Museu Berardo: o ano da bomba-relógio
Em 2006, quando o Museu Berardo foi criado, houve desde logo quem dissesse que dez anos é pouco tempo, passa depressa. Aqui estamos. Em 2016, Estado e Berardo voltam a ter de negociar, o que faz de 2015 o último ano de funcionamento regular do museu – o que quer que “regular” queira dizer neste caso.
Assinado em Abril de 2006, esse protocolo, válido por dez anos, ficará vigente até Dezembro do próximo ano. Contratualmente, porém, será necessário que seis meses antes as duas partes interessadas voltem a falar e a conseguir chegar a novo acordo. Será, no máximo, em Junho de 2016, o que faz de 2015 o último ano de funcionamento regular do museu – o que quer que “regular” queira dizer no caso de uma instituição perante a qual o Estado entrou em incumprimento contratual logo no primeiro ano de funcionamento (mas lá chegaremos...).
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Assinado em Abril de 2006, esse protocolo, válido por dez anos, ficará vigente até Dezembro do próximo ano. Contratualmente, porém, será necessário que seis meses antes as duas partes interessadas voltem a falar e a conseguir chegar a novo acordo. Será, no máximo, em Junho de 2016, o que faz de 2015 o último ano de funcionamento regular do museu – o que quer que “regular” queira dizer no caso de uma instituição perante a qual o Estado entrou em incumprimento contratual logo no primeiro ano de funcionamento (mas lá chegaremos...).
Em relação ao timing das negociações, Berardo mostra-se tranquilo. “Ainda falta muito tempo”, diz-nos no início. Mas não é verdade. Um ano e meio não é margem substancial face a toda a década de avanços e recuos, hesitações, adiamentos, tensões, polémicas, ameaças e braços-de-ferro que antecedeu a criação do museu. Tudo derramado pela comunicação social em sucessivos títulos e manchetes com mais ou menos perfume de escândalo, mais ou menos sabor a fel, mais ou menos desejo de sangue.
Berardo tinha a mais importante colecção privada de arte do século XX em território nacional e queria que o Estado a transformasse num museu. Não um pequeno museu como o que tinha em Sintra, mas num museu em Lisboa e de escala internacional. Era isso ou tirava a colecção do país, o que, bem vistas as coisas, não interessava a ninguém. E, por isso, a batalha campal prosseguia.
Foi nos anos 1990. E o que aconteceu nos anos 1990 podia ter ficado nos anos 1990. Excepto que se arrastou anos 2000 adentro. E quando, por fim, se conseguiu um acordo também isso não chegou: as feridas antigas deram lugar a novas feridas e as críticas choveram sobre um acordo maioritariamente visto como negligente na protecção do interesse público face ao favorecimento dos interesses de um privado. Entregar o Centro de Exposições do Centro Cultural de Belém a uma fundação de direito privado – a Fundação Colecção Berardo – que, por sua vez, instalaria e assumiria a gestão, naquele espaço antes público, de um museu também com o nome do coleccionador e investidor madeirense foi, talvez, uma das decisões mais contestadas da história da Cultura portuguesa do pós-25 de Abril.
“Era inevitável”, diz hoje Alexandre Melo. Crítico e curador de arte, especialista em sociologia e cultura contemporânea, em 2006, Melo era o assessor para a Cultura do então primeiro-ministro José Sócrates. Foi uma das pessoas mais envolvidas nas negociações em que, à época, a ministra da Cultura, Isabel Pires de Lima, terá sido ultrapassada pelo responsável máximo pelo XVII Governo Constitucional.
Sócrates tomou posse para o seu primeiro mandato a 12 de Março de 2005. Um ano e um mês depois assinava-se o protocolo que dava origem ao Museu Berardo. De então para cá, Melo não voltou a pronunciar-se publicamente sobre um acordo que o então já Presidente da República Aníbal Cavaco Silva promulgou “com dúvidas” sobre os “poderes muito amplos” entregues a Berardo, presidente honorário vitalício da Fundação Colecção Berardo e o único a poder apontar ou demitir a direcção do museu.
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“Em qualquer negociação deste tipo é sempre possível uma parte acusar a outra de ter ficado numa situação melhor. É inerente a uma negociação”, diz Melo. Mas sublinha: “O que me parece indiscutível é que havia um objectivo fundamental e consensual e que foi conseguido nas melhores condições possíveis.”
