Rapazes começam muito cedo a ficar para trás nas escolas portuguesas

Relatório do Júri Nacional de Exames mostra que há mais raparigas a realizar o exame do 9.º ano do que rapazes, situação que inverte a registada no final do 1.º e 2.º ciclos.

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Há diversos estudos e alertas para o persistente insucesso e abandono escolar dos rapazes Nélson Garrido

Esta mudança de cenário volta a ser visível nos dados agora divulgados pelo Júri Nacional de Exames (JNE) sobre as provas finais realizadas em 2014. No 9.º ano, 51% destes exames foram realizados por raparigas, o que representa “uma inversão” por comparação à situação registada no 4.º e 6.º ano, alerta o JNE.

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Esta mudança de cenário volta a ser visível nos dados agora divulgados pelo Júri Nacional de Exames (JNE) sobre as provas finais realizadas em 2014. No 9.º ano, 51% destes exames foram realizados por raparigas, o que representa “uma inversão” por comparação à situação registada no 4.º e 6.º ano, alerta o JNE.

Com efeito, no final do 4.º ano, foram os rapazes que asseguraram 51% das provas realizadas e no 6.º esta percentagem subiu para 53%. Para onde foram então os miúdos neste pequeno intervalo de tempo? Segundo o JNE, não são razões demográficas que explicam a mudança, uma vez que “ao longo dos anos se tem verificado consistentemente um maior número de nados vivos do género masculino do que do feminino”.   

O que se está a passar nas escolas portuguesas poderá então, frisa o JNE, ser “ eventualmente explicado por um maior abandono escolar precoce do ensino básico geral por parte dos alunos do género masculino, nomeadamente por terem acedido a outras vias formativas de carácter mais profissionalizante”. Só que no ensino básico esta oferta é ainda residual: em 2012-2013, último ano com dados conhecidos, apenas cerca de 7% dos 381.836 alunos matriculados no 3.º ciclo estavam inscritos nestes cursos, onde os exames não são obrigatórios para a conclusão do 9.º ano.  

Nos últimos anos têm-se multiplicado, em vários países, os estudos e alertas para o persistente insucesso e abandono escolar dos rapazes. Em Portugal, a maioria dos que optam pelas vias profissionalizantes no básico são rapazes, como são também eles os que têm a presença mais significativa entre os repetentes.

Esta tendência verifica-se logo a partir do 2.º ano, quando começa a ser possível chumbar e acentua-se nos níveis de escolaridade mais avançados. Resultado: há mais rapazes do que raparigas fora da idade normal de frequência dos anos em que se encontram, o que poderá também explicar a razão por que nas provas finais do 9.º ano são ultrapassados em número, o que volta a acontecer de uma forma mais pronunciada nos exames do ensino secundário: em 2014, 55% dos 158.566 alunos que os realizaram eram do sexo feminino.

As diferenças entre rapazes e raparigas também são patentes nos resultados obtidos nos exames. No 4.º e 6.º ano elas saíram-se melhor a Português e eles a Matemática. No 9.º ano, no exame de Português, os resultados voltaram a mostrar “uma diferença muito acentuada entre géneros”, frisa o JNE, com as raparigas a somarem mais de metade das notas positivas. E também já a estarem em preponderância entre os melhores resultados a Matemática, ao contrário do que se verificou no 1.º e 2.º ciclos. Situação que se repete com maior expressão nos exames do secundário.

A média obtida pelos alunos do género feminino no exame de Português do 12.º ano de 2014 foi de 11,2 contra os 10,2 alcançados pelos rapazes. A Matemática elas tiveram 8,1 e eles 7,5. As únicas disciplinas em que a média dos rapazes foi superior à das raparigas foram Geometria Descritiva, Economia, Geografia e História. “Esta situação é bastante consistente com os dados referentes aos anos anteriores”, frisa o JNE.

