Pode o leite dos Açores ser um produto premium? A Bel acredita que sim
Para fugir das oscilações de preços, a dona do Terra Nostra avançou com um programa para certificar o leite do arquipélago, onde as vacas pastam ao ar livre 20 horas por dia. Agricultores pedem melhor remuneração.
Para já, o selo que distingue este leite só estará nas explorações que conseguirem cumprir entre 90 a 100% das regras. O programa é de melhoria contínua e José Pereira acredita que o pode ajudar a “ser mais exigente”. “Se queremos qualidade, isto ajuda a fugir à tentação de estabular as vacas”, conta, num intervalo da sessão de apresentação do projecto, que no início da semana encheu a sala do Teatro Micaelense.
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Para já, o selo que distingue este leite só estará nas explorações que conseguirem cumprir entre 90 a 100% das regras. O programa é de melhoria contínua e José Pereira acredita que o pode ajudar a “ser mais exigente”. “Se queremos qualidade, isto ajuda a fugir à tentação de estabular as vacas”, conta, num intervalo da sessão de apresentação do projecto, que no início da semana encheu a sala do Teatro Micaelense.
Nos Açores, as vacas alimentam-se diariamente de erva, estão no campo ao ar livre e permanecem escassas horas em locais fechados, apenas quando são ordenhadas ou alimentadas com rações para complementar a dieta, rica em proteína. A Bel acredita que 80% das horas diurnas devem ser no pasto e quer valorizar no mercado a característica única do leite que aqui se faz, em oposição ao que é dado por animais que vivem em estábulos apertados. José Viana, da direcção regional de Agricultura, diz que dos 120 mil hectares de terreno agrícola no arquipélago 106 mil são pastagens permanentes, ou seja, mais de 88% da área. “A erva é o alimento natural dos bovinos, contribui para o seu bem-estar”, e os consumidores “associam o bem-estar animal a qualidade”. “É isso que tem de ser preservado”, defende.
No Monte do Inglês, o programa da Bel (que já auditou 20 dos 500 fornecedores) apanhou Eugénio Câmara numa boa altura. Tinha acabado de terminar um investimento de 500 mil euros na exploração, onde tem 100 vacas leiteiras. “Mantemos os animais 365 dias por ano em pastoreio, 20 horas por dia. A ordenha é feita de manhã e à tarde”, conta. Na Fajã de Cima, tem 56 hectares e apostou em software para gerir melhor a produção e manter a saúde dos animais. Por exemplo, se uma das vacas tem quebra de leite (um dos sinais de doença), o sistema detecta. Ainda não tem o selo que distingue o “leite de vacas felizes”, mas como refere Eduardo Vasconcelos, director de recolha de leite da Bel, este é um programa evolutivo e pode até implicar o fim da relação comercial com os produtores que não cumpram os requisitos mínimos.
Jorge Rita, presidente da Federação Agrícola dos Açores, elogia a iniciativa, mas lembra que não é possível ter leite de vacas felizes “com produtores muito infelizes”. “Somos confrontados com o anúncio de baixas de preço do leite em algumas ilhas e as comparações que se fazem em gráficos (…) esquecem que na Europa o preço médio se mantém em 35,2 cêntimos e nos Açores está a 31,5”, ilustra. Jorge Rita defende que cabe à indústria valorizar o produto.
Na prática, tudo se resume ao preço. A União Europeia prepara-se para o fim das quotas leiteiras (a 31 de Março) e prevê-se já um aumento de 8% da produção até 2024, com a consequente descida de valor. O embargo russo também impediu vendas de dois milhões de toneladas de leite e provocou excesso de stocks. Em casa, e com a recessão no bolso, os consumidores travaram gastos e o consumo de leite caiu 7% em 2014.
A Bel argumenta que o seu programa é, por isso, uma espécie de plano de combate à descida de preços. A intenção é vender este leite mais caro aos consumidores, ao mesmo tempo que os produtores receberão um cêntimo a mais por cada litro que entregarem na empresa. Para a multinacional, os sete milhões de euros que pretende gastar no projecto representam um investimento quatro vezes superior ao habitual. E o retorno não vai chegar já.
Ana Cláudia Sá, directora-geral da Bel, diz que a multinacional francesa, que também detém o queijo Limiano, manteve a sua estratégia de produção “nas origens”. “O resto do mundo industrializou, fechou as vacas, deu cereais e rações. Nós nunca saímos daqui”, ilustra. É essa diferenciação que a empresa quer, agora, certificar.
Nutricionistas ajudam vendas
Num contexto de deflação generalizada, Ana Cláudia Sá estima um crescimento do negócio de 3,5% em 2015, alimentado sobretudo pelas marcas principais (A vaca que ri e Mini Babybel). Nos produtos Terra Nostra e Limiano, produzidos nas três fábricas portuguesas, as expectativas são mais tímidas: 2%. “Dado o enquadramento de mercado e a queda de preços prevista, inclusive para as marcas da distribuição, não temos uma ambição enorme de crescimento porque vai haver deflação”, resume.
Neste campeonato pela atenção dos consumidores, têm ganho as porções de queijo. Os nutricionistas têm repetido a importância de comer snacks saudáveis ao longo do dia, indicando marcas concretas e ajudando a estimular as vendas destes produtos. A directora-geral adianta que só a Mini Babybel vendeu mais 70% nos supermercados em 2014. Com as preocupações com a saúde em alta, a Bel prepara-se para reforçar as versões light destes produtos.
No total, o investimento para este ano chega aos dez milhões de euros, sete milhões no programa “leite de vacas felizes” e três milhões na marca Limiano “para alargamento do portefólio”. O queijo produzido em Vale de Cambra terá novas versões nas prateleiras, como ralado. Este ano haverá ainda investimento no leite UHT Terra Nostra e a empresa terá novidades para comunicar no final do ano.
O PÚBLICO viajou a convite da Bel Portugal