Que objectivo? Dotar Portugal de uma grande colecção de arte internacional do século XX – a colecção que o Estado português não coligira em devido tempo. Isto, ou, como diz Melo, “permitir que o público português, por uma vez na sua história, tivesse a possibilidade de ver um pouco do que se fez no último século em termos de arte”.
Era esse o “objectivo estratégico geral”. E encaixava à medida no que foi então visto como um vazio: “O CCB”, continua Melo, “sempre teve uma característica – não exclusiva no que toca a grandes obras nacionais – que é ter sido construído sem quadro de referência consistente sobre o que se queria ali fazer não em seis meses mas em dez, 20 ou 30 anos, que seria o horizonte normal de quem toma a decisão de construir um espaço como aquele. Sem essa reflexão prévia, tornou-se num enorme espaço, com um potencial imenso, à escala portuguesa, mais ou menos vazio – o que estimula o humano desejo de qualquer responsável político ou administrativo de nele projectar aquela que pensa que será a melhor utilização.”
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Eis aqui, diz Melo, a origem “das diferentes críticas e resistências ao que quer que tenha acontecido ou venha a acontecer” com o Módulo 2 do Centro Cultural de Belém: “Quando um espaço é criado para ser um museu, ninguém vai contestar a sua função. Neste quadro [de vazio programático] é inevitável que existam críticas quase permanentes. Na minha opinião, uma coisa como a Colecção Berardo parece que foi feita para o CCB. O problema da maior colecção que havia em Portugal é que não tinha espaço, e o problema de um dos maiores espaços de Portugal nesta área é que não tinha nada para expor. Isto era óbvio quase desde o início. O acordo que foi feito, independentemente dos detalhes da negociação, foi o momento em que se reconheceu o óbvio em função de um objectivo mais ou menos indiscutível.”
Dois problemas: nem o Módulo 2 do CCB estava propriamente vazio, apresentando uma intensa e importante programação de exposições temporárias, nem a opinião pública alguma vez esteve disposta a passar ao lado dos detalhes da negociação.
Em Abril de 2011, Pedro Lapa tornou-se no segundo director do Museu Berardo. Em 2006, porém, estava à frente do Museu do Chiado – Museu Nacional de Arte Contemporânea. Antes, tinha programado também o Centro de Exposições do CCB. E foi uma das vozes críticas em relação a esses “detalhes” – os mesmos que em poucos meses poderão voltar a ensombrar o horizonte de uma instituição que, entretanto, se tornou numa referência de públicos, com quase cinco milhões de visitantes desde a criação.
“A minha crítica não foi feita nunca no sentido do valor, importância ou papel da colecção. Foi feita no sentido do modelo que o Estado encontrou, demasiado precário, para segurar esta colecção no contexto português. Foi a crítica que fiz e, infelizmente, penso que o que aconteceu e que está ainda por vir não deixa de me dar razão”, diz hoje Lapa.
Assim, tal como em 2006 se previa, findo o prazo inicial de dez anos de empréstimo da Colecção Berardo ao país, Portugal não exercerá certamente o seu direito de compra sobre um acervo de 862 obras avaliado pela Christie’s em 316 milhões de euros.
Não é a justeza deste valor que está em causa, sublinha Lapa. Simplesmente, já na altura em que o acordo foi fixado este valor representava dois orçamentos anuais da Cultura, recorda este responsável.
Por isso, a aquisição da Colecção Berardo pelo Estado sempre foi uma meta mais ou menos distante, quando não mesmo irrealista. E, entretanto, caiu ainda sobre ela a pior crise económica e financeira do mundo contemporâneo.
“Não era só segurar a colecção. A questão fundamental que se punha e que se pode vir a pôr é a da existência de um museu internacional de arte moderna e contemporânea”, continua Lapa. “Esse museu deveria ter sido uma prioridade constitutiva que depois pudesse albergar em si o depósito de uma ou eventualmente mais de uma colecção, garantindo a existência no tecido museológico nacional de um verdadeiro museu de arte moderna e contemporânea. Esta questão que levantei na altura não foi propriamente resolvida, porquanto no final de 2016, se o Governo e o comendador Berardo não chegarem a um acordo e o comendador legitimamente quiser levar a colecção para outro lado, o país fica sem museu.”
