Eficácia de alas especiais para detidos radicais questionada por imãs e académicos

Autor do estudo O Islão nas Prisões, Khosrokhavar estima que há 400 a 600 detidos radicais e defende que é preciso “humanizar os centros de detenção”.

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Mais de metade dos detidos em França são muçulmanos Regis Duvignau/Reuters

Se os dados oficiais indicam que grande parte dos detidos por “terrorismo islamista” se radicalizou fora dos centros de detenção – principalmente os jovens que têm regressado da Síria ou do Iraque –, a verdade é que os responsáveis pelos últimos atentados em França estiveram quase todos presos. “A prisão é a melhor escola de criminalidade”, afirmava em 2008 Amedy Coulibaly, o homem que terá ajudado os irmãos Saïd e Chérif Kouachi a comprar as armas com que atacaram a redacção do jornal Charlie Hebdo no dia 7 e que nos dois dias seguintes matou uma polícia municipal e quatro judeus numa mercearia de Paris.

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Se os dados oficiais indicam que grande parte dos detidos por “terrorismo islamista” se radicalizou fora dos centros de detenção – principalmente os jovens que têm regressado da Síria ou do Iraque –, a verdade é que os responsáveis pelos últimos atentados em França estiveram quase todos presos. “A prisão é a melhor escola de criminalidade”, afirmava em 2008 Amedy Coulibaly, o homem que terá ajudado os irmãos Saïd e Chérif Kouachi a comprar as armas com que atacaram a redacção do jornal Charlie Hebdo no dia 7 e que nos dois dias seguintes matou uma polícia municipal e quatro judeus numa mercearia de Paris.

Foi na prisão de Fleury-Mérogis, a maior da Europa, num subúrbio a sul de Paris, que Coulibaly conheceu Chérif Kouachi e ambos encontraram Djamel Beghal, jihadista condenado por conspirar para atacar a embaixada dos Estados Unidos em Paros, em 2001. As condições actuais em Fleury-Mérogis são menos más do que há seis anos, quando um grupo de detidos, incluindo Coulibaly, filmou clandestinamente um quotidiano de violência, tectos a cair, águas paradas e detidos a congelar de frio. Mas a prisão, como muitas em França, continua sobrelotada.

Coulibaly estava preso por roubo, Kouachi por ter tentado viajar para o Iraque onde queria combater a ocupação norte-americana. O seu advogado, Dominique Many, diz que mudou entre 2005, quando foi detido, e 2008, quando chegou a julgamento. No início encontrou apenas um “jovem perdido”, não radicalizado, disse nos últimos dias aos jornais franceses, lembrando que em tribunal Kouachi recusou responder à juíza por se tratar de uma mulher. 

Kouachi e Coulibaly não foram os únicos envolvidos em atentados recentes a passar pela prisão. Mohamed Merah, morto pela polícia em 2012, depois de assassinar três militares e quatro judeus (incluindo três crianças alunas de uma escola judaica) em Toulouse teve uma infância de delinquência e cumpriu duas penas por roubo. Falava de uma “inspiração divina” para descrever a sua experiência atrás das grandes. Medhi Nemmouche, o francês detidos o ano passado por ter assassinado quatro pessoas no Museu Judaico de Bruxelas, também passara cinco anos numa prisão, onde terá começado a praticar um islão fundamentalista.

A França não recolhe dados estatísticos de religião ou etnia, mas um relatório parlamentar de 2014 fala de 60% de muçulmanos entre os 68 mil detidos do país, uma proporção mais alta junto às grandes cidades como Paris, Lyon ou Marselha. Isto quando os muçulmanos representam entre 6 a 8% da população.

O islão nas prisões, assinado pelo sociólogo Farhad Khosrokhavar em 2004, foi o primeiro estudo do género em França. Na altura, segundo o especialista em radicalização e investigador da Escola de Altos Estudos em Ciências Sociais, a proporção de muçulmanos nas prisões oscilava entre os 50 e os 80%. Nalguns estabelecimentos prisionais, os filhos de magrebinos eram “dez vezes mais do que os outros, essencialmente jovens, dos 18 aos 35 anos, vindos dos subúrbios”. 

Falta de imãs
Hoje, Khosrokhavar estima que mais de metade dos detidos são muçulmanos – 300 a 400 serão radicais – e diz que muitos dos problemas que encontrou há mais de uma década se mantêm, como a falta de imãs para acompanhar os presos ou a ausência de alimentos que cumpram as práticas do islão. De acordo com os dados mais recentes, há 178 imãs a trabalhar nas prisões (muitos são voluntários e ocupam-se de vários estabelecimentos para além da sua mesquita) para quase 700 sacerdotes católicos.

Na prática, isso faz com que em várias prisões não se realize sequer a oração da sexta-feira, a mais importante da semana, por falta de um líder religioso que a lidere. O resultado é que alguns integristas, “uma pequena maioria que tanto provoca fascínio como receio”, se autoproclamam representantes do islão, descreve Khosrokhavar. “Nas prisões, os salafistas, muitas vezes pessoas carismáticas, exercem com o seu discurso militante extremista uma grande influência sobre os detidos. Para os mais frágeis, oferecem uma espécie de renascimento religioso à luz do islão radical”, escreveu a semana passada Myriam Benraad, politóloga e especialista em mundo árabe. 

“É preciso afastá-los uns dos outros e tentar reintegrá-los, colocando-os perto de detidos que não pertençam à mesma religião”, defende Habib Kaaniche, responsável dos sacerdotes muçulmanos nas prisões da região Paca (Provença, Alpes, Costa Azul), que inclui a grande cidade de Marselha. “Depois, é necessário oferecer-lhes formações durante a detenção. Garantir que encontrem psicólogos e imãs muçulmanos bem preparados.” 

Em declarações a vários jornais regionais, Kaaniche explica ter um religioso que gere três prisões em simultâneo, alguns que têm a cargo mais de 1500 detidos muçulmanos. Nestas condições, diz, “não é possível fazer um verdadeiro acompanhamento”.

Khosrokhavar defende “uma humanização dos centros de detenção, lugares de ressentimento muito profundo para os detidos”, 30% dos quais têm problemas mentais que os tornam especialmente influenciáveis. “Há muitos exemplos de psicopatas que se tornaram jihadistas. A prisão não fez nada por eles”, diz o académico ao jornal Le Monde. Para o sociólogo, é importante tentar impedir que os já radicalizados influenciem os mais frágeis. Mas “reagrupando e isolando os radicais reforçamos as ligações entre eles, uma vez colocados juntos, podem tornar-se bastantes mais perigosos do que à chegada”.