Cinemateca mostra cinema colonial português, esse desconhecido

É uma oportunidade rara para entrar num espólio fílmico quase desconhecido da história do cinema português – a colecção colonial da Cinemateca Portuguesa.

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Assim fala Marcello Caetano num filme raramente visto, Le Portugal D’Outre Mer Dans Le Monde d’Aujourd’Hui, de 1971, uma apologia da originalidade portuguesa firmemente ancorada no conceito de luso-tropicalismo concebido pelo sociólogo brasileiro Gilberto Freyre: a ideia de que Portugal era mais naturalmente inclinado para a democracia racial do que outros colonizadores europeus. Le Portugal D’Outre Mer... é uma espécie de volta ao mundo das colónias portuguesas, de Macau a Timor, exibindo as marcas da presença portuguesa nesses territórios como ainda hoje seria talvez possível numa reportagem televisiva. Não é um discurso colonial presunçoso ou abertamente racista que aí se exibe. Sem deixar de ser um filme de suave propaganda, é um regime já na defensiva, consciente dos seus problemas, que se vê em Le Portugal D’Outre Mer...

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Assim fala Marcello Caetano num filme raramente visto, Le Portugal D’Outre Mer Dans Le Monde d’Aujourd’Hui, de 1971, uma apologia da originalidade portuguesa firmemente ancorada no conceito de luso-tropicalismo concebido pelo sociólogo brasileiro Gilberto Freyre: a ideia de que Portugal era mais naturalmente inclinado para a democracia racial do que outros colonizadores europeus. Le Portugal D’Outre Mer... é uma espécie de volta ao mundo das colónias portuguesas, de Macau a Timor, exibindo as marcas da presença portuguesa nesses territórios como ainda hoje seria talvez possível numa reportagem televisiva. Não é um discurso colonial presunçoso ou abertamente racista que aí se exibe. Sem deixar de ser um filme de suave propaganda, é um regime já na defensiva, consciente dos seus problemas, que se vê em Le Portugal D’Outre Mer...

O filme, realizado pelo francês Jean Leduc, é exibido esta tarde, às 18h30, na Cinemateca Portuguesa, juntamente com três curtos filmes do período colonial português. É uma oportunidade rara para entrar num espólio fílmico quase desconhecido da história do cinema português – a colecção colonial da Cinemateca Portuguesa, correspondente ao período entre 1923 e 1974. Tão desconhecido que até mesmo investigadores que têm estudado o colonialismo português não viram os filmes ou nem sequer sabem onde e como aceder a eles.

Maria do Carmo Piçarra, investigadora com livros publicados sobre o cinema do Estado Novo e que fez o seu doutoramento sobre os filmes de propaganda colonial, nota que “começa a haver cada vez mais investigadores interessados em trabalhar imagens e representações coloniais”, mas ainda há muitos arquivos e materiais – não só de imagem – que não têm sido consultados.

“Por exemplo, a pouco e pouco tenho vindo a encontrar no Arquivo Histórico-Diplomático pastas confidenciais de documentos sobre a produção de filmes de propaganda que nunca tinham sido abertas após o 25 de Abril”, diz.

Essa obscuridade tem custos. “Continuamos a ter um problema com o nosso passado e com a nossa memória. Temos um problema em assumir as coisas que fazemos mal e continuamos a cometer os mesmos erros.”

Maria do Carmo Piçarra organizou esta sessão na Cinemateca essencialmente para apresentar a colecção colonial da Cinemateca aos investigadores interessados no período colonial. “Muitos não sabem como se vai ao Arquivo Nacional das Imagens em Movimento [ANIM, o arquivo fílmico da Cinemateca, localizado em Bucelas, Loures] ou não sabem como usar a colecção colonial”, diz. A sessão é também uma tentativa de constituir uma rede de partilha de conhecimento para além da academia, de forma a “potenciar o trabalho uns dos outros em vez de estarmos todos nos nossos quintaizinhos”, diz.

A colecção colonial da Cinemateca Portuguesa corresponde a um espólio de filmes da antiga Agência Geral do Ultramar, que foi confiada àquela instituição em 1982. Uma parte considerável desse fundo já se perdera. Só a partir de 1996, com a abertura do ANIM, é que a Cinemateca começou a “visionar esses filmes e a saber o que tínhamos em mão”, explica Joana Pimentel, responsável pelas aquisições e depósitos no ANIM. A prioridade da Cinemateca tem sido a preservação desse material; a análise do seu conteúdo aguarda as contribuições de historiadores e outros investigadores.

Maria do Carmo Piçarra gostaria de criar um projecto em Portugal semelhante ao Colonial Film Database, um site com informação detalhada sobre os filmes produzidos pelo colonialismo britânico. Além de ser uma base de dados onde uma parte desse filmes está disponível para visionamento, o site contém análises de uma extensa comunidade de investigadores.

A sessão desta tarde não inclui apenas filmes de propaganda do regime como Le Portugal D’Outre Mer, mas também filmes-contraponto como Streets of Early Sorrow (1963), uma deambulação melancólica e curta filmada com câmara ao ombro nas ruas de Londres reminiscente de John Cassavetes e Chris Marker, onde estão presentes os temas do exílio e do apartheid sul-africano. O filme foi realizado por Manuel Faria de Almeida quando estudou cinema em Londres, e ganhou um prémio num festival em Amesterdão. O realizador Tony Richardson terá convidado Faria de Almeida para ser seu assistente de realização mas o português teve de recusar porque a bolsa de estudo obrigava a que voltasse à metrópole. De Faria de Almeida irá mostrar-se também Um Safari Fotográfico nas Coutadas da Safrique (1972), pequeno filme rodado em  Moçambique, dando conta de “um realizador que tem um olhar anti-colonial, e que a dada altura, para sobreviver, tem de fazer filmes de propaganda turística”. A sessão inclui ainda Monangambée (1968), ficção de Sarah Maldoror, realizadora francesa de origem guadalupense, baseada num conto de Luandino Vieira. Todos os filmes são exibidos na Cinemateca pela primeira vez.