Não há nada de novo sob o sol da literatura?

A criação literária está hoje condenada à repetição? Faltam-nos grandes inovadores, como Joyce ou Kafka? Ou andam por aí e não os reconhecemos? Ou a própria ideia de novo como critério de avaliação estética não sobreviveu ao eclipse do modernismo? Aqui se conta como uma frase anódina de Harold Bloom provocou um debate animado.

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Entrevistado para o El País pela editora e tradutora Valerie Miles, o octogenário Bloom,  conhecido pela sua luta de décadas contra todas as tendências académicas que lhe pareçam ameaçar o primado do estético nos estudos literários, afirmou não ver hoje “nada de radicalmente novo” nas literaturas ocidentais.

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Entrevistado para o El País pela editora e tradutora Valerie Miles, o octogenário Bloom,  conhecido pela sua luta de décadas contra todas as tendências académicas que lhe pareçam ameaçar o primado do estético nos estudos literários, afirmou não ver hoje “nada de radicalmente novo” nas literaturas ocidentais.

Vinda de quem vem, a afirmação dificilmente se poderá considerar surpreendente. A obra mais célebre de Bloom, O Cânone Ocidental, é em boa medida a descrição de um progressivo enfraquecimento desse poder de criação literária que permite produzir obras verdadeiramente originais, uma chama que nesta “idade caótica”, para usar a expressão do crítico, só alguns poucos homens de génio teriam conseguido trazer ainda acesa do seu enfrentamento com os gigantes da tradição literária.

“Não me parece que na literatura contemporânea, seja em inglês, [designadamente] nos Estados Unidos, em espanhol, catalão, francês, italiano ou nas línguas eslavas, haja nada de radicalmente novo”, disse Bloom, acrescentando que já não há “grandes poetas” como Paul Valéry, Georg Trakl, Giuseppe Ungaretti ou Luis Cernuda, nem ficcionistas como Marcel Proust, James Joyce, Franz Kafka, ou Samuel Beckett, que considera “o último da grande estirpe”.

O que poderia ter sido rapidamente esquecido como mais uma entre muitas declarações de Bloom de teor equivalente acabou, no entanto, por gerar um debate interessante, ao qual o PÚBLICO agora acrescenta as opiniões dos ensaístas Pedro Eiras, Luís Mourão, Abel Barros Baptista e Rosa Maria Martelo, e ainda a do editor Francisco Vale, da Relógio D’Água.

Eiras acha que a busca do novo se tornou gratuita e defende, sim, uma literatura “extrema”. Mourão quer vê-la centrada naquilo que o cinema e a televisão não podem fazer por ela: usar a palavra para pensar o mundo e encontrar um ritmo próprio para o habitar. Barros Baptista parece estar a perder um bocadinho a paciência para tanto novo autor que não leu nada de significativo e que acha que para escrever um romance basta pôr-se a “falar da vida”. Rosa Martelo pergunta-se o que sucederá ao cânone estritamente literário de Bloom se no futuro próximo a criação privilegiar “formas compósitas”, que associem a literatura a outras artes com a naturalidade que as tecnologias digitais hoje permitem. Francisco Vale acredita que a literatura ainda nos reserva “magníficas surpresas” e sugere que o problema, hoje, não é tanto os Ken Follet conviverem com os Thomas Pynchon, é começar a haver pouca gente que dê pela diferença.

Memo entre os inquiridos pelo El País, são poucos os que concordam com o crítico americano, mas nem todos os que discordam adiantam exemplos de autores que desmentiriam o seu diagnóstico. Entre os que o fazem, o escritor mais consensualmente destacado é o alemão W. G. Sebald (1944-2001), autor de Os Emigrantes ou Austerlitz. Já em Portugal, Pedro Eiras e Luís Mourão apontam o caso singular de Gonçalo M. Tavares.

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A literatura quer-se extrema

Para Pedro Eiras, a doença actual da literatura, chamemos-lhe assim, é a sua “homogeneização a partir do cânone do romance” e, dentro do romance, em torno de um “realismo consensual e pacífico, de consumo fácil, que já não está a colocar questões”.