Segundo Lapa, este raciocínio leva a uma conclusão incontornável: “O problema não foi resolvido, foi adiado.”
Mas, uma vez mais, Berardo mostra-se tranquilo e confiante. Depois de nove anos de guerra aberta com dois sucessivos presidentes da Fundação Centro Cultural de Belém – António Mega Ferreira primeiro, Vasco Graça Moura depois –, o coleccionador e investidor madeirense saúda agora a chegada de “um homem com uma visão muito diferente”: António Lamas, o antigo responsável pela Parques de Sintra – Montes da Lua, cujo principal projecto é a criação de um eixo Ajuda-Belém que articule sob uma mesma presidência todas as instituições culturais do perímetro.
“Gosto dele. Vai directo ao assunto. Quer fazer uma coisa em grande”, diz Berardo, apontando como, até agora, o CCB tem sido “uma cobra com duas cabeças”.
A bicefalia persistirá enquanto no mesmo complexo existirem duas distintas fundações com dois distintos presidentes, museu de um lado, centro de espectáculos do outro. Tendo-se já reunido com Lamas, Berardo acredita que, apesar disso, “não há razão para não haver uma boa relação entre os dois lados”. E, depois dos conflitos públicos com Gabriela Canavilhas e Francisco José Viegas, mostra-se igualmente benigno no que toca ao actual secretário de Estado da Cultura, Jorge Barreto Xavier, com quem terá já tido conversas informais sobre o futuro do museu. Acontece que do lado de lá não vem generosidade equiparável: tanto Lamas como Barreto Xavier recusaram responder a quaisquer perguntas sobre o museu – nomeadamente sobre se entendem que o acordo com Berardo é para renovar e se, a sê-lo, se consideram que o museu se deve manter nas actuais instalações.
Balanço: positivo
Pouco depois de entrar em funções, em Outubro último, Lamas reconheceu desconhecer a actividade expositiva do museu. Mesmo assim, defendeu que a existência desta instituição impossibilita o CCB de receber exposições temporárias. Foi também taxativo quanto à gratuitidade de acesso de que Berardo não abre mão – “Como é possível faltar dinheiro e haver aqui um museu de graça?” – e repetiu o que Vasco Graça Moura foi defendendo: que “é caro para o CCB manter o museu”.
Terão sido cerca de 1,2 milhões de euros em gastos de primeira necessidade como segurança, climatização, água e electricidade. São gastos previstos no acordo assinado em 2006. E foi tendo-os em conta que a Fundação CCB sofreu cortes orçamentais inferiores a outras fundações – 20%, em vez de 30%. Persistem, por outro lado, dúvidas sobre com que verbas se programaria hoje o Módulo 2 sem uma Colecção Berardo.
Pedro Lapa recorda que, nos anos 1990, era habitual uma mostra temporária do Centro de Exposições custar acima de 100 mil contos (cerca de 500 mil euros). Entre os valores que refere de memória estão os 200 mil contos (um milhão de euros) que custou a grande mostra dedicada à pop, os mais de 100 mil contos (meio milhão de euros) de Life/Live e os 80 mil contos (400 mil euros) da exposição dedicada a Picabia. “São valores que não voltam”, diz este responsável.
Depois de o primeiro director do Museu Berardo, Jean-François Chougnet, ter programado com 2,5 a três milhões de euros anuais, neste momento, diz Lapa, o museu está a fazer a sua programação com cerca de 500 mil euros. E a prossecução do segundo dos desígnios protocolados – a aquisição de obras de arte – entrou em paragem total em 2011, após logo no primeiro ano de funcionamento do museu o Estado se ter começado a atrasar nos seus pagamentos.
Estatutariamente, por ano, Estado e Berardo teriam de participar com 500 mil euros cada para a aquisição de novas obras. Em 2008, o museu já vivia “um quadro de grandes dificuldades financeiras”. E, desde que chegou à direcção, há quatro anos, Lapa teve oportunidade de decidir uma única compra. Mesmo assim, desde 2007, entraram 140 novas obras, tanto de artistas internacionais como de portugueses de diferentes gerações. Peças cujo último destino é uma das incógnitas, constituindo uma das principais críticas ao acordo inicialmente assinado.
