O Ouro de Minas e as valências de Alceu

Em Lisboa, o concerto de Alceu Valença com a Orquestra Ouro Preto foi merecidamente aplaudido. Uma prova de que popular e erudito podem partilhar as mesmas paixões.

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Valencianas, o trabalho que o cantor e compositor pernambucano Alceu Valença (nascido em São Bento do Una, a 1 de Julho de 1946) apresentou nestas duas salas, não é apenas mais um disco dos muitos que gravou, é uma revisitação da sua obra com o envolvimento da Orquestra Ouro Preto, jovem e dinâmica formação de Minas Gerais dirigida pelo maestro Rodrigo Toffolo. Isto quer dizer que, para além de novos arranjos, várias das suas canções foram transformadas em peças orquestrais, das quais a mais arrojada é a suite que abre o concerto. Intitulada Abertura valenciana, mistura vários géneros (lamento sertanejo, martelo alagoano, aboio, cordel, embolada) numa envolvência de cordas, percussões e marimbau, instrumento de uma só corda percutida como a do berimbau mas aplicada numa caixa e tocada como numa guitarra “slide”.

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Valencianas, o trabalho que o cantor e compositor pernambucano Alceu Valença (nascido em São Bento do Una, a 1 de Julho de 1946) apresentou nestas duas salas, não é apenas mais um disco dos muitos que gravou, é uma revisitação da sua obra com o envolvimento da Orquestra Ouro Preto, jovem e dinâmica formação de Minas Gerais dirigida pelo maestro Rodrigo Toffolo. Isto quer dizer que, para além de novos arranjos, várias das suas canções foram transformadas em peças orquestrais, das quais a mais arrojada é a suite que abre o concerto. Intitulada Abertura valenciana, mistura vários géneros (lamento sertanejo, martelo alagoano, aboio, cordel, embolada) numa envolvência de cordas, percussões e marimbau, instrumento de uma só corda percutida como a do berimbau mas aplicada numa caixa e tocada como numa guitarra “slide”.

Essa foi a abertura no Tivoli, tal como no disco (aliás, o alinhamento do espectáculo seguiu-o sem alterações), e foi efusivamente aplaudida. Nessa altura, Alceu não tinha ainda entrado em palco, deixando a ribalta e as honras à orquestra. Quando finalmente o fez, por entre aplausos, foi para cumprir a sequência pré-determinada: Sino de ouro, Ladeiras e Cavaco de pau, saudado e aplaudido logo aos primeiros acordes. Uma versão épica, dramática, verdadeiramente excelente. Coração bobo, um agitador-mor de plateias, manteve a fasquia alta. Mérito dele e da sua música.

Depois, voltaram os instrumentais. Uma sequência onde ritmo e lirismo surgiram alternados, primeiro com a suavidade de Talismã (com a “voz” principal entregue a um violoncelo), depois com a batida sincopada de Estação da luz (aqui ouviram-se os primeiros “bravo!” e “lindo!” na plateia), passando em seguida à melancolia de Porto da saudade e encerrando com a acelerada marchinha Acende a luz, composição bem mais recente mas nem por isso menos aplaudida.

O regresso de Alceu ao palco fez-se com Junho, como previsto (dedicou o tema a José Eduardo Agualusa, “um grande escritor que se encontra aqui presente”), passando depois a Sete desejos e La belle de jour (tema com nítida influência de Elvis Presley) misturada com Girassol. O que se seguiu foi uma festa: Tropicana, outro dos seus maiores sucessos (integrou o excelente disco Cavalo de Pau, de 1982) pôs o público, com uma forte presença brasileira, a ecoar-lhe os versos e levou Alceu a brincar com variantes, como “Ó minha gente lusitana/ cante agora por favor” ou “Ó minha gente tão bacana/ eu quero o teu sabor”. Para alguns, foi o delírio.

Mas o momento mais tocante terá sido o encerramento com a belíssima Anunciação, a que os arranjos orquestrais de Mateus Freire dão o estatuto de ode triunfal: “Tu vens, tu vens/ eu já escuto os teus sinais.” Ouro de Minas (o da orquestra) e filigranas do Nordeste (as de Alceu) em comunhão absoluta.

O que sobrava para o encore? Nada, já tudo havia sido tocado. Por isso, depois de brincar com o ritual dos encores (por que teria ele de ficar atrás da cortina à espera, por que não podia esperar no palco pelo final dos aplausos?) e multiplicar agradecimentos e vivas (gritou “Viva a Cultura!”, comentando num aparte: “Entretenimento eu acho um saco”), Alceu pôs à “votação” as canções que iria repetir. Ganhou Coração bobo, com palmas mais fortes (e ele cantou-a em parte, limitando-se na outra a “reger” o imenso coro que tomou de assalto a canção), mas a segunda mais “votada” também teve o seu momento: Tropicana. Até que: “Mas que gente tão bacana/ agora é que me vou”. E foi mesmo, quando o espectáculo já atingira o auge. Valências de Alceu.

Para os interessados, como adenda aos concertos, é lançado em Lisboa esta quinta-feira, 22 de Janeiro, o primeiro livro de poemas de Alceu Valença, intitulado O Poeta da Madrugada, com edição simultânea em Portugal e no Brasil. Com chancela da Chiado Editora, a sessão de lançamento é no Vestigius (Cais do Sodré, Armazém A, n.º 17), às 18h, na presença do autor.