As pessoas são sacos com histórias dentro

Façam-se livros, gravem-se vozes, desenhem-se bonecos. Temos de tornar o passado ainda mais imortal, fazê-lo sobreviver para além das gerações e gerações que hão-de perecer depois de nós

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Julian Ortiz | Flickr

Uma das maiores sortes dos milhares de sujeitos que partilham comigo esta profissão é a de termos uma legitimidade inata para fazer perguntas a estranhos. Perguntas até do foro mais íntimo: “conte-me lá como foi aquele dia em que o seu melhor amigo morreu” ou “quais foram as razões que o levaram a pensar em assassinar a sua mãe?”. Mas não é a carteira profissional que nos dá essa capacidade; é, isso sim, o atrevimento, a curiosidade de saber mais sobre os que não conhecemos. É um fascínio pelos pontos de interrogação.

A verdade faz-nos mais fortes

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Uma das maiores sortes dos milhares de sujeitos que partilham comigo esta profissão é a de termos uma legitimidade inata para fazer perguntas a estranhos. Perguntas até do foro mais íntimo: “conte-me lá como foi aquele dia em que o seu melhor amigo morreu” ou “quais foram as razões que o levaram a pensar em assassinar a sua mãe?”. Mas não é a carteira profissional que nos dá essa capacidade; é, isso sim, o atrevimento, a curiosidade de saber mais sobre os que não conhecemos. É um fascínio pelos pontos de interrogação.

Os pontos de interrogação são armas formidáveis. Armas não: instrumentos. Instrumentos que descobrem os céus límpidos para lá da nuvem que se carregou de trovoadas. (ab)Use-se das perguntas, saiba-se mais, conte-se mais. Porque as pessoas são sacos vivos com histórias dentro.

Assim como a música nos resgata a alma, as histórias são professoras na arte de viver. Seremos sempre capazes de estabelecer paralelos entre a vida do outro e a nossa. E se tivesse sido eu naquela situação?, o que faria? Mais ou menos como a literatura, as histórias dos estranhos humanizam-nos, tornam-nos menos seres maquinais comprometidos com as obrigatoriedades do quotidiano e recordam-nos que, no final do dia, não somos computadores que entram em "stand-by" à espera que a sessão seja retomada.

Existe, contudo, um trágico senão: as histórias têm prazo de validade. E isto não é como os iogurtes, nos quais podemos ver a tinta afirmar com peculiar certeza que aquele lacticínio deixará expirar a sua qualidade dentro de duas semanas. As histórias podem desaparecer de um dia para o outro, sem que o esperemos. A terra há-de reclamar os donos dos contos, e depois? Morrem os vivos e fica para sempre perdido um pedaço de humanidade? Não o havemos de permitir.

Façam-se livros, gravem-se vozes, desenhem-se bonecos. Temos de tornar o passado ainda mais imortal, fazê-lo sobreviver para além das gerações e gerações que hão-de perecer depois de nós. Criar tradições de entregas e culturas aos filhos, aos netos, aos bisnetos, aos trinetos e daí em diante. Tudo em nome das histórias. Se os humanos não fossem particulares adeptos das escavações e dos olhares de esgulha para o espelho retrovisor, ainda hoje não saberíamos das odisseias e das ilíadas, dos frankensteins e dos dráculas e dos dorian greys, dos eças e dos padre antónio vieiras. Que se faça então mais material que encontre o caminho certo até às mãos dos arqueólogos do século XXXIV.

Não é preciso ser jornalista para prestar atenção ao que os outros têm para nos dizer. Nem é, sequer, necessário trabalhar com letras. Basta fazer uso dos ouvidos e dos olhos com que a natureza nos muniu. Lançar uma pergunta ao ar e deixar-nos estar, assim, a ouvir. A deixar que as imagens se nos nasçam na mente à medida que se desvelam os contos que os outros nos contam. Acode por histórias, presta-lhes a devida atenção e, já agora, conta-me também a tua.