Confusão no 2.º ciclo
Outras diferenças salientadas no relatório do JNE. No exame de Português do 12.º ano “a média das classificações dos alunos dos cursos científico-humanísticos é bastante mais elevada do que a média dos alunos dos restantes cursos, salientando-se o baixo valor da média obtida pelos alunos dos cursos profissionais”. Estão nesta via já cerca de 40% dos alunos do secundário, mas só são obrigados a realizar exames os que pretendem prosseguir estudos no ensino superior. A média dos que realizaram o exame de Português foi de 7,6 (numa escala de 0 a 20). Nos cursos científico-humanísticos foi de 11.

O “fosso” entre uns e outros foi ainda maior nos exame de Matemática A, também do 12.º ano, com os alunos dos cursos profissionais a ficarem-se por uma média de 3,1 contra os 8,2 do ensino regular. Neste exame “metade dos alunos dos cursos profissionais” obteve classificação inferior a 2, nota ainda o JNE.

Matemática A foi um dos três exames do secundário com médias de classificações mais baixas. Foi também a esta disciplina que houve um maior número de provas realizadas na 2.ª fase, destinada aos que chumbaram na 1.ª ou que pretendem melhorar a nota obtida - quase 60% dos alunos que realizaram prova na 1.ª fase repetiram na 2.ª fase.

Por outro lado, e no que respeita às provas finais do 2.º ciclo, as alterações registadas este ano, com a introdução de uma segunda fase a realizar em Julho, foram mal comunicadas por várias escolas, tendo mesmo enganos na informação sobre a hora de realização destes exames, o que se traduziu “num aumento do número de alunos que se viram em situação de retenção por falta a uma prova de âmbito nacional”. No relatório do JNE acrescenta-se que “após análise das situações descritas e de autorização superior, foi permitido a título excepcional, a realização de provas finais ou de equivalência à frequência aos alunos que dependiam destas” para passar de ano.

Correcção de provas problemática
No relatório sobre as provas de 2014, o JNE destaca como aspectos “mais problemáticos” as datas em que se realizou a 1.ª fase das provas do 1.º e 2. º ciclos e a forma como está organizado a bolsa de professores classificadores, responsável pela correcção das provas do ensino secundário.

Por ter coincidido com a actividade lectiva dos docentes destacados para corrigirem os exames, o calendário das provas do 1.º e 2. ciclos, realizadas em Maio quando as aulas ainda estão a decorrer, levou a um “esforço acrescido para conciliar o trabalho nas escolas com a execução do serviço de exames”. O JNE adianta a este respeito que as direcções das escolas “nem sempre cumprem o estipulado”, porque deviam dispensar os professores classificadores de todo o outro trabalho escolar. Este ano aquelas provas voltarão a realizar-se em Maio. Em resposta a questões do PÚBLICO, o Ministério da Educação e Ciência, através da sua assessoria de imprensa, lembrou que o calendário as provas "é actualmente aprovado com cerca de um ano de antecedência, para permitir às escolas que preparem atempadamente toda a logística associada". 

Em 2014, também mais uma vez se verificou que houve professores a corrigir provas do secundário sem cumprirem os requisitos para o efeito, “por exemplo a leccionação do ano de escolaridade a que respeita o exame da disciplina”, sublinha o JNE. Razão para tal: a bolsa de professores classificadores, formada em 2010, “ficou rapidamente desactualizada com professores que deixaram de leccionar o ano escolaridade” em que estavam quando da sua constituição. O JNE propõe, por isso, que esta bolsa seja “reformulada” e “actualizada anualmente, tendo em conta que alguns docentes que a integram não têm contacto funcional com os respectivos programas curriculares para que foram designados como professores classificadores”. O MEC informou que "está a trabalhar na melhoria deste sistema". "Estamos a analisar os dados recolhidos em anos anteriores para melhorar o processo de classificação e garantir que as provas são classificadas pelos professores com experiência e formação adequada para o fazer", precisou.

O JNE considera também que, embora legal, “a atribuição de 60 provas de exame aos professores classificadores foi excessiva”.