Foi uma das críticas de Lapa. E continua a ser. “É outra questão que me recordo muito bem de ter levantado, de facto. O problema dessa colecção era e é: ela destina-se a quê? A colmatar as lacunas que existem sempre mesmo nas melhores colecções, como a Berardo? A fazer uma colecção que se situe cronologicamente depois das 862 obras inicialmente protocoladas? A comprar apenas artistas nacionais? O sentido desta colecção nunca foi esclarecido. Eu não tive de optar porque quando cheguei ao museu já não existiam aquisições. O Estado desistiu declaradamente de pôr dinheiro e o comendador também. Portanto, nunca mais houve aquisições. Fiz apenas uma: uma peça histórica do Victor Pires Vieira, que tinha estado na Alternativa Zero. A partir daí não houve mais.”
Apesar de tudo isto, Lapa faz um balanço “extremamente positivo” da existência e actividade do museu. “Conseguiu-se finalmente ter uma colecção exposta em permanência que permitiu ao público português e não só ter uma visão desenvolvida da história da arte ocidental. Todos os portugueses que tinham de ir a Madrid e Paris para ver algumas peças relevantes hoje têm um museu em Lisboa. Por outro lado, grande parte do número de visitas, com valores que chegam aos 40%, quando não mais, é de escolas, ou seja: o papel formador deste museu é único.”
Talvez, diz este especialista, quem pior conhece tanto o museu quanto a sua colecção seja o próprio meio das artes: “Encontra-se muitas vezes um desconhecimento profundo. Acredito que as pessoas a terão visto a colecção uma vez ou duas em Sintra e não tiveram nunca noção da sua abrangência. Fala-se numa Agnes Martin e nem sabem que está representada, o mesmo para um Kosuth. É frequente entre especialistas.”
A culpa, diz Lapa, não é da programação. Depois de uma fase inicial de intensa actividade a nível de exposições temporárias, o museu passou entretanto a mostrar a sua colecção em permanência. Devido aos crescentes constrangimentos económicos, passou a usá-la também mais como base para as temporárias.
“Havia dúvidas – e eu próprio as levantei – sobre o facto de uma colecção instalada no Centro de Exposições ir abafar a actividade temporária”, diz Lapa. Antes da criação do museu, a actividade temporária do CCB era fundamental para a dinâmica do meio, um trajecto iniciado em meados da década de 1990 que corria o risco de, de repente, estancar. “Pois bem”, continua Lapa, “em resposta a isso o Chougnet dá continuidade a uma grande actividade temporária, por vezes até excessiva, na minha opinião. Já desde que eu estou como director, penso que estamos em défice em termos de actividade temporária. Desejavelmente, seríamos mais activos. Mas com os meios que temos não é possível. Deveríamos tratar não apenas as emergências artísticas, mas também fazer revisões. Tive oportunidade de fazer uma grande retrospectiva do Hélio Oiticica, mas outros artistas do mesmo plano histórico não tem sido possível. Não há possibilidade de fazer programação com a antecipação devida nem, sobretudo, meios financeiros.”
Este é o contexto deficitário que “faz com que a presença da Colecção Berardo em Belém não tenha correspondido à construção de um projecto museológico”, diz João Fernandes, antigo director do Museu de Serralves hoje no Reina Sofia, em Madrid. “É positivo o que se fez, mas muito mais poderia ter sido feito. Isso não é falta de competência dos que trabalham no museu, que têm feito um trabalho exemplar – é falta de condições de trabalho, de condições para programar, montar, fazer catálogos.
Faltou, inclusivamente, um projecto que permitisse rentabilizar a colecção em termos internacionais. E essa falta de projecto advém da falta de condições até para aquisições.”
João Fernandes diz que “é importante negociar a permanência da Colecção Berardo em Portugal, independentemente da capacidade do Estado em exercer o seu direito de aquisição”. Mas, para este especialista, esse é apenas o primeiro patamar de decisão e pensamento estratégico com que a actualidade nos confronta.
