Uso do medicamento – somos todos responsáveis

A OMS estima que 50% dos medicamentos não são correctamente usados pelos doentes.

Se é verdade que são uma parcela muito importante da despesa em saúde – sendo frequentemente apontados como a segunda rubrica que absorve mais recursos, logo a seguir aos gastos com pessoal –, também é verdade que têm trazido à sociedade os maiores ganhos em saúde no último século. Por isso mesmo, como tenho reiteradamente afirmado, importa, numa visão abrangente e estratégica, encarar esta despesa como um investimento, precisamente na saúde das populações e na melhoria da sua qualidade de vida.

A verdade faz-nos mais fortes

Das guerras aos desastres ambientais, da economia às ameaças epidémicas, quando os dias são de incerteza, o jornalismo do Público torna-se o porto de abrigo para os portugueses que querem pensar melhor. Juntos vemos melhor. Dê força à informação responsável que o ajuda entender o mundo, a pensar e decidir.

Se é verdade que são uma parcela muito importante da despesa em saúde – sendo frequentemente apontados como a segunda rubrica que absorve mais recursos, logo a seguir aos gastos com pessoal –, também é verdade que têm trazido à sociedade os maiores ganhos em saúde no último século. Por isso mesmo, como tenho reiteradamente afirmado, importa, numa visão abrangente e estratégica, encarar esta despesa como um investimento, precisamente na saúde das populações e na melhoria da sua qualidade de vida.

Contudo, vários estudos demonstram a existência de um potencial não aproveitado na despesa com medicamentos. A OMS estima que 50% dos medicamentos não são correctamente usados pelos doentes. E um estudo efectuado em 2012 pela multinacional americana IMS Health, a pedido do Ministério da Saúde holandês, estima que a optimização do uso do medicamento permitiria poupar anualmente, em todo o mundo, cerca de 370 mil milhões de euros (mais do dobro do PIB de Portugal), o que corresponde a aproximadamente 8% da despesa anual em Saúde a nível mundial.

O referido estudo da IMS destaca a não adesão à terapêutica como a principal causa do problema, estimando-se que contribua para 57% da despesa excedentária. Entre as outras causas, salientam-se a utilização de medicamentos fora do tempo certo, devido à sua aprovação ou prescrição tardias, a utilização errada e a sobreutilização de antibióticos, os erros de medicação, a utilização insuficiente de medicamentos genéricos e a gestão incorrecta da terapêutica dos doentes polimedicados. Todas estas situações geram gastos evitáveis, muitas vezes associados a internamentos hospitalares ou a outros cuidados de saúde e até a quadros fatais – em suma, associados a morbilidade e mortalidade.

As recomendações do estudo mencionado apontam no sentido de os sistemas de Saúde adoptarem como prioridade a promoção do uso responsável do medicamento (URM). Este é um conceito bem caracterizado pela Federação Internacional Farmacêutica. O medicamento deve ser utilizado apenas quando é necessário; e quando é necessário não deve deixar de ser utilizado; a sua selecção deve ser apropriada e baseada na mais recente evidência científica e/ou clínica, considerando também as preferências do doente e fazendo o melhor uso dos recursos disponíveis. Tudo isto em conjugação com o acesso a medicamentos de qualidade e atempadamente disponibilizados, que são administrados e adequadamente monitorizados quanto à sua efectividade e segurança, assumindo o doente a responsabilidade pelo uso, com base na forma mutuamente acordada com um profissional de saúde. Tal implica a adopção permanente de uma abordagem colaborativa e multidisciplinar, também deontológica, que congregue os doentes ou os seus cuidadores e os profissionais de saúde que lhes prestam cuidados.

Em suma, o que o URM procura garantir é o acesso do cidadão ao medicamento correcto, na dose e no tempo adequados à sua necessidade individual, e com o menor custo possível, quer para o próprio, quer para o sistema de Saúde – proporcionando, por conseguinte, o maior benefício do tratamento. Trata-se de um conceito abrangente, comum a todos os intervenientes nas diferentes fases do ciclo de vida do medicamento, desde a investigação e desenvolvimento até à sua utilização pelo doente, passando pela aprovação e colocação no mercado, fabrico, distribuição, prescrição e dispensa, pelo que pressupõe o envolvimento activo, consciente e “responsável” de todos.

Foi neste contexto que a Ordem dos Farmacêuticos decidiu lançar publicamente a campanha subordinada ao tema Uso do Medicamento – Somos Todos Responsáveis, por altura das Comemorações do Dia do Farmacêutico em 2014. Reputamos esta iniciativa da mais elevada importância. O URM promove ganhos significativos, quer no plano clínico, quer no plano económico, pelo que deve constituir também um grande objectivo para o sistema de Saúde português, em que o marcado envelhecimento da população torna o assunto ainda mais relevante. Segundo dados do INE, o número de cidadãos com mais de 65 anos residentes em Portugal já é superior a dois milhões, correspondendo a cerca de 19% da população.

Há, pois, um longo caminho que, todos juntos, devemos percorrer. A campanha lançada pela OF, visando alertar a população, promover boas práticas e debater o assunto com os outros stakeholders, constitui um primeiro passo. Mas julgo que somente um esforço integrado permitirá alcançar verdadeiros ganhos que sejam premeditados, sistémicos e irreversíveis. O valor do trabalho em conjunto está bem realçado na proposição “todos temos um papel a desempenhar” que consta do relatório Um Futuro para a Saúde, recentemente promovido pela Fundação Calouste Gulbenkian e dedicado ao sistema de Saúde português. A Ordem dos Farmacêuticos e os farmacêuticos, nas suas diferentes áreas profissionais, saberão participar neste desígnio e estar, uma vez mais, como sempre, à altura das suas responsabilidades.

Bastonário da Ordem dos Farmacêuticos e professor da Universidade do Porto