Hollande e Merkel, numa frente cada vez mais unida contra o terrorismo
Depois de três anos de desentendimentos mútuos,o eixo franco-alemão enfrenta um desafio comum e já tenta mostrar os primeiros sinais de união.
Reagir a um acontecimento com a escala dos atentados vividos pela França na semana passada é algo para que nenhum líder poderá estar preparado. É muito fácil cair-se no exagero, dividir uma sociedade ou, simplesmente demonstrar demasiado oportunismo político. As primeiras palavras de Hollande, poucas horas depois à porta da redacção do Charlie Hebdo, determinaram a sua condução da crise: “Sabíamos que éramos ameaçados por sermos um país de liberdade.”
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Reagir a um acontecimento com a escala dos atentados vividos pela França na semana passada é algo para que nenhum líder poderá estar preparado. É muito fácil cair-se no exagero, dividir uma sociedade ou, simplesmente demonstrar demasiado oportunismo político. As primeiras palavras de Hollande, poucas horas depois à porta da redacção do Charlie Hebdo, determinaram a sua condução da crise: “Sabíamos que éramos ameaçados por sermos um país de liberdade.”
Desde então, o Presidente francês tem conseguido canalizar o sofrimento e o choque do país para demonstrações de solidariedade – de que o exemplo principal foram as marchas de milhões de pessoas por todo o país. Mas, provavelmente mais importante, conseguiu levar a classe política, na sua generalidade, a ultrapassar o cálculo eleitoral em nome de um valor maior. Durante a gestão da crise, Hollande “colocou-se no epicentro de um consenso quase perfeito”, escreve o Le Monde. Nem mesmo o seu ainda popular antecessor, Nicolas Sarkozy, em pleno regresso à política activa, conseguiu antagonizar a sua liderança: “Fez o que tinha a fazer”, disse à RTL esta semana.
O único erro que se aponta à gestão de Hollande foi a exclusão da líder da Frente Nacional, Marine Le Pen, da marcha de domingo, considerada como um convite ao extremismo de posições e contrária ao espírito de união que se impunha. Le Pen tem sido, de resto, a única dirigente a furar o consenso criado em torno dos ataques – foi ela a primeira a falar em “fundamentalismo islâmico”, quando ainda se estavam a iniciar as investigações.
Nos últimos dias, Hollande, mas também o seu primeiro-ministro, Manuel Valls, têm continuado a gerir o rescaldo dos ataques. No discurso que fez durante a homenagem aos polícias mortos – a quem atribuiu a Legião de Honra a título póstumo –, o Presidente sublinhou a necessidade de não ceder ao medo, declarando que “a França não chora, mantém-se de pé”.
Esta quinta-feira, Hollande reservou palavras para os “muçulmanos, as primeiras vítimas do fanatismo, do fundamentalismo e da intolerância”, durante um discurso no Instituto do Mundo Árabe. A presença de Hollande não estava contemplada na agenda semanal do Eliseu, de acordo com Le Figaro. E em circunstâncias normais não seria de esperar que o chefe de Estado fosse falar à abertura de um congresso. Mas nos últimos dias passou a fazer todo o sentido. E Hollande sabe-o.
Sabem-no também os franceses. As primeiras sondagens apontam para um grande apoio à forma como Hollande e o Governo têm gerido os atentados. Cerca de 79% dos inquiridos consideram que Hollande e Valls estiveram “à altura” dos acontecimentos, de acordo com uma sondagem da Odoxa, publicada esta semana pelo jornal Le Parisien. Como consequência, o Presidente, que chegou a ter a mais baixa taxa de popularidade da V República, apresentou uma ligeira subida na aprovação popular, passando de 21 para 29%. Um outro estudo, do barómetro de Janeiro da OpinionWay realizado em parte ainda antes dos atentados, aponta para uma subida de quatro pontos percentuais.
