“As leis criam dificuldades às empresas públicas de transporte"
Rui Loureiro, presidente da Carris/Metro de Lisboa, diz que a subconcessão das empresas que gere trará custo zero para o Estado.
Qual a sua missão à frente da Carris/Metro?
Nós temos uma missão que é a fusão da Metro, Carris e Transtejo [que inclui a Soflusa] e proceder à subconcessão das operações.
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Qual a sua missão à frente da Carris/Metro?
Nós temos uma missão que é a fusão da Metro, Carris e Transtejo [que inclui a Soflusa] e proceder à subconcessão das operações.
Então esta administração, basicamente, vai gerir concessões?
Sim, em princípio vai fundir e gerir subconcessões. Tanto quanto possível. Neste momento, está-se a preparar a subconcessão do Metro e da Carris e proximamente procurar-se-á fazer a subconcessão do grupo Transtejo.
Como é que se articulará depois o efeito de rede do sistema de transportes, uma vez que cada uma destas futuras ex-empresas estará subconcessionada?
A própria subconcessão irá ter essa coordenação em mente e a AMTL [Autoridade Metropolitana dos Transportes de Lisboa] poderá também fazer essa coordenação tendo em conta até que está muito ligada à Câmara de Lisboa.
Porque é que é esta empresa a fazer as subconcessões e não a AMTL enquanto entidade que representa o Estado?
Porque são as empresas [Metro, Carris e Transtejo] que têm até 2024 as concessões dos transportes. Se fosse retirada a concessão às empresas que existem, teríamos um contrato de concessão novo, o que não é o caso. Portanto, o que se vai fazer é subconcessionar uma concessão que já existe.
Como é que se vai chamar a nova empresa?
Transportes de Lisboa.
Quando há fusões, há emagrecimento de recursos. Qual o número de pessoas que arriscam perder o seu emprego?
Não está estimado o que se pode fazer em termos de optimização. Neste momento, estamos a estudar o que se pode fazer em termos de reorganização.
Mas haverá seguramente redução de postos de trabalho?
Esperemos que seja possível optimizar sem grandes impactos a esse nível.
A futura Infraestruturas de Portugal [fusão da Refer com a EP] já fez essas contas e anunciou que haverá despedimentos.
A Infraestruturas de Portugal poderá saber isso, mas a Transportes de Lisboa não.
Vai haver um logótipo?
Sim. Estamos a estudar um novo logótipo.
Qual a calendarização deste processo de fusão?
É difícil sabermos isso já. Mas gostaríamos de, no primeiro trimestre, termos os cadernos de encargos para os concursos da Metro e da Carris. Lá para o fim do primeiro semestre esperamos ter o da Transtejo.
Admite que uma empresa possa concorrer a mais do que uma concessão?
Concerteza.
E pode até haver uma única empresa a ficar com as três?
No limite isso poderia acontecer, apesar de os concursos da Carris e do Metro serem na mesma altura e o da Transtejo ser posterior. Mas nada impede que uma emprese que ganhe as duas primeiras se possa posicionar também para a Transtejo.
E isso seria desejável? Uma só empresa para os três modos?
Eu penso que em termos de coordenação de transportes libertava muito trabalho à AMTL porque seria a própria empresa a propor as optimizações de rede necessárias. Isso seria útil, efectivamente. Aliás, temos um exemplo na margem Sul do Tejo em que isso se passa.
Como é que explica às pessoas que a subconcessão destas três futuras ex-empresas significará um melhor serviço do que aquele que é prestado actualmente, em que é tudo do Estado? Convicção ideológica?
Eu não explicaria por convicção ideológica. Eu diria que as próprias leis fazem com que as empresas públicas tenham dificuldades na operação.
Leis que são feitas pelo próprio Estado, que é o accionista.
Sim, é o accionista que muitas vezes dá tiros nos pés. Mas essas leis dificultam muito a operação. E nessa perspectiva, há maior maleabilidade quando é um privado a fazer essa operação. Apesar de o privado não ter toda a liberdade! A própria modelação da rede de transportes públicos de Lisboa está muito dependente da própria AMTL.
Mas, genericamente, os privados são mais activos na optimização das empresas do que o próprio Estado. E é disso que se está à espera.
Portanto, o Estado conta gastar menos dinheiro com a prestação do mesmo serviço?
O Estado espera não gastar dinheiro com a prestação do mesmo serviço.
