Esta televisão que não me falta
Nos dias que correm, a oferta televisiva em Portugal é de tal forma medíocre que a malta prefere investir o seu tempo em conteúdos mais curtos que se encontram num computador qualquer
Um dia tive uma professora que se vangloriava por não ter televisão em casa. Dizia que a caixa mágica era tóxica para uma boa vida familiar. Pouco tempo depois, deparei-me com o brilhantismo da citação atribuída a Groucho Marx: "Devo dizer que considero a televisão muito educativa: sempre que alguém a liga, mudo de sala e leio um livro". Mesmo assim, na idade imberbe de estudante universitário, não conseguia compreender como é que alguém poderia viver sem a tal caixa.
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Um dia tive uma professora que se vangloriava por não ter televisão em casa. Dizia que a caixa mágica era tóxica para uma boa vida familiar. Pouco tempo depois, deparei-me com o brilhantismo da citação atribuída a Groucho Marx: "Devo dizer que considero a televisão muito educativa: sempre que alguém a liga, mudo de sala e leio um livro". Mesmo assim, na idade imberbe de estudante universitário, não conseguia compreender como é que alguém poderia viver sem a tal caixa.
Desde então, a televisão tem adquirido um papel cada vez mais diminuto nos meus dias. A média deve andar por uma hora semanal de TV. À hora da refeição, o telejornal serve mais de ruído de fundo e de catalisador para conversas em família do que propriamente de real informador. Até podia atribuir isto ao defeito profissional de passar os dias de jornais em riste e em sites à pesca de notícias, mas o que vejo é que a caixa mágica faz cada vez menos parte da vida dos jovens em geral. Há umas semanas, Dário Guerreiro, um "YouTuber" e comediante que admiro, reforçou esta minha ideia de que a malta que anda entre a adolescência e os trintas pouca atenção dá à TV.
Falo, claro está, do fraco ecletismo da generalidade dos públicos portugueses e da consequente (e tão aclamada) "produção nacional" que, salvo raríssimas excepções, falha na originalidade e na aplicação de ideias próprias. Aposta-se em modelos que singraram noutros lugares e alimentam-se à força as mentes dos seres amorfos que se imiscuem em sofás. O público, não tendo outro remédio, vai comendo o que lhe é dado. Aparentemente, o risco de criar um conteúdo original e colocar à prova os gostos das audiências, essas ditadoras, não é levado a sério. O último caso de sucesso e de registado apreço terá sido, muito provavelmente, o "5 Para a Meia-Noite" — e mesmo assim, veja-se, estreou num canal marginal como a RTP2. Só depois teve a graciosidade de avançar para o generalista. Há coisa de uma década, acontecia o mesmo com o "Gato Fedorento". Ao que parece, arriscar compensa.
As faixas etárias dos 18-35, mais habituadas aos "snippets" de dois ou três minutos que se podem ver nos canais de YouTube do Jimmy Kimmel, do Fallon, do Buzzfeed e noutros que tais, e às séries de grande monta como "Breaking Bad" ou "Game of Thrones", relegam a televisão nacional para caves inóspitas.
Nos dias que correm, a oferta televisiva em Portugal é de tal forma medíocre que a malta prefere investir o seu tempo em conteúdos mais curtos que se encontram num computador qualquer. Os conteúdos estrangeiros são, naturalmente e por consequência, vencedores entre as faixas etárias mais jovens. Bem sei que o futuro dos conteúdos (televisivos e não só) será feito de nichos, mas estou, ainda assim, muito curioso para observar o comportamento das generalistas nos próximos quinze ou vinte anos. Ou, por outro lado, será que nós, há tão pouco tempo gaiatos, acabaremos por nos resignar às corcundas das idades tonrando-nos em tudo aquilo que criticámos ao longo da adolescência inteira?