Este livro vai daqui a Gaza em nome da literatura (e não só)
"Que Luz Estarias a Ler?" homenageia as mais de 500 crianças mortas na faixa de Gaza entre Julho e Agosto de 2014. Mas o livro de Ana Biscaia e João Pedro Mésseder é também uma homenagem à literatura e quer chegar às escolas portuguesas
Há uma escola transformada em escombros, manchas de sangue infiltradas e aquele silêncio depois das bombas. Há um menino levado em braços e uma menina mergulhada em lágrimas que salva livros entre os destroços. Tudo isto é ficção na história de Ana Biscaia e João Pedro Mésseder, mas foi realidade na faixa de Gaza, onde, entre Julho e Agosto de 2014, “quase cinco centenas de crianças palestinas foram mortas pelas bombas do exército israelita”.
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Há uma escola transformada em escombros, manchas de sangue infiltradas e aquele silêncio depois das bombas. Há um menino levado em braços e uma menina mergulhada em lágrimas que salva livros entre os destroços. Tudo isto é ficção na história de Ana Biscaia e João Pedro Mésseder, mas foi realidade na faixa de Gaza, onde, entre Julho e Agosto de 2014, “quase cinco centenas de crianças palestinas foram mortas pelas bombas do exército israelita”.
É para as homenagear — a elas e a todas as crianças que são vítimas de conflitos — que o livro “Que Luz Estarias a Ler?” existe. Mas a mensagem por detrás desta pequena história, ilustrada por Ana e escrita por Mésseder, vai muito além disso. A ilustradora andava em busca de tema para uma história que queria desenhar para o Festival de Banda Desenhada e Ilustração de Treviso, em Itália, quando se cruzou com umas “raras imagens” de uma menina que recolhia livros das ruínas da sua antiga escola na faixa de Gaza. “Aquele gesto causou-me um grande impacto, ela não está a salvar um objecto qualquer. Está a salvar livros.”
A decisão de pegar no tema foi quase automática (e a de convidar Mésseder , com quem já havia trabalhado antes, para escrever também). E de uma história dramática nasceu uma forte metáfora sobre a importância da literatura: “Havia uma imagem da Ana Biscaia que mostrava um menino com o livro do Pumuk na mão. Achei que, perante aquilo, os livros, a cultura e as bibliotecas não podiam deixar de ser erigidas como uma espécie de símbolo da paz”, comenta João Pedro Mésseder.
Na primeira pessoa, o livro da Xerefé Edições (criada especialmente para este exemplar) conta a emocionante história de Aysha, uma menina que perde Kalil num bombardeamento à escola deles mas que encontra nos livros uma ligação eterna com o amigo. “Preferimos realçar determinados valores intemporais — a paz, o valor da leitura, da amizade, da memória. A guerra é sempre inaceitável e quisemos realçar isso em detrimento de questões mais políticas”, disse ao P3 o escritor. Mas a política é incontornável quando se fala do conflito israelo-palestiniano — e os autores sabem bem disso: “As coisas foram feitas com uma consciência de vida. Mas muita gente me perguntou se tinha consciência de que estava a fazer um livro político. Nós estamos a retratar uma cena de guerra e isso nunca será fácil”, completou Ana Biscaia.
"Perceber a guerra"
Só entre Julho e Agosto do ano passado foram mortos mais de dois mil palestinos, 70% deles civis, e foram destruídos ou gravemente danificados 18 mil edifícios. A Organização das Nações Unidas ainda acolhe 65 mil palestinos nas suas instalações locais.
Os desenhos da ilustradora — que eram inicialmente apenas dois, de grande dimensão, e foram sendo divididos — começaram por ser a preto e branco. Depois foram coloridos: com as “cores do conflito, de pó, o pó da guerra”. Com o texto, houve também um processo de afinação: “A atitude salvadora daquela menina, salvadora do saber e da cultura, ela própria símbolo de paz, fez com que o texto fosse escrito de jacto. Depois foi revisto para o despojar ainda mais, para lhe retirar palavras, adjectivos, considerações. Quis reduzir tudo ao essencial.”
“Que Luz Estarias a Ler?” “não é um livro só para crianças”, garante Ana Biscaia: “É para ser lido por toda a gente, porque é urgente que se perceba melhor o que significa viver dentro de uma guerra”. É essencialmente essa distância que os autores gostavam de ver encolhida por este livro: “Vamos tendo pequenos sinais aqui mais perto de coisas relacionadas com violência, mas não acordamos com bombas a caírem-nos em cima e com aviões a sobrevoar as nossas casas e com a hipótese de morrer a qualquer momento”, verbaliza Biscaia.
O livro teve uma edição de apenas 500 exemplares, mas os autores gostavam que a mensagem não ficasse por aqui. Ainda durante o mês de Janeiro, Biscaia e Mésseder vão fazer “apresentações em escolas e bibliotecas de diversas cidades” e gostavam de ver “Que luz Estarias a Ler?” ser comprado por essas mesmas escolas para que servisse de ferramenta para abordar esta temática complexa com as crianças.