Tsipras "vira a página da austeridade" na História da Europa
Syriza vence, mas terá de fazer coligação ou acordo de apoio no Parlamento com um partido menor. Um deles já se declarou disposto a negociar, para evitar novas eleições.
Com 99,8% dos votos contados, o Syriza tinha 36,34%, com os rivais da Nova Democracia, do primeiro-ministro, Antonis Samaras, acabou derrotado por uma margem significativa (27,81%), mais de oito pontos percentuais. O Partido Socialista (PASOK), de Evangelos Venizelos, continuou o caminho de queda livre de 2012, com 4,68%, sendo apenas o sétimo partido - atrás do Aurora Dourada (6,28%), do To Potami (6,05%), do Partido Comunista (5,47%) e dos Gregos Independentes (4,75%).
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Com 99,8% dos votos contados, o Syriza tinha 36,34%, com os rivais da Nova Democracia, do primeiro-ministro, Antonis Samaras, acabou derrotado por uma margem significativa (27,81%), mais de oito pontos percentuais. O Partido Socialista (PASOK), de Evangelos Venizelos, continuou o caminho de queda livre de 2012, com 4,68%, sendo apenas o sétimo partido - atrás do Aurora Dourada (6,28%), do To Potami (6,05%), do Partido Comunista (5,47%) e dos Gregos Independentes (4,75%).
PASOK e Nova Democracia foram os partidos em que assentou a democracia grega depois da queda da ditadura em 1974, conseguindo regularmente mais de 80% dos votos e alternando no poder, até que em 2012 foram levados a uma grande coligação para garantir estabilidade política e a aplicação do programa acordado com a troika.
“A Grécia vai deixar a austeridade da catástrofe e do medo”, garantiu Tsipras no seu discurso. “Não houve vencedores nem perdedores”, acrescentou. “Os que foram derrotados foram a elite e os oligarcas. Vamos ter de volta a nossa dignidade, a nossa soberania.”
“O discurso de Tsipras teve um pouco para todos os gostos”, comentava o jornalista do Kathimerini e do site MacroPolis Nick Malkoutzis. “Fim da troika, mas também vontade de negociar.” Ninguém sabe o que esperar, mas a perspectiva de coligação irá obrigar a alguma moderação e pragmatismo, antecipam analistas, muitos comparando-o com Lula da Silva, o líder brasileiro que de sindicalista radical passou a um presidente pragmático com uma agenda social de esquerda.
Samaras concedeu a derrota, dizendo “os gregos falaram e respeito a decisão”, mas sublinhou, no entanto, que herdou “uma batata quente” quando tomou posse em 2012 e repetiu o que disse na campanha: que o partido melhorou muito a situação financeira do país.
Coligação ou apoio
O cenário que parecia mais provável à hora de publicação desta notícia e que os resultados oficiais confirmam – uma maioria perto da absoluta – dita que Tsipras precisa de um acordo, seja de coligação ou de apoio no Parlamento, de um dos outros partidos.
O líder dos Gregos Independentes, um partido vagamente nacionalista, populista e anti-troika, Panos Kammenos, deu a entender que estaria aberto a conversações com o partido vencedor. O partido obteve 4,75% (13 deputados) e logo na manhã desta segunda-feira foi anunciado um acordo de coligação com o Syriza.
O Rio, do jornalista e apresentador Stavros Theodorakis, terá 17 deputados, ficando em quarto lugar com 6,05%. Theodorakis já disse que irá procurar um acordo para evitar uma segunda eleição como aconteceu em 2012, quando os principais partidos não chegaram a acordo para uma coligação e a Grécia foi novamente a votos.
De fora do Parlamento ficou o novo partido de George Papandreou, o primeiro-ministro que assinou o primeiro acordo com a troika e, desde então, caiu em desgraça (ele e o seu partido de então, o PASOK), com 2,46%, abaixo dos 3% necessários para a representação parlamentar.
Em terceiro lugar ficou o partido de extrema-direita Aurora Dourada, com 6,28% (17 deputados) embora o seu líder e metade dos deputados estejam na prisão por associação criminosa. Nikolaos Michaloliakos, o líder, disse que o resultado era “uma grande vitória”.
O que dirá a Europa?
Enquanto a Alemanha não se afastava um milímetro do mantra “a Grécia tem de cumprir as suas obrigações”, pelo menos um ministro das Finanças belga, Johan Van Overtveldt, reagiu, mostrando uma abertura para negociar com um Governo do Syriza, diz a agência Associated Press, em véspera da reunião do Eurogrupo, que junta os titulares das Finanças da zona euro. “Podemos discutir modalidades, podemos discutir restruturação de dívida [a grega é de mais de 170% do PIB]”, disse, acrescentando: “Mas a Grécia tem de respeitar as regras da união monetária, que têm de se manter tal como estão.” Ou seja, enquanto é possível alterar algumas coisas, “uma mudança radical é impossível”, garantiu.
Analistas esperam que a Grécia, cujo actual programa de assistência termina em Fevereiro (e que, sem mais financiamento, poderia ficar sem verbas já em Junho), obtenha uma extensão do programa ou algum tipo de janela, para que o novo governo possa negociar.
Lágrimas e risos
Mas neste domingo à noite foi de comoção e celebração. Em frente à Universidade de Atenas, Katerina Tavlaraki, professora de francês de 60 anos, apoiante do Syriza desde sempre, era das pessoas que tinha um sorriso estampado na cara. “O mais importante que ele disse foi que a troika nunca irá voltar à Grécia. Vamos mudar as nossas vidas, aqui, e em toda a Europa, que vamos ter liberdade, justiça, solidariedade. Que vamos negociar a nossa dívida, e que nunca mais vamos ter toika.”
Já o arquitecto Pandelis, 43 anos, estava com um ar circunscrito. “Gostei sobretudo quando ele disse que vai convidar para voltar os muitos gregos que tiveram de emigrar para a Europa, Ásia, Austrália, para terem aqui uma nova oportunidade.” Se vai conseguir? “Acho que sim.”
Eleni Chatzichristou, astrofísica de 40 anos, esforça-se para não chorar, ainda Alexis Tsipras não chegou. Está a acompanhar o tio, jornalista, que os seguranças deixam estar sentado na rampa por onde vai passar Tsipras. “Quando era criança, ele estava preso pela Junta [militar que governou a Grécia em ditadura]. Ficou ferido pelo que lhe fizeram”, conta. “Estar aqui hoje é para ele mais do que um sonho que se tornou realidade”, diz. Quanto a ela, viveu fora 20 anos e regressou há dez à Grécia. “Não esperava ver o que vi. Estava perto de ir de novo – mas agora estou a reconsiderar. O que vai acontecer? Não sei.”
Se havia comoção e alegria, esta parecia moderada. Elena Kalkova, 57 anos, veio com a filha Kristiana, e diz que “não vai haver milagres”, nada vai ser fácil, ou rápido. “Até Deus demorou uma semana a criar o mundo.” Fisioterapeuta, há dois anos que, sem hipóteses de emprego na Grécia, foi trabalhar numa cozinha na Alemanha. A filha, de 37 anos, continua em Atenas, não tem emprego. “É um milagre encontrar um”. Queixa-se que os alemães não investem no país. “Não nos emprestem dinheiro: invistam, façam fábricas! Não queremos ajudas, queremos poder trabalhar”, diz.
Notícia actualizada às 10h37, com novos dados mais recentes da contagem de votos e informação sobre acordo entre Syriza e Gregos Independentes.