Isso significa que o Estado não vai atribuir indemnizações compensatórias aos subconcessionários e que estes terão que se contentar com a operação para obter lucros? O risco fica todo do lado dos privados?
O lançamento do processo de concessão da operação da Carris, Metro e Transtejo a entidades terceiras deverá concretizar-se ainda este ano e vai contribuir para a redução da atribuição das indemnizações compensatórias, nos termos definidos, aliás, no Orçamento do Estado para 2015. Isso vai exigir destas empresas um esforço adicional na implementação de medidas suplementares e de acções inovadoras na sua actividade, que permitam um aumento da receita operacional, permitindo compensar, pelo menos parcialmente, o apoio financeiro que o Estado vinha assumindo. Ao mesmo tempo, estas empresas terão de prosseguir a redução de custos e de aumento de eficiência que se tem vindo a verificar.
Mas é de esperar que nas três subconcessões haja custo zero para o Estado no que diz respeito à operação?
É o que está previsto.
Poderá o actual modelo evoluir para um idêntico ao do RATP na região parisiense em que um só operador que gere todos os modos de transporte?
Um modelo como o da RATP é diferente. Eu gostaria que isso fosse possível. Creio que o modelo que foi inicialmente ponderado foi o inglês. Até pelo nome: Transports of London e agora Transportes de Lisboa.
Mas qualquer dos modelos é exequível e ambos poderão trazer benefícios reais para o funcionamento das empresas. O modelo RATP eu gostaria muito de o implementar, mas isso obrigaria a que os próprios comboios suburbanos que são da CP entrassem também para a Transportes de Lisboa.
Seria então desejável, para levar o modelo até ás últimas consequências que se integrassem também os comboios?
Para ser levado até às últimas consequências, de certeza que sim. Inclusivamente o comboio na ponte [25 de Abril], mas isso tudo teria que ser revisto. Agora acho que sim, seria um bom modelo.
Como se imagina dentro de um ano, se tudo correr como previsto, enquanto administrador de uma empresa que não faz operação e apenas gere três concessões?
A empresa não fará a exploração, é certo, mas as infraestruturas ficarão na Transportes de Lisboa e é esta que terá a seu cargo os investimentos.
O tarifário em Lisboa é bem mais complicado do que aquele que havia há 20 anos, que tinha como base os passes sociais. No que depende de si, o tarifário deveria ser simplificado?
Eu gostaria que sim. Isso seria muito útil para fomentar a utilização dos transportes públicos em Lisboa. Se falou há pouco do modelo do RATP em Paris, eu penso que seria exactamente esse modelo tarifário que deveria ser usado em Lisboa.
E isso é fácil estando a trabalhar com empresas concessionadas diferentes?
O tarifário já está a ser trabalhado pela OTLIS. Podemos perfeitamente ver novos modelos se isso for conveniente.
A rede de eléctricos de Lisboa deverá ser alargada ou tenderá a acabar?
Os eléctricos irão tendencialmente passar para o turismo. Não me parece que seja um meio de transporte efectivo dentro da cidade. Até porque a frota de autocarros da Carris é significativa e uma melhoria da complementaridade do Metro e da Carris poderia melhorar muito o processo e libertando as linhas de eléctricos para o turismo.
Referia-me também aos eléctricos mais novos, da marginal, que constituem uma frota muito pequena e que nunca ganhou escala para se impor.
Esses são para continuar.
A Câmara de Lisboa já falou na necessidade de fazer prolongar uma linha de eléctrico ao terminal de cruzeiros de Santa Apolónia porque seria uma forma de ali receber os turistas que vêm nos navios. O que lhe parece?
Não há qualquer decisão sobre esse processo, mas estará em cima da mesa para avaliação.
Acha que a expansão da rede de Metro faz sentido ou considera-a perto do final e que estaria na hora de apostar em sistemas complementares, mais ligeiros, como os metros de superfície?
As expansões estão previstas nos planos de há muito anos. Por exemplo, o da Linha das Colinas, para servir Alfama, seria interessante. Mas agora não há financiamento.
Mas na expansão do Metro a prioridade seria prosseguir para a periferia, ou reforçar o centro e fechar a malha?
Fechar o centro. Até porque todas as políticas vão no sentido de retirar os automóveis do centro da cidade e isso tem de ser feito como meios pesados como é o Metro, com rebatimento ao serviço da Carris. Em relação aos metros de superfície, ou eléctricos rápidos, são interessantes para ligar as pontas. Enfim, existem alguns projectos que esperam por melhores dias, por exemplo, aquele para ligar Algés a Amadora.