Assumindo que não tem a menor nostalgia das vanguardas, o ensaísta acha que “o novo é hoje uma aposta gratuita” e que “o que importa não é perguntar se um texto é novo, mas perguntar se é extremo”. Daí que critique Bloom por usar “uma linguagem que já não nos serve de nada”.

Os escritores que interessam a Eiras são esses “autores de textos extremos”, que “não estão ali para entreter ninguém, mas para fazer qualquer coisa de muito genuíno”. E para ser mais claro, dá o exemplo concreto de um autor português de hoje que lhe parece escapar tanto à repetição como à busca gratuita da novidade: Gonçalo M. Tavares. Referindo-se ao seu livro mais recente, Uma Menina Está Perdida no seu Século à Procura do Pai, nota que “tem personagens, acção, tempo e espaço” e “não é propriamente um romance desconstruído”, mas é “um texto que coloca perguntas a ele próprio e ao leitor”. Em Gonçalo M. Tavares, diz Pedro Eiras, “a máquina do romance não procura nem a novidade nem o entretenimento, está a colocar questões reais”.

Luís Mourão introduz outro aspecto da questão ao sublinhar que “a pergunta pelo novo não pode ser colocada do mesmo modo a uma literatura que teve quase a exclusividade da narrativa” e a uma outra que concorre “com o cinema, o vídeo e a televisão”.

Uma competição que obrigou a melhor literatura a especializar-se. Se nesta como em todas as épocas há “uma literatura light, mais comestível”, a que interessa a Mourão é “a que faz o que só ela pode fazer”, porque a literatura, diz, “ainda é a única arte que usa a palavra para pensar o mundo e, ao mesmo tempo, encontra um ritmo para estar no mundo”.

É pelo diverso modo como cada um dos autores articula estas duas dimensões que Mourão destaca Sebald, com “o seu ritmo lento e cumulativo e a forma de pensar a ele associada”, e Gonçalo M. Tavares, com “o seu ritmo rápido e o modo de pensar correspondente”. O ensaísta acha “um bocadinho irrelevante” saber se o que estes autores fazem “é novo”, mas observa que algumas das questões com as quais ambos se confrontam, como o Holocausto ou o exílio, “só se tornaram visíveis no nosso tempo, porque historicamente nos aconteceram a nós”.

Associando o primado do novo com o período do modernismo, Mourão nota que “nessa geração havia também uma ligação muito estreita entre os planos criativo e crítico”, com muitos autores, aliás, a assumir ambas as funções, uma situação que contrasta fortemente com a realidade actual: “a crítica quase desapareceu, o critério de avaliação tem mais a ver com as vendas e os prémios, e não há nenhum discurso crítico que defenda escolas ou princípios”.

Novidade e repetição

A Abel Barros Baptista parece natural que Bloom, que “leu a literatura moderna e coloca no centro do cânone o percurso histórico que leva ao modernismo”, ache que “o que há depois disso é repetição”. Mesmo hoje, diz, “a ideia de literatura que ainda sobrevive está muito baseada no novo” e “não aceitamos bem que uma literatura se faça através da repetição”. No entanto, se “os modernistas levaram à exaustão” essa busca do novo, Barros Baptista observa que mesmo nesse período havia, como houve sempre, “um vasto contingente de escritores” a engrossar as fileiras da repetição.

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Mais do que a ausência do novo, o que o ensaísta lamenta é a “grande infantilidade” de boa parte da literatura actual. “Há muitos escritores infantis, impreparados, sem densidade, gente que fala da vida, mas como ninguém tem hoje vida para falar da vida, a vida de que falam é a que vêem na televisão”.

E ao contrário dos autores do passado, que eram geralmente leitores fortes, a maior parte dos escritores portugueses actuais “não leu Tolstoi ou Balzac”, acredita Abel Barros Baptista. “O romancista de hoje já não tem que mostrar que leu o Proust, e pode escrever um romance sobre deixar de fumar sem querer saber se alguém já o fez, e isso é uma vitória do modernismo”.

