a anterior decisão e reafirmem o valor da liberdade de expressão, evidentemente cada vez mais essencial.
O Sindicato da Magistratura em França, na sequência das dezenas de processos crime por apologia do terrorismo “pós-Charlie-Hebdo”, de que o caso do humorista Dieudonné é o mais mediático, já veio alertar para as “reacções histéricas”, com “falta de recuo” e o risco de uma justiça “desastrosa”. A liberdade de expressão, convém sempre ter presente, não existe para nos ser agradável.
Advogado