Dantes não havia barreiras físicas para entrar no Metro. Mas hoje uma pessoa que, por exemplo, venha de comboio até ao Cais do Sodré tem que passar uma barreira para sair da estação e outra para entrar no Metro. Além disso, nas estações não há um elevador que traga os passageiros directamente da gare até á superfície porque é necessário passar pelas barreiras, o que duplica o investimento em elevadores e obriga as pessoas a entrarem e saírem duas vezes. Tudo isto não constitui um desincentivo à utilização do transporte público? Criam-se barreiras em vez de se abrir caminhos.
Há poucos exemplos de metropolitanos que não têm barreiras. Mas a menos que a gente ofereça o transporte público de graça às pessoas, ele tem que ser pago. E o sistema tarifário que nós temos obriga a que seja registada a presença do passageiro. O ideal, de facto, seria nós podermos mudar de um modo de transporte para outro modo tendo apenas uma única entrada e saída, mas isso obrigava a ter os comboios suburbanos metidos no sistema. Se os tivéssemos, isso desapareceria Eu acho que o Cais do Sodré nem é o exemplo mais grave. O do Rossio, com aquelas barreiras, é muito pior.
A Câmara de Lisboa já se mostrou interessada em explorar o sistema de transportes públicos. Esta deverá ser um concorrente como outro qualquer que possa aparecer para o concurso público?
Deverá ser um concorrente como outro qualquer. Se nós estamos a tentar optimizar o sistema e a melhorar os seus custos, quer para o Estado quer para o utilizador, naturalmente que terá de concorrer como os outros. Mas terá que ter a experiência necessária para o fazer.
Como se sente enquanto último presidente da Refer? O que é que deixou para trás?
Na Refer foi feita uma grande reestruturação numa perspectiva de futuro.
Mas quando começou essa reestruturação não lhe passava pela cabeça que a empresa iria ser fundida com a Estradas da Portugal?
Não. Não fazia a mínima ideia. De facto, por razões operacionais, houve essa decisão. A fusão foi feita. Não me parece que seja grave. As operações vão ter que se manter, necessariamente, afastadas. Mas aquilo que nós fizemos, a reestruturação do grupo Refer, de alguma forma deixou-o preparado para sofrer este tipo de interferências, de optimizações. Mas é claro que tenho pena de não ver a consolidação do modelo que desenhei e que, para já, não chegou ao fim. Não conheço o modelo da fusão...
Foi apanhado de surpresa?
Na época sim.
Como é que se explica essa fusão, tendo em conta que tal não estava no programa do governo nem no da troika?
Penso que o que aconteceu foi que estava a ser estudado o processo. Nem se sabia se era ou não para avançar. Mas houve uma fuga para a comunicação social e a partir daí as coisas precipitaram-se. Penso que os presidentes das empresas, nomeadamente eu, seriam informados atempadamente dessa situação e não atabalhoadamente, como veio a acontecer devido aquela fuga de informação.
Mas enquanto as concessões dos transportes ferroviários e a privatização da CP Carga estavam no programa do governo e não avançaram, a fusão da Refer com a Estradas de Portugal, que não estava prevista, arrancou logo e está em estado muito adiantado.
São prioridades da tutela, que tem direito a ter as suas prioridades. Mas também é verdade que todas as outras que estão a marcar passo são prioridades da tutela. Só que, por um motivo ou outro, marcam passo. Aliás, ainda agora se soube que uma das grandes prioridades da tutela, que é a concessão dos transportes do Porto, enfrenta a possibilidade de ver o concurso anulado devido ao facto de os TMB [Transportes Metropolitanos de Barcelona] eventualmente não poderem concorrer.
Vamos ter eleições no último trimestre e poderá seguir-se um novo ciclo político. Acha que tudo isto é irreversível ou reversível?
Acho que politicamente tudo é reversível. Mas isso depende muito do estado em que estiverem as subconcessões. Se estas estiverem em funcionamento, será irreversível, pelo menos durante o período em que durarem. Caso não estejam, politicamente poderá haver outras prioridades e as coisas voltarem para trás. Agora o que é importante é que o Estado e a AMTL tenham um controle efectivo sobre a oferta e a complementaridade dos modos de transporte.