Este tempo em que “o comércio tomou conta de tudo” também não é propício ao surgimento do novo, argumenta, já que o novo tende a exigir mais do leitor, a “perturbar a transmissão” da obra, e o comércio “gosta de produtos que sejam iguais aos que já tiveram sucesso”. Não por acaso, “as livrarias on line são estruturadas na lógica do ‘quem gostou deste livro, também gosta destes’”, observa Barros Baptista, que nem sequer acredita que esta espécie de Weltliteratur nivelada por baixo possa servir de trampolim para leituras mais exigentes: “É como essa história de que jogar xadrez nos torna mais inteligentes; torna-nos mais inteligentes a jogar xadrez”.

Follet vs Pynchon

Tal como Luís Mourão, também o editor da Relógio D’Água, Francisco Vale, sublinha a “atracção” que hoje exerce sobre os criadores literários “a escrita para o cinema e a televisão”, e admite mesmo como “provável” que “Jane Austen, Hemingway, Scott Fitzgerald, Camilo e Eça estivessem hoje, se fossem vivos, a trabalhar nessas áreas e não em romance”.

O responsável da Relógio D’Água vê várias razões para que as “grandes obras literárias” tendam hoje a ser relativamente raras: da “perda do estatuto de referência cultural e política dos escritores, iniciada nos anos 60 do século XX”, à “dificuldade da crítica e dos leitores em distinguir os mais ou menos competentes fazedores de bestsellers, de Ken Follett a Dan Brown e David Nicholls, dos romancistas que provavelmente irão perdurar, como Cormac McCarthy, Foster Wallace, Jonathan Franzen, Thomas Pynchon, Zadie Smith e, talvez, Karl Ove Knausgård”.

Vale reconhece ainda que “a saturação dos caminhos já percorridos pela ficção, ao longo dos séculos, contém a ameaça da repetição”. Mas nota que há hoje outros factores que contribuem para aumentar a diversidade, como “a acção recíproca dos diversos géneros literários e artísticos”, muito presente na ficção actual, ou “a afirmação de literaturas como as africanas, que se alimentam de tradições orais e das experiências de emigração”.

Olhando para trás, o editor vê contextos sociais e políticos que, desde a Grécia de Péricles, se revelaram propícios à criação literária — e lembra “o teatro inglês do período isabelino, a literatura russa entre a libertação dos servos e a Revolução de 1905, a poesia romântica inglesa, o romance do Centro da Europa, de Kafka, Musil e Broch”, ou ainda “a criação literária nos Estados Unidos, em particular no Sul, nos anos 30 a 50 do século XX” —, mas também épocas de “asfixia criativa”, como as que se viveram “na U.R.S.S., apesar de Bulgákov e Vassili Grossman, na Alemanha nazi, na China das últimas décadas ou nos estados sujeitos a hierarquias religiosas muçulmanas”.

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E é também por saber que há épocas e lugares mais favoráveis do que outros à criação literária que não se mostra catastrofista. Duvida que “estejamos perante um declínio da literatura” e não vê motivos para descrer que nos possam “aguardar magníficas surpresas”.

A obsessão da produtividade

Rosa Martelo concorda com Francisco Vale na convicção de que a triagem qualitativa das obras é hoje difícil e acha que a Universidade tem culpas nesse cartório. “A deificação da produtividade levada a cabo pelo capitalismo global também se faz sentir no plano das artes, literárias e não só, e na cultura”, diz. “Hoje, os autores de grande circulação não podem ignorar as lógicas do mercado, e mesmo quem estuda a literatura está sob os efeitos desta obsessão de produtividade”, o que, alerta, “gera em torno da criação literária uma espécie de linguajar constante, um ruído de fundo que nem sempre se traduz em muito que dizer”.

Como a generalidade dos inquiridos, a ensaísta também não duvida de que devemos em boa medida “às vanguardas históricas e à experimentação modernista” essa convicção de que “o valor estético tem a ver com a instauração do novo”. Mas acrescenta três ideias que podem ajudar a explicar por que é que, como sugere Barros Baptista, não conseguimos libertar-nos assim tão facilmente da forma mentis modernista.

A primeira é a de que “essas práticas do novo”, que passaram, por exemplo, pela “experimentação discursiva, a desagregação sintáctica ou a colagem”, se foram “tornando elas próprias canónicas e criando um gosto”. A segunda, que se liga com a anterior, foi desenvolvida pelo comparatista alemão Andreas Huyssen, que mostrou que nos anos 60 do século XX, “quando o pós-modernismo estava a emergir nos Estados Unidos, a Europa assistia a uma consolidação do modernismo”.

Em Portugal, “é só a partir dos anos 70 que se começa a pôr em causa essa ideia de novo”, diz Rosa Martelo, apontando as obras iniciais dos poetas Manuel António Pina e António Franco Alexandre como pioneiras da questionação irónica do novo. E mesmo assim, nota, ambos o fazem com “alguma ambivalência, como se estivessem a dizer: ‘Já não se pode escrever nada de novo, mas eu sou o primeiro a dizê-lo”.

A terceira ideia, a mais inquietante, resumiu-a o antropólogo Marc Augé na sua sugestão de que “a sobremodernidade é a transformação da modernidade em destino comum”. Isto é, interpreta Rosa Martelo, “a condição múltipla do sujeito, a evanescência das representações, aquilo que era o estilo dos modernistas, transformou-se na nossa vida quotidiana”. E a partir daí, diz, “ou a literatura representa isto, ou tenta contrapor-lhe alguma coisa”.

E o que se pode contrapor, pensa Rosa Martelo, talvez passe por novas sínteses que, sem prescindirem da autonomia estética conquistada pelo modernismo, mas também sem caírem na subordinação ideológica dos realismos sociais, “nos resgatem, pela autenticidade e singularidade discursivas, da mesmidade falsamente neutra e da  normalização”. Um caminho que, nestes tempos de “confluência entre palavra e imagem visual”, poderá vir a passar pela generalização de “novas formas compósitas” que “juntem a literatura com outras artes”, um cenário que, nota Rosa Martelo, “desestabilizaria a ideia bloomiana de cânone literário”.

Da Bíblia a Bloom

O inquérito do El País, conduzido pelo jornalista Winston Manrique Sabogal e publicado já no final de 2014, incluía, além dos testemunhos dos muitos entrevistados, dois textos de opinião, respectivamente assinados pelo argentino Alberto Manguel – o autor de Uma História da Leitura acha que é a própria frase de Bloom que nada traz de novo – e pelo escritor e ex-ministro da Cultura espanhol César Antonio Molina, que tende a concordar com o crítico americano, sugerindo que vivemos uma época de “intensidade ténue” e defendendo que não só “não há nada de radicalmente novo na criação literária”, como “provavelmente não voltará a haver”.

Manguel recua à Bíblia para lembrar que “em todas as épocas e culturas” há “vozes que se elevam”, como a de Bloom, para repetir a declaração do livro de Eclesiastes de que “não há nada de novo debaixo do sol”. Mas o seu argumento principal, que Luís Mourão e Rosa Martelo também enunciam doutros modos, é o de que a “ideia de novidade foi um conceito inventado pelos modernistas para justificar as suas experiências artísticas”.

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Esse propósito de inovar, observa, não passaria pela cabeça de Cervantes ou pela de Shakespeare: o primeiro “imitou deliberadamente a novela pastoral e de cavalaria” e o segundo “foi buscar vários dos seus argumentos a autores italianos”. No entanto, acrescenta, há em ambos “um tom, uma mudança de ponto de vista, uma revisão das ideias consabidas, que os convertem em algo único e notável”.

E Manguel acredita, ao contrário de Bloom, que vários autores continuam hoje a ter sucesso nessa alquimia e “iluminam o nosso século, como Cervantes e Shakespeare iluminaram o deles”. Escritores como Cees Notebom, com os seus “ecos de Ibn Batttuta e de Diderot”, W. G. Sebald, com os seus “vestígios de Sir Thomas Browne e do [Heinrich] Heine prosador”, Enrique Vila-Matas, com o que herdou de Laurence Sterne, Ismail Kadaré, continuando “a tradição de Heródoto e Homero”, Cynthia Ozick, que “estudou a obra de Henry James”, ou Pascal Quignard, com a sua “dívida a Montaigne”.

Servindo-se de Dante, um autor especialmente amado por Bloom, para enviar uma última farpa ao crítico americano, Manguel lembra que o autor da Divina Comédia condenou ao Inferno os que “foram tristes” no “doce ar que do sol se alegra”. Isto é, parafraseia o argentino, “aqueles que não sabem reconhecer no mundo a felicidade do que é criado sob o sol do dia de hoje”.

Uma condenação a que talvez o próprio César Molina não escape, já que o ex-ministro acha que enfrentamos “o ocaso das humanidades” e cita Bloom para defender que, em matéria de literatura, estamos “cada vez mais atulhados de lixo”. Um cenário para o qual concorrem, diz, “a industrialização a que submetemos a criação literária” e o facto de ser hoje dominante a “ideia de diversão e entretenimento”.

A excepção Sebald

Uma ideia que vários inquiridos glosam é a de que o novo na literatura só é relevante se de algum modo reflectir a tradição relativamente à qual inova. Um dos que salientam este ponto – que, aliás, o próprio Bloom decerto subscreverá, já que dedicou mesmo um livro, A Angústia da Influência, a teorizar esse processo – é o romancista espanhol Javier Cercas. A literatura, diz o autor de Soldados de Salamina, “é como a matéria: não se cria nem se destrói, só se transforma”.

Se Cervantes, Shakespeare ou Kafka tivessem sido “radicalmente novos”, defende Cercas, “não seriam tão bons”. Enrique Vila-Matas está de acordo: “Uma obra nova só tem sentido se se inscrever numa tradição, mas só tem valor nessa tradição se — como acontece com Diderot face a Sterne, com Joyce a respeito de Homero, ou com Valeria Luiselli quanto a Beckett — nos oferecer uma variação profunda, que nos devolva transformada a obra-prima” que lhe serviu de ponto de partida.

É também este mesmo critério que leva o ficcionista colombiano Juan Gabriel Vásquez a apontar W. G. Sebald como um autor “absolutamente novo”, justamente porque consegue, “apoiando-se na tradição”, levar a literatura “a lugares onde ela nunca tinha estado”.

Se a excepcionalidade de Sebald parece reunir um amplo consenso, vários inquiridos citam outros escritores, de Vila-Matas ao norueguês Karl Ove Knausgård, de Claudio Magris ao recém-nobelizado Patrick Modiano, da poetisa Anne Carson ao romancista português António Lobo Antunes, referido ao El País por Claudio López de Lamadrid, do grupo Penguin Random House.

Um dos mais interessantes testemunhos recolhidos pelo diário espanhol vem de Antonio Ramírez, da livraria La Central, que procura perceber por que é que, “como leitores, temos a sensação de que a literatura da primeira metade do século XX possui uma densidade, uma complexidade e uma força” que, por comparação, faz com que “a literatura de décadas mais recentes pareça lânguida”. Uma explicação, sugere, é que “as convenções literárias vindas do século XIX estão a esgotar-se totalmente” e, por isso, “a literatura contemporânea só alcança intensidade quando está muito consciente da fragilidade do solo sobre o qual se apoia, quando sabe que atingiu o limite, interroga a sua própria condição e tenta tornar explícitas as regras do jogo”.

Mas Ramírez adianta uma explicação complementar, e que talvez tenha alguns pontos de contacto com essa reivindicação de uma literatura extrema formulada por Pedro Eiras: a de que a intensidade que outrora encontrávamos na ficção migrou, nas últimas décadas, para os “testemunhos da experiência inenarrável dos campos de extermínio no século XX”. Nesta perspectiva, os sucessores de Joyce e Kafka chamar-se-iam hoje Primo Levi ou Imre Kertesz, Varlan Shalamov ou Jorge Semprún.