Oportunidade histórica
O desinvestimento público em projectos culturais é desde há muito notório e a crise económica tem penalizado duplamente a Cultura, mas, segundo João Fernandes, é possível adoptar outro prisma: neste momento, Portugal confronta-se com uma situação histórica de tal forma desvantajosa que acaba por constituir uma oportunidade ímpar de colmatar a “falta de estratégia do Estado em relação ao coleccionismo de arte contemporânea”.
Banco Português de Negócios (BPN), Banco Privado Português (BPP), Banco Espírito Santo (BES)... À medida que sucessivas instituições foram soçobrando, milhares de obras de arte foram ficando com destinos suspensos. Em relação à venda dos Mirós do BPN o Governo de Pedro Passos Coelho mostrou-se irredutível. Mas há também a colecção de arte do século XXI da Fundação Ellipse e a colecção de fotografia do BES.
“Uma forma de transformar os grandes problemas da crise económica dos últimos anos numa extraordinária vantagem para o futuro seria aproveitar as dificuldades. As obras da história da arte das últimas décadas que se encontram em Portugal podiam constituir uma megacolecção. É uma ocasião histórica”, diz João Fernandes.
Pedro Lapa e Alexandre Melo estão absolutamente de acordo. “Seria importante pensar de forma pragmática e voluntariosa na possibilidade de transformar coisas más em coisas boas, abordar as dificuldades como uma oportunidade”, diz Melo.
A convite de João Rendeiro, Melo foi um dos dois curadores portugueses da Ellipse. Ao lado de Lapa. E é este último quem acrescenta: "A Colecção Ellipse foi organizada com conhecimento da existência da Colecção Berardo, ou seja, o enfoque foi centrado nos últimos anos do século XX e primeiros do século XXI, dado que a Colecção Berardo e outras terminavam nos anos 1990. Deveria ser desígnio de qualquer ministro da Cultura e primeiro-ministro juntar ambas as colecções e constituir um museu. Seria seguramente o mais relevante da Península Ibérica e efectivamente relevante no quadro mundial.”
Com a sua propriedade ainda sob investigação e a gestão de obras entregue a um executor financeiro, a Colecção Ellipse representa um quebra-cabeças jurídico-financeiro sem resolução à vista. Tem, porém, uma enorme vantagem face à Colecção Berardo – “um valor acessível ao Estado português”, nas palavras de Lapa.
Nas cerca de 800 obras da Colecção Ellipse recorda-se de terem foram investidos 35 milhões de euros. Um valor que poderia agora ser negociado por baixo e os mesmos 35 milhões que a Christie’s garantiu ao Estado português pelo núcleo dos 85 Mirós do BPN. E depois há ainda a colecção do hoje extinto Instituto de Arte Contemporânea, que no ano passado deu entrada no Museu do Chiado. Tudo meios passíveis de reunir e potenciar.
“Ao voltar a colocar a questão do Museu Berardo, tem de ser colocada neste quadro mais geral”, diz Alexandre Melo. Quanto à guerra que já no próximo ano poderá voltar a instalar-se em torno do museu e que teria sido adiada com um acordo de mais longo prazo do que dez anos, Melo diz que é apenas uma questão de “consistência”: “O número de anos é irrelevante. Não sei o que é habitual ou padrão neste tipo de espaços. O que será importante é que se mantenha o objectivo. Essa constância é que é importante. Depois é evidente que há uma negociação, mas essa negociação é um pouco permanente. Qualquer acordo pode ser rescindido, actualizado, prolongado, melhorado – faz parte da dinâmica bondosa de uma negociação deste tipo.”
João Fernandes mostra-se igualmente pragmático: “A situação do Museu Berardo neste momento é o que é. Houve muita coisa que poderia ter sido feita de outra maneira, mas, agora, o que acho importante é preservar os núcleos importantíssimos de obras de arte que se encontram nessa como noutras colecções. Como se faz isso? Há muito por conversar. É preciso ouvir o comendador Berardo. É preciso encontrar quem tenha ideias para confrontar com as dele. De forma transparente, o interesse público tem de negociar as melhores condições possíveis para se proteger. Daquilo que conheço do comendador, ele nunca fugirá ao jogo dessa discussão.”
Com legislativas de permeio, resta saber quem se sentará à mesa com o comendador.