“Neste contexto de união nacional, há grandes hipóteses que François Hollande continue a sua recuperação”, observa Frédéric Dabi, do Instituto Francês de Opinião Pública, citado pela AFP. “François Hollande, construtor de consensos até quando?”, questiona o Le Monde, é a pergunta que a partir de agora se impõe.
A luta de Merkel
Hollande não é, porém, o único líder europeu que tem marcado presença em actos de grande simbolismo na luta contra o terrorismo. Geralmente apresentada como alguém de alto pragmatismo e pouco dada a lutas ideológicas, Angela Merkel tem sido uma voz invulgarmente apaixonada no combate ao extremismo.
Esta semana, a chanceler participou numa manifestação promovida por organizações muçulmanas em Berlim de condenação dos atentados de Paris, que juntou dez mil pessoas. Este é um terreno diferente daquele a que Merkel está habituada, dado que é conhecida a sua preferência por negociações em gabinetes em relação a actos públicos de milhares de pessoas.
Mas os tempos são outros, mesmo na estável Alemanha de Merkel, que entrou há pouco mais de um ano entrou no seu terceiro mandato, sem competição assinalável. Nos últimos meses, o Pegida, um movimento xenófobo associado à extrema-direita, tem organizado manifestações em várias cidades, que crescem semana após semana. Na véspera da presença de Merkel na homenagem de Berlim, o Pegida tinha conseguido juntar 25 mil pessoas em Dresden.
“Quando o Pegida surgiu, Merkel recorreu à sua estratégia habitual: não enfrentar directamente para não se queimar. Mas o movimento cresceu demasiado para ser ignorado”, nota ao El País o professor da Universidade Livre, Carsten Koschmieder. Poucos dias antes do atentado de Paris, Merkel utilizou a sua mensagem de fim de ano para deixar uma mensagem muito assertiva de condenação do movimento. A chanceler pediu aos seus compatriotas para não participarem nas manifestações, que disse serem promovidas pelos “preconceitos, pela indiferença e pelo ódio”.
A Alemanha olha para a França como um exemplo daquilo que lhe pode acontecer e as semelhanças são óbvias. Os serviços secretos alemães calculam que cerca de mil pessoas estejam envolvidas em círculos jihadistas, dos quais 230 são considerados Gefährder, perigosos, segundo a revista Der Spiegel. A reconhecida capacidade de recrutamento do grupo terrorista Estado Islâmico tem tido efeitos também entre os alemães, estimando-se que das 550 pessoas que viajaram para a Síria e para o Iraque já tenham regressado 180.
Por tudo isto, não é de estranhar que Hollande e Merkel apareçam agora como os rostos da luta europeia contra o terrorismo. A relação entre os dois líderes nunca foi promissora e foram vários os analistas que alertaram para o enfraquecimento do chamado “eixo franco-alemão”, em favor de uma primazia de Berlim.
O enfraquecimento económico da França, que foi alvo de críticas e até exigências da Alemanha, contribuiu para este sentimento. Merkel tem feito uma aproximação progressiva a outros parceiros, com destaque para a Polónia – cujo ex-primeiro-ministro e actual presidente do Conselho Europeu, Donald Tusk, é uma espécie de protegido da chanceler – e outros países do Norte da Europa, defensores da austeridade e das reformas económicas mais duras no Sul.
Hollande, por seu turno, coloca-se ao lado de líderes que tentam combater a linha de pensamento de Berlim, tal como o primeiro-ministro italiano, Matteo Renzi. A revista Economist contava, em 2012, que ao contrário de Sarkozy, que se reunia em privado com Merkel antes das cimeiras europeias, Hollande não o fazia. Em Setembro, um líder europeu respondeu ao New York Times “qual eixo franco-alemão? A França não existe”.
Face a uma “aliança profana contra a democracia”, como descreve o Financial Times, os dois líderes têm agora a oportunidade para refundarem o eixo que animou a Europa após a II Guerra Mundial.