Os melhores anjos da nossa natureza

Somos mais ricos, temos melhor saúde e estamos mais seguros do que em qualquer outra altura da nossa História.

Como todos sabemos, à época tais anjos nunca chegaram a aparecer, mas o livro de Pinker é um longo ensaio, sustentado em numerosos dados empíricos, com a seguinte tese: há um declínio acentuado da violência à nossa volta e nunca vivemos tempos tão pacíficos. Recorrendo a estudos de arqueologia forense, Pinker estima que o número de mortes violentas antes da existência de Estados era de cerca de 15%, contra 3% nos primeiros Estados. Mesmo o terrível século XX, com duas guerras mundiais, terá sido menos violento do que os séculos anteriores – não no número total de mortos, mas na sua percentagem em relação à população mundial, que cresceu exponencialmente. Após a Segunda Grande Guerra, e a subsequente queda do comunismo, o número de mortes devido a violência política (guerras civis, terrorismo) não terá excedido 1% do total de mortes ocorridas em todo o mundo.

A verdade faz-nos mais fortes

Das guerras aos desastres ambientais, da economia às ameaças epidémicas, quando os dias são de incerteza, o jornalismo do Público torna-se o porto de abrigo para os portugueses que querem pensar melhor. Juntos vemos melhor. Dê força à informação responsável que o ajuda entender o mundo, a pensar e decidir.

Como todos sabemos, à época tais anjos nunca chegaram a aparecer, mas o livro de Pinker é um longo ensaio, sustentado em numerosos dados empíricos, com a seguinte tese: há um declínio acentuado da violência à nossa volta e nunca vivemos tempos tão pacíficos. Recorrendo a estudos de arqueologia forense, Pinker estima que o número de mortes violentas antes da existência de Estados era de cerca de 15%, contra 3% nos primeiros Estados. Mesmo o terrível século XX, com duas guerras mundiais, terá sido menos violento do que os séculos anteriores – não no número total de mortos, mas na sua percentagem em relação à população mundial, que cresceu exponencialmente. Após a Segunda Grande Guerra, e a subsequente queda do comunismo, o número de mortes devido a violência política (guerras civis, terrorismo) não terá excedido 1% do total de mortes ocorridas em todo o mundo.

Ao mesmo tempo, as condições de vida do planeta, os cuidados de saúde e a riqueza da população nunca foram tão elevadas. No final de Dezembro, época sempre propícia a balanços, o director da revista Spectator, Fraser Nelson, escreveu um texto no Telegraph provocadoramente intitulado “Adeus a um dos melhores anos da História”, o que em plena crise económica parecia uma piada de mau gosto. Só que não era provocação, nem piada de mau gosto – é a pura realidade, quando conseguimos olhar para o planeta como um todo.

Somos mais ricos, temos melhor saúde e estamos mais seguros do que em qualquer outra altura da nossa História. A esperança de vida no Ruanda e na Etiópia aumentou 15 anos desde 1990. Mesmo nos países ocidentais aumentou cinco anos. A pobreza extrema (pessoas que vivem com menos de 1,25 dólares por dia) caiu para metade em 25 anos. E, segundo Nelson, morreram mais soldados britânicos no primeiro dia da Batalha do Somme do que em todos os conflitos armados em que o Reino Unido esteve envolvido após 1945.

Tudo isto aconteceu porque a nossa natureza mudou com o passar dos séculos? Steven Pinker é muito claro quanto a isso: a natureza é exactamente a mesma. Os nossos verdadeiros anjos são as instituições que o Homem foi conseguindo criar ao longo do tempo, na busca da sua própria segurança. O Estado. O comércio. O crescimento das cidades, dos media e de uma vivência cosmopolita. O reconhecimento da importância da razão e das vantagens da aplicação da racionalidade na resolução das divergências, em vez do simples uso da violência.

****

É importante não perder a perspectiva destes factos, mesmo quando uma tragédia da dimensão da que aconteceu no Charlie Hebdo irrompe nas nossas vidas. Não se trata, claro, de um convite ao imobilismo – o fundamentalismo islâmico é um dos mais graves problemas contemporâneos e deve ser corajosamente enfrentado. Convém apenas não ceder com facilidade a uma visão catastrofista do mundo. Como aconselha o grande Manuel António Pina: “Ainda não é o fim, nem o princípio do mundo. Calma, é apenas um